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PELO NÃO PAGAMENTO DA DÍVIDA PÚBLICA
A dívida pública e a Liga dos Comunistas
Kenji Ozawa

Candidatos e economistas da burguesia têm argumentado que a proporção dívida-PIB brasileira é pequena comparada a de outros países. 168 anos atrás, Marx e Engels já alertavam os trabalhadores como essa perspectiva é traiçoeira.

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O Movimento Revolucionário de Trabalhadores (MRT) lançou, a partir de seu III Congresso, uma campanha nacional pelo não-pagamento da dívida pública, um meio de espoliação e “escravização por dívida” do Brasil por parte do capital financeiro internacional, cujos juros e amortizações consomem anualmente R$ 1.000.000.000.000 (um trilhão!), ou seja, quase metade do orçamento da União.

Não importa o quanto paguemos, a dívida brasileira só cresce, ano após ano, governo após governo. O serviço da dívida brasileira é o mais caro do mundo; entre 6-8% do PIB por ano, enquanto a média dos países da OCDE é 2%. Essa discrepância é consequência não só de ditames da globalização neoliberal como o câmbio flutuante e a livre circulação de capitais, mas também da existência dos “dealers”, 12 instituições financeiras que têm privilégios na negociação dos títulos da dívida, entre as quais se incluem os estadunidenses Goldman Sachs, J. P. Morgan e Merrill Lynch, o espanhol Santander e o suíço Credit Suisse. Essas 12 instituições conformam um verdadeiro cartel que controla o perfil da dívida, cujos títulos são majoritariamente vinculados ao câmbio, à inflação ou a taxa básica de juros da economia (Selic); só 35,5% dos títulos têm remuneração pré-fixada.

Como explica a economista Daphnae Helena: “Toda vez que uma decisão econômica vai contra os ‘interesses do mercado’ ocorre fuga de capitais, sendo assim como saem dólares do país, a moeda desvaloriza (a dívida aumenta), para conter a fuga de capitais o governo aumenta os juros (a dívida aumenta ainda mais). Com o aumento dos juros e o aumento da dívida, o governo tem que emitir novos títulos para financiar a dívida com juros ainda mais caros.” Através da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), o capital internacional chantageia o Brasil para que sejam feitas as reformas trabalhista e previdenciária, para que se congelem os investimentos públicos em educação e saúde por 20 anos, etc. e, assim, organiza não só o orçamento federal mas toda a economia nacional em função do “superávit primário”, ou seja, do serviço da dívida.

Algumas campanhas presidenciais têm dito que o problema da dívida não é o seu tamanho, pois o montante total da dívida brasileira é ““só”” 75% do PIB, enquanto a proporção dívida-PIB japonesa supera os 200%. Ao apresentar o programa econômico de Boulos na sede paulistana da Fundação Lauro Campos no último dia 10 (de julho), por exemplo, Laura Carvalho referiu-se tão somente a controle de capitais e a uma mudança do perfil da dívida, em outras palavras, taxar a saída de dólares do país e não emitir novos títulos vinculados ao câmbio e a Selic. Tal programa nada diz a respeito dos títulos que já foram emitidos, títulos esses que os capitalistas dificilmente aceitariam trocar por outros de remuneração pré-fixada, diga-se de passagem, e é pouquíssimo crível que só a taxação do câmbio possa evitar ataques especulativos contra a moeda brasileira como o que já está em curso. Tampouco foi proposta a revogação da LRF, mas simplesmente a sua “revisão” ou “flexibilização”, isto é, que o serviço da dívida continue submetendo toda a economia do país de tal modo que, mesmo que uma reforma tributária aumentasse a receita total do Estado, esses novos recursos continuariam sendo gastos não em políticas públicas e sociais mas ainda no pagamento de uma dívida crescente.

Lamentavelmente, até organizações que se reivindicam marxistas e revolucionárias, como a Resistência, apoiam essa plataforma eleitoral. Já debatemos aqui, como é ilusório “querer reproduzir em pleno século XXI, nas condições de um país atrasado como o Brasil, que depende profundamente das finanças internacionais, o papel que teve a dívida pública nos primórdios da industrialização na Inglaterra e outros países centrais.”

No célebre Capítulo XXIV do livro um d’O Capital, Marx descreve como o sistema da dívida pública surgiu e foi parte importante do processo de formação do capitalismo antes mesmo do século XVIII. “Se esse processo de endividamento estatal foi fundamental para a acumulação primitiva e para a concentração de capitais necessária para o desenvolvimento da indústria moderna,” todavia, escreve Thiago Rodrigues, “seu papel nos países atrasados, dependentes e semicoloniais teve e tem um sentido inverso. No Brasil, o primeiro ato de endividamento data da independência acordada com Portugal, em que o império escravocrata herdou as dívidas de Portugal com a Inglaterra em troca da independência. Desde a sua gênese a dívida pública brasileira é um mecanismo não de acumulação primitiva para uma burguesia nacional, mas para potências estrangeiras e hoje continua sendo um mecanismo de expropriação da renda nacional por parte das finanças internacionais.”

De fato, a independência foi um negócio muito lucrativo para a Inglaterra, que tinha até linhas de crédito especiais para as ex-colônias latino-americanas, as quais, por sua vez, puseram mais de 20 milhões de libras em títulos governamentais na bolsa de Londres entre 1822 e 1825. Contudo, a primeira vez que Marx refere-se à dívida pública não é n’O Capital. Em março de 1850, Marx e Engels redigem uma Mensagem, em nome do Comitê Central, à recém-fundada Liga dos Comunistas, antecessora da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT), ou I Internacional. Na Mensagem, Marx e Engels assinalam a mudança da tática anteriormente exposta no Manifesto Comunista em relação aos partidos burgueses e pequeno-burgueses.

A primeira aparição histórica independente do proletariado revelou o caráter reacionário e covarde da burguesia, que prefere acomodar-se ao Antigo Regime ao invés de lutar pelo próprio poder apoiando-se nas massas populares e correndo o risco de que estas superem o conteúdo burguês da revolução e ponham em xeque a propriedade privada. O proletariado deve, então, organizar-se de maneira independente e não confiar na burguesia, nem na pequena burguesia, mas somente em suas próprias forças. Não deve se contentar com nenhum triunfo parcial, e sim opor a cada reivindicação democrática uma ainda mais radical; cada conquista deve ser um degrau para a próxima e conduzir o proletariado à conquista do poder. A expressão “revolução permanente” aparece pela primeira vez nesta peça da literatura marxista.

Que medidas os operários deveriam propor, segundo Marx e Engels?

“se os pequeno-burgueses propuserem comprar os estradas de ferro e as fábricas, os operários têm de exigir que essas estradas de ferro e fábricas, como propriedade dos reacionários, sejam confiscadas simplesmente e sem indenização pelo Estado. Se os democratas propuserem o imposto proporcional, os operários exigirão o progressivo; se os próprios democratas avançarem a proposta de um imposto progressivo moderado, os operários insistirão num imposto cujas taxas subam tão depressa que o grande capital seja com isso arruinado; se os democratas exigirem a regularização da dívida pública, os operários exigirão a bancarrota do Estado.”

É claro que estas linhas dizem respeito à Alemanha, um país europeu mas relativamente atrasado em relação ao seu tempo, e foram escritas no contexto das Revoluções de 1848, ou Primavera dos Povos, numa época ascendente do capitalismo, anterior à época imperialista na qual vivemos hoje. Ainda assim, a Mensagem de Marx e Engels desmente quem reduz o problema da dívida pública ao seu controle ou perfil, como se a dívida brasileira fosse pequena ou “poderia ser maior”. Afinal, como pode ser pequena uma dívida que, quanto mais se paga, mais cresce? Só entre 2007 e 2015, a dívida dobrou apesar de termos pago o equivalente a um PIB brasileiro em juros e amortizações nesse período. Mas se, por um lado, a dívida pública é especialmente opressiva numa semicolônia como o Brasil, por outro, a Mensagem mostra que o não-pagamento é parte do programa revolucionário também nos países imperialistas como Alemanha, Japão ou EUA, pois, seja qual for o valor ou proporção dívida-PIB de um país, quem paga essa dívida é a classe trabalhadora do país!

Nos dois hemisférios do globo, a dívida pública sempre foi e sempre será uma forma de enriquecimento privado às custas públicas ou, como ilustraria Marx mais tarde, uma varinha de condão que transforma o dinheiro ocioso em capital “sem ser necessário que seu dono se exponha aos aborrecimentos e riscos inseparáveis das aplicações industriais e mesmo usurárias.”

É a maneira como, dia após dia, uma ínfima minoria de rentistas apropria-se de uma fração do trabalho de todo e cada trabalhador, sem exceção, na forma de impostos. A combinação desse roubo cotidiano dos trabalhadores ao redor do globo com o saque das riquezas nacionais da periferia capitalista pelos países centrais é o que diferencia da época de Marx e Engels a atual época do capitalismo, descrita por Lenin em seu Imperialismo: Estágio Superior do Capitalismo, na qual os monopólios surgidos da fusão entre o capital industrial e o capital bancário-financeiro repartem e re-repartem entre si os mercados mundiais.

Enquanto presidenciáveis como Ciro Gomes pleiteiam diretamente quem irá administrar o roubo e o saque da nação, outros como Boulos e Manuela D’Ávila tampouco poderiam agir de maneira diferente caso eleitos, pois não só não rompem como também legitimam essa verdadeira pilhagem que é a dívida pública dividindo-a, na melhor das hipóteses, entre uma parte ilegítima e ilegal e outra supostamente legítima e legal. Não será pela via das eleições que terminaremos com a subordinação do Brasil ao capital financeiro internacional, mas só através um governo de trabalhadores de ruptura com o capitalismo e o imperialismo que estatize todo o sistema bancário e ponha o comércio exterior sob controle da população.

 
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