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OPINIÃO
Ciro Gomes não é nenhuma alternativa para enfrentar a direita golpista
Flavia Valle
Professora, Minas Gerais
Maíra Machado
Professora da rede estadual em Santo André, diretora da APEOESP pela oposição e militante do MRT

Em uma eleição marcada pelo golpismo do judiciário que impede a população de votar em quem quiser e pela polarização com uma extrema-direita forte representada por Bolsonaro, um setor de trabalhadores e jovens olha para a candidatura de Ciro como alguém que pode “impedir Bolsonaro de vencer”. Queremos neste artigo mostrar como apesar da demagogia desenvolvimentista, Ciro oferece um programa que não leva a nenhum desenvolvimento, pelo contrário seguirá a subordinação do país ao capital estrangeiro e à continuidade de ataques à classe trabalhadora, característica comum que tem com a candidatura do PT.

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Foto: Wanezza Soares

Passados dois anos do golpe institucional as condições de vida da população estão cada vez piores. Foram retirados direitos com a terceirização irrestrita e com a reforma trabalhista, e agora há até quem defenda “menos direitos e algum emprego, ou todos os direitos e nenhum emprego” como fala Bolsonaro. Com o golpe conseguiram avançar uma agenda odiosa que se expressa na xenofobia contra imigrantes, como vimos em Roraima, e em uma retórica racista e misógina.

Conseguiram até mesmo retirar o direito da população votar em quem quiser, impedindo Lula que lidera todas as pesquisas, de participar. Defendemos incondicionalmente o direito da população votar em quem quiser, mesmo que não votemos no PT, que abriu caminho à direita com suas alianças, governando para os empresários, assumindo os métodos capitalistas da corrupção e realizando ajustes contra nossos direitos.

Por interferência do autoritarismo judicial, é Haddad quem vai representar a estratégia de conciliação petista, junto a oligarcas do Nordeste e inclusive tentando trazer para si os banqueiros da Febraban. Está claro que uma renovada aliança com aqueles que levaram ao golpe institucional é a via mais curta para agravar a situação de milhões de trabalhadores. O PT segue tendo a defesa da institucionalidade burguesa como "princípio motor".

Frente a grave situação econômica e social com 28 milhões de pessoas sem emprego ou subempregadas, e com novos ataques a até mesmo direitos elementares como o de votar livremente, sem tutela judicial, muitos procuram alternativas para se enfrentar com os golpistas.

Ciro Gomes busca aparecer como uma alternativa.

Entretanto, em primeiro lugar poderíamos perguntar: é possível ser uma alternativa ao golpismo lado a lado com a direitista Kátia Abreu, sua candidata a vice?

Pode te interessar: “O PT como mal menor ajuda a combater o golpismo e a direita?”

Kátia Abreu é uma das principais líderes do agronegócio no país. Já foi agraciada com o simbólico prêmio "Motosserra de Ouro" , ex-filiada ao DEM e posteriormente ao PMDB, é uma ardorosa defensora dos interesses dos grandes latifundiários que são um dos setores mais reacionários da burguesia brasileira, desmatando, atacando reservas indígenas, explorando trabalho escravo e lucrando milhões com a imensa concentração fundiária brasileira na mão desse punhado de parasitas.

Além disso, em entrevista para a Folha de São Paulo, Kátia Abreu defende que mulheres sigam morrendo em abortos clandestinos, se colocando veementemente contra a legalização do aborto no Brasil, uma demanda internacional do movimento de mulheres que, para citar um exemplo, fez tremer as ruas argentinas.

Segundo Ciro, legalizar esse direito fundamental das mulheres “não é tarefa para um presidente da República”.

Promessas de desenvolvimento escondem uma reforma da previdência igual a dos tucanos Doria e Marchezan e fortíssimo ajuste fiscal

Ciro promete revogar a emenda constitucional do teto dos gastos e revogar a reforma trabalhista, para “promulgar uma nova” (já aqui um flerte com os mercados, que exigem a flexibilização dos direitos trabalhistas e a avanço da terceirização). Para quem ainda tem dúvida, em entrevistas ao “mercado” e no programa que Ciro Gomes entregou ao TSE, fica claríssimo como seu programa leva a ataques à classe trabalhadora.

Mauro Benevides em palestra do Grupo Lide, de João Doria Jr

O principal assessor econômico de Ciro, Mauro Benevides Filho, já deu diversas entrevistas propondo uma reforma da Previdência que tenha como um de seus pilares a “capitalização”, um exemplo pode-se ler na Exame. O que isso significa?

Que uma parte do valor das aposentadorias não seria mais garantida pelo Estado mas seria necessário que cada trabalhador criasse uma poupança. Ciro nunca desmentiu Benevides, nem poderia, isso está explícito em seu programa no TSE

(Para ler o programa de Ciro na íntegra, clique aqui)

“Implementação de um sistema previdenciário multipilar capitalizado, em que o primeiro pilar, financiado pelo Tesouro, seria dedicado às políticas assistenciais; o segundo pilar corresponderia a um regime previdenciário de repartição com parâmetros ajustados em relação à situação atual; e o terceiro pilar equivaleria a um regime de capitalização em contas individuais.”

Em outras palavras, uma parte das aposentadorias seria garantida, outra parte seria no modelo atual “com ajustes”. Isso só pode significar aumento do tempo de contribuição ou novas fórmulas para o benefício integral – e por fim se instituiria um teto bem mais baixo para o INSS (suponhamos R$3 mil como Benevides falou em uma entrevista) e todo restante teria que ser uma poupança privada.

Isto é exatamente o que o tucano Nelson Marchezan quer fazer com os municipários de Porto Alegre, e o que o tucano João Doria só não conseguiu em São Paulo graças a forte greve dos professores e servidores que o derrotou.

Greve contra o Sampaprev de Doria

Com tamanha rotatividade do trabalho, desemprego, isso implicaria “parâmetros ajustados”, retirada de direitos para a maioria, combinado a um forte ataque a todos trabalhadores que recebem mais do que 3 mil reais – ou seja 1/12 do que recebem os políticos e juízes, fora seus auxílios.

Trata-se de uma reforma menos draconiana que a de Temer, mas mesmo “mais light” significaria impor uma poupança, impor um confisco dos salários e perda de direitos para a maioria que sofreria “ajustes de parâmetros”.

Esta reforma da previdência é um dos pilares de Ciro para liberar recursos do Estado. Outro pilar seria 15% a menos de isenções fiscais aos patrões e ajuste fiscal, ou seja corte nos gastos em saúde e educação. O programa de Ciro diz logo em sua introdução:

“O Estado precisa, junto com o setor privado, viabilizar um volume de investimentos de, aproximadamente R$ 300 bilhões ao ano (praticamente 5% do PIB) para recuperar a infraestrutura do país e assim contribuir para a melhoria dos indicadores sociais e da competitividade global das empresas brasileiras. Não haverá outra forma de fazê-lo que não seja através do retorno da capacidade de investimento do setor público, que dependerá do ajuste fiscal, tributário, da reforma da Previdência e da consequente queda das despesas com juros, e da sua associação com o capital privado nessa empreitada. O BNDES também terá um papel preponderante nesse processo.”

O “desenvolvimentismo” de Ciro exige reforma da previdência, exige “ajuste fiscal”. Suas propostas em como fazer a reforma da previdência e outros ajustes implicam que os trabalhadores deverão pagar pela crise dos capitalistas.

Esse programa de oferecer uma demagogia de desenvolvimento mas aceitar todas as regras neoliberais, como a Lei de Responsabilidade Fiscal, e o pagamento da dívida pública – uma dívida ilegal, ilegítima e fraudulenta, verdadeiro mecanismo de saque do país pelos grandes bancos estrangeiros – é parte do que foi explicitado em fevereiro no manifesto “Unidade para Reconstruir o Brasil”, assinado pelo PDT de Ciro, pelo PT, PCdoB, PSB e até mesmo o PSOL.

Pode te interessar conhecer nossa crítica a esse manifesto

Fazer um agressivo “ajuste fiscal” é parte da trajetória política de Ciro. Seus meses como ministro da Fazenda de Itamar Franco estiveram marcados pela privatização da Embraer (garantindo que o Estado teria poder de veto mas entregando ao imperialismo e ao grupo Bozzano) e pelo maior superávit primário que o país já viu desde o Plano Real. Um superávit de 3,3% do PIB. Ou seja, fez o maior corte em gastos sociais que o país já viu para continuar entregando uma fortuna para os donos da dívida. Ciro ganhou de Pedro Malan, Henrique Meirelles, de Joaquim Levy... e agora seu programa oferece exatamente o mesmo como premissa para um suposto desenvolvimento.

Dezenas de estatais prontas para serem privatizadas: assim diz assessor de Ciro

Mauro Benevides também afirmou, durante o Exame Fórum, que das 148 estatais brasileiras existentes hoje, cerca de 77 poderiam ser privatizadas” num governo do PDT, no mesmo evento em que Persio Arida, assessor de Alckmin, garantiu que “não existe estatal estratégica”. A privatização é propagandeada pela direita como a solução mágica para os problemas de ineficiência e corrupção, mas se trata de um disfarce para a entrega e transformação do patrimônio público em lucro para os empresários. Isto sem falar na precarização dos empregos que sua implementação acarreta.

Esse pacotão da privatização não tem nada a ver com a melhoria das condições de vida dos trabalhadores, que sabem que as estatais não se resumem à Petrobras, ao Banco do Brasil e à Eletrobras, por mais importantes que sejam.

Entregar ainda mais dinheiro na dívida pública

Ciro promete “diminuir radicalmente” os gastos com a dívida pública. Ele promete isso de duas maneiras. Em forma popular, Ciro fala que fará o mesmo que fez no Ceará, comprando-a em adiantamento, ou seja, entregando mais recursos ainda.

Como disse no Roda Viva, “Fui lá e comprei a dívida do Ceará, não dei calote não, comprei a dívida do Ceará que é o que eu pretendo fazer com a do Brasil”. Ciro diz que pretende poupar trilhões de dólares para comprar os títulos da dívida – indício de que sua “responsabilidade fiscal” significará cortes no orçamento público, inclusive na educação, da qual se gaba Ciro – para enriquecer os capitalistas.

Hoje a dívida pública significa uma fortuna de R$ 1 trilhão que a cada ano vai parar nas mãos dos bancos imperialistas, nacionais e de outros capitalistas. Para adiantá-la teria que fazer um “ajuste fiscal” ainda mais agressivo que o que fez com Itamar ou aquele iniciado por Dilma, e acentuado por Temer através da PEC 55.

Em seu programa de governo, Ciro é mais detalhista do que nas entrevistas e debates quando retorna a esta fórmula do Ceará. O programa diz “Redução da indexação no mercado financeiro, através da substituição gradual da participação de Letras Financeiras do Tesouro, corrigidas pela Selic, por títulos prefixados no financiamento da dívida”. O que isso significa?

Parte da dívida é negociada levando em consideração a SELIC, outra parte algum tipo de juros somado à variação cambial ou da inflação e uma outra parte com valores fixos (por exemplo 10% ao ano, digamos). Boa parte da dívida passa obrigatoriamente pela mão de 12 bancos, os chamados “dealers”. Neste monopólio criado pela ditadura e honrado por todos governos, incluindo o PT, estão o Itaú, Bradesco e gigantes imperialistas como Merryl Lynch, Santander, etc. Estes 12 escolhem quando compram do governo e quando vendem para o mercado.

Como Ciro propõe acabar com essa ciranda? Substituindo gradualmente por títulos fixos. Mas porque “gradualmente” os bancos aceitariam um valor fixo se ele não for maior que o flexível atual que leva em conta a SELIC, a inflação ou o câmbio?

Esse programa é fantasioso. Por que os bancos abririam mão de seu privilégio voluntariamente? Ciro sabe que não abririam mão disso, e flerta com os benefícios que os banqueiros podem ganhar em seu eventual governo.

Só há uma maneira de quebrar este mecanismo de roubo do país: não pagando a dívida pública como parte de avançar um programa de enfrentamento com o imperialismo que passe por outras medidas como monopólio do comércio exterior, nacionalização do sistema bancário sob controle dos trabalhadores para garantir que esse dinheiro não seja roubado do país e garantir todos depósitos e poupanças dos trabalhadores e setores médios da sociedade.

Um programa para se enfrentar com os capitalistas, com a extrema-direita e o golpismo

A realidade é que por trás da retórica de Ciro seu programa está repleto de aspectos neoliberais. E isso é coerente com toda sua trajetória política. Para se enfrentar com o golpismo, com a extrema-direita a classe trabalhadora e a juventude precisam superar o PT pela esquerda, desenvolvendo uma força nos locais de trabalho e estudo que confie na mobilização independente e em um programa que leve a se enfrentar com o golpismo que sequestra o direito da população votar em quem quiser, que termine com o pagamento da ilegal, ilegítima e fraudulenta dívida pública. O programa de Ciro vai na contramão disso.

Nesta mobilização independente e desenvolvendo uma resposta ao roubo do país lutamos para impor uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana, para que seja a maioria da população a tomar as decisões para acabar com o desemprego, garantir o não pagamento da dívida pública e que todo juiz seja eleito e revogável, com todos os casos de corrupção julgados por júri popular; re-estatizar as empresas privatizadas por Temer, por Dilma, por Lula, por FHC e até mesmo por Ciro.

A resposta à direita e aos capitalistas não passa em assumir um programa que tem pontos de contato com a reforma da previdência de Doria e que quer promover um agressivo “ajuste fiscal”. A resposta passa por nosso esforço cotidiano, nas eleições e para além delas, em construir uma força anticapitalista.

 
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