www.esquerdadiario.com.br / Veja online / Newsletter
Esquerda Diário
Esquerda Diário
http://issuu.com/vanessa.vlmre/docs/edimpresso_4a500e2d212a56
Twitter Faceboock
CARTA ABERTA
Carta aberta da agrupação de negros Quilombo Vermelho à advogada Valéria Lucia dos Santos
Marcello Pablito
Trabalhador da USP e membro da Secretaria de Negras, Negros e Combate ao Racismo do Sintusp.
Quilombo Vermelho

Veja aqui a carta aberta da agrupação de negros e negras, Quilombo Vermelho, para a advogada Valéria Lucia dos Santos, que foi vitima de um ataque racista brutal da polícia durante uma audiência que participava.

Ver online

Cara Valéria,

Assistimos com imensa indignação as absurdas imagens em que policiais lhe algemaram em pleno tribunal durante o exercício de seu trabalho como advogada de defesa. A violência contida nesse ato é de fazer ferver o sangue de qualquer negro, de todos nós que sentimos na pele a cada dia o peso do racismo do Estado e de cada uma de suas instituições. Um Estado formado sob o sangue e suor de milhões de negros escravizados, que sequestrou, assassinou, matou nossos irmãos por séculos, e que hoje segue se mantendo sob os pilares desse racismo, tão evidentemente representado no judiciário e no episódio em que te algemaram no tribunal simplesmente porque você se recusou a abaixar a cabeça e exigiu o direito de exercer seu trabalho.

Em meio a toda a nossa raiva, sentimos também orgulho, pois cada um de nós se sentiu representado por sua voz ao se levantar e dizer que não aceitaria a arbitrariedade da juíza leiga, e que não se calaria, não se resignaria diante do escandaloso racismo que queria lhe colocar uma mordaça. Nós não nos calamos também, e junto com sua voz gritamos contra o racismo desse judiciário, que não admite ver uma mulher negra advogando, dentro desse sistema onde para eles só nos cabe o banco dos réus – isso quando temos direito a julgamento.

A uma advogada negra, eles querem impor o silêncio e, se sua voz se levanta indignada, algemas. Isso é mais uma faceta da violência que é imposta cotidianamente a todos os negros, que são a imensa maioria dos assassinados pelas balas da polícia em cada periferia, morro e favela; são a maioria dos detidos em cada presídio – 40% sem sequer ter acesso a um julgamento – a quem o capitalismo e o Estado, por meio de sua polícia e seu judiciário, quer reservar o fardo mais pesado, sempre.

Por isso, as algemas que colocam em você se destinam aos punhos de todos os negros, como mais um exemplo de que esse judiciário racista – como porta voz desse Estado capitalista – está destinado a uma e outra vez utilizar todos seus instrumentos para tentar nos submeter e nos manter sob o chicote dos atuais senhores de engenho, de quem eles não são mais do que os capatazes e capitães do mato.

E por isso também a sua voz que grita “é meu direito como mulher, como negra, é trabalhar” é uma voz que tomamos como nossa e ao lado da qual nos postamos firmemente. As mulheres negras, que além do fardo do racismo ainda sentem sobre seus ombros o brutal peso do machismo, recebem salários em média 60% menores que os dos brancos. Sofrem mais com cada ataque aos direitos dos trabalhadores, e ocupam os postos mais precarizados de trabalho, como terceirizadas da limpeza, empregadas domésticas, entre outros.

Essa realidade salarial é a comprovação de como o racismo é funcional para os lucros capitalistas hoje em dia tanto quanto foi para a acumulação capitalista dos séculos XVI a XVIII. A tentativa de calar sua voz é também mais uma forma de quererem impor que essa multidão de mulheres negras siga suportando a opressão e a exploração que lhes atinge historicamente. Por isso, a sua denúncia do racismo do Estado e do judiciário é também a voz delas.

O capitalismo nos impõe a cada dia uma realidade em que a vida dos negros não vale nada, e infelizmente isso é algo presente na sua vida, como pudemos ver com o relato do trágico assassinato de seus dois irmãos em Mesquita, e como essa barbárie fez você tomar a dura decisão de viver longe de seus filhos.

As mães negras, como a do jovem Marcos Vinicius, de 14 anos, morto em junho na Maré pelas balas da polícia, são as que mais perdem seus filhos assassinados, ou que os veem ser presos injustamente – como no caso de Rafael Braga – pelas mãos desse mesmo Estado racista. Por isso, a sua voz que se levanta é também a voz delas.

É também a voz de Marielle, brutalmente assassinada por denunciar a intervenção federal que mata os negros, e cuja morte segue há seis meses sem explicação, pois para eles não há interesse algum em punir os culpados.

Por isso queremos lhe dizer que a sua voz, que bravamente se ergue contra o Estado racista, é a nossa voz, e que queremos que essa voz seja cada vez mais forte e ocupe as fábricas, as escolas, as universidades, e que possa ser um movimento poderoso e real contra o racismo e o capitalismo, uma luta que só pode se dar de forma independente, sem nenhuma confiança nos partidos burgueses que ou fazem demagogia com nossa luta ou destilam ódio contra nossa identidade e história, com representantes bárbaros como Bolsonaro. Conte conosco a seu lado para denunciar e lutar a cada dia contra o racismo desse judiciário e desse Estado.

Marcello Pablito, candidato a deputado estadual do MRT pelo PSOL em São Paulo.

Quilombo Vermelho - Luta Negra Anticapitalista

 
Izquierda Diario
Redes sociais
/ esquerdadiario
@EsquerdaDiario
[email protected]
www.esquerdadiario.com.br / Avisos e notícias em seu e-mail clique aqui