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ARTE E POESIA
Poesias TRANS: A arte da resistência II
Virgínia Guitzel
Travesti, trabalhadora da educação e estudante da UFABC
Ver online

I

afeto
transpassa
inerente a nós
ou o corpo
transpassado
que nem fala
mas sente o efeito
sempre diferente
quando a gente
não é o que se espera
e quando a gente já não mais espera
ao menos
conciente

a busca por afeto
atrai ansiedade
a esperança resistente
que aceita tudo
em nome do desejo
de ser desejada
ou mais
da ansiedade em viver
o passado que já foi negado
e a construção da memória
de quem fomos sem podermos ter sido
ou mais

o afeto que sentimentos
não sabemos sentir
que afeta as manhãs
e nos deixam paradas no mesmo dia
por meses enquanto
o café esfriando
meu corpo congela
não quero sonhar mais

que importa o leitor
se sairemos deste minuto,
ou presos ao infinito
onde nem todas as dores importam
pois
só se afeta
aqueles que
entendem que nem sempre afeto
é um bom feito
nem sempre sonho
nos é de direito
ou mais

II

Toc toc toc

  •  hormônios.
    Em alta!
    Assumimos o controle
    Mas não em qualquer condição
    Num corpo que se castiga
    Pra fazer-se
    Numa sociedade
    Que castiga impunemente
    á serviço de uma classe determinada
    As ideias que me surgem
    Transmiti nas veias
    ideias dessa ordem
    De coisas
    Morais

    ...

    Coração disparado
    Não, não é romance
    Não é moral
    São minhas veias
    Que transportam
    Pílulas capitalistas
    Irracional
    O homem recusa um beijo
    Mas pede pra ser mamado
    Expulso ele de casa
    Coração acelera
    Não estou segura
    Mesmo sozinha
    Não estou sozinha
    Ideologia
    Ideias deles
    Querem me invadir
    Resisto
    No corpo
    E na mente
    Sou parte
    De algo muito maior
    Ô que há mais de mais elevado
    De humanidade
    E luta
    E o orgulho
    Por todas
    Nós
    Contra
    eles

    III

    e a vida segue
    dentro de um corpo proibido
    meu desejo é político
    impar em plurais
    de falta de satisfação
    coração delacerado
    com ritmo incansável
    de ferir-se
    com fome
    de aqui e agora

    e a vida segue?
    segue

    com dor nos dentes
    o frio quieto escondido
    guardado no olhar
    propositalmente
    combinasse a um sorriso
    em busca de pré-fabricar-se
    combate a maquina
    que me vê como lucro
    todo o dia

    e a vida segue?
    segue

    hormônios machucam,
    o corpo
    hormônios liberam
    os olhos a ver-se
    uma transformação
    incompreensivel para muitos

    e a vida segue?
    segue

    cansada,
    desmoralizada,
    o tempo perfura a história
    paralisa a caminhada
    os olhos tampam
    os sonhos que não estão ao alcance da mão

    e a vida segue
    ora,
    ela seguirá
    mesmo sem mim

    quando nos rebelamos
    questionamos
    cada uma
    cada uma
    das normas
    das regras
    da moral
    que nos aprisiona

    quando achamos sentido
    em desfazer as pré-ideias
    ensinadas nos livros capitalistas
    que nos dá vida
    pela primeira vez

    a vida segue?
    segue
    bonita,
    e com suas necessidades
    já não sei ser sem vida
    com teu ritmo imparável
    enquanto corremos
    novo mundo possibilitasse
    por assalto,
    não seguimos
    avançamos

    IV

    Meu corpo
    Eu estou cansada de ser
    talvez
    Cansada de ser
    Objetivo de estudo
    meu corpo nu
    quer gritar
    meu corpo nu
    e chorar....e chorar... e chorar

    Meu corpo nu
    Um arrepio frio
    De ser talvez
    Objeto diz tudo
    Objeto diz tudo
    Abjeto diz tudo
    Abjeto de estudo
    Pra agradar a folha
    Mantendo a vida sem cor

    Meu corpo nu
    vontade de cortar
    tudo o que não satisfaz

    V

    contradição
    teu sorriso
    ainda provoca
    o beijo cheio de contradição
    senão pensamos em nada
    quando estamos sem roupa
    so preenche o vazio
    a noite no teu peito
    desejo cheio de arrependimento
    você nao diz nada
    so olha
    desvia o olho
    e a contradição não é dita
    dessa vez, eu nao a digo
    incorporo em mim
    o vazio
    de uma poesia
    sem destinatário

    VI

    Sem importância
    Numa data sem importância
    Nublados olhos
    Carregam um significado maior
    Do que o tentar dizer
    Década amais
    Década a menos
    Desencontro do corpo
    Por vezes
    Encontra o momento em cheio
    À vontade,
    À intimidade
    Está permitido o choro, o riso
    E também o erro
    Há também o que morra em segredo
    Mas do que se pode desvendar
    Na realidade que precisa de nós
    E nós dela
    A verdade
    Não precisa ser plausível
    O peito
    Não precisa ser romantizado
    O amor
    Não precisa de encontro
    Sempre
    Mas quando se encontra
    Não precisa do futuro
    Já o é
    Durante

    VII
    O ciclo que a bixa entende
    Logo cedo tem que ser valente
    Além da luz que nos repreende
    Doi quando não se sabe aplicar
    Mas senão perder nenhuma gota
    Os seios doem
    A bunda cresce
    O xuxu uó continua alimentando a discórdia
    Do corpo
    E da vida
    Nasce e morre
    A puberdade
    Do tesão pela vida
    O desprezo absoluto
    Por si
    Pelo que não pode ser

    Negada
    Do espelho
    Ao desejo
    De dar as mãos
    Ou ser respeitada

    Amostra
    Ninguém vê além do estereótipo
    Alguém que virou algo
    Curiosidade
    Vontade
    Fetiche

    Não se explique
    Garota
    Você é
    Mais do que
    Te permitiram
    Você
    É
    O
    Impossível

    VIII

    No enfrentamento constante
    Entre o reconhecimento deles
    Entre a minha não aceitação
    De padrões que querem me aprisionar

    Já foi-se
    O cabelo longo
    O estradiol
    O bojo
    A make
    O medo de ser notada
    O medo de não ser notada diferente

    Já foi-se
    A necessidade (instantânea) deles
    A minha de provar algo
    Do choro
    Do desespero
    Da falta de tempo ao tempo

    Quero seguir
    Cada dia com um cabelo
    Um sorriso novo
    Um beijo fofo
    Outro safado
    Por trás da liberdade
    De amar-se primeiro
    Como travesti
    Primeiro a revolução
    O ódio
    Depois
    A poesia
    Que nunca nos falte

    IX

    Ela não atrai. Neguem a ela qualquer afetividade para ver se se mantem. Manteve. Mas se se é ela por dentro e por fora só estranheza, se é ela por dentro, e por fora lhe negam a mão, se é ela por dentro, e por fora duvidas e olhares curiosos. Se é ela por dentro, por fora outros olhares silenciadores. Se é ela por dentro, por fora risos aonde passa. Se é ela por dentro, mas no banheiro lhe estranham. Mas se é ela por dentro, mas por fora o corpo transcionou e parou, retrocedeu, voltou a inicial batalha, agora já ciente que a rua não tem saída e correr não vai derrubar o muro que impede a fuga.

    Se por dentro mulher, mas por fora muito mulher para os gays e mulher insuficiente para os heterossexuais. Mas se por dentro ela, por fora "aquilo". Se por dentro ela, mas por fora não dizem. Se por dentro ela, mas no espelho as lagrimas voltam a confirmar sua angustia. Se por dentro sufoca-se, por fora silencio. Se por dentro destrói-se, por fora poesia. Se por dentro aceitou a derrota, por fora foi derrotada. NÃO! Não aceita!

    Se é ela por dentro, por fora não existe outra. Se é ela por dentro, por fora combate. Por dentro engole o choro, pra fora grita. Pra fora, histérica. Se por dentro ela não deitou, por fora ninguém a deita. Se por dentro ela nunca quis ser cis, por fora ela escolhera o que poderia ser, e é. Se por dentro ela, por fora dela, não vão defini-la. Se por dentro ela aprendeu a amar-se, por fora também ira aprender. E ensinar, quem ama-la, amara seu corpo, amara-la trans.

    X

    Entregue a mim

    Cansei dessa baixa auto estima
    De me ver com os olhos dos outros
    Querem nos deixar CISmada
    Como se pudéssemos esquecer
    Nosso corpo como
    Campo de batalha
    De quem aceita
    um corpo já finalizado
    Que venha pronto
    Sem intervenção
    Sem criatividade exagerada
    Esse que veio sem meu esforço
    Não me agrada
    E Eu me vejo ainda
    Tão pré fabricada

    Cansei dessa ideia
    De me desesperar
    Por um amor pouco
    De fechar a mão
    Esperando manter o sonho
    Que vem de fora
    Não reflete meu esforço
    Daqueles que me desejam
    Mas sem pisar no chão
    pra não marcar os passos
    Quebrados pelo caminho de ovo

    Aceito não pertencer a ordem
    Custe o que custar
    35 anos sem nunca terminar
    Deixem meu corpo em guerra
    Gritando, berrando, sangrando
    Ele é feito disso
    Desse ar de resistência
    Respiraram minhas companheiras
    E assim posso me reconectar
    Enchendo o peito
    Respirando sem fumaça
    A vida de olhos abertos
    Quero ser Marsha
    Mais uma revolucionária
    Mais uma rebelde
    Que prefiriu a vida
    À se resignar

    XI

    Na moral

    Enquanto eles tentam
    Eu sinto
    É tanta bala perdida
    Que atinge a vida
    E eles dizem que seguirá
    Com tanta gente faltando
    Desfazendo o costume
    Pra impor o costume da perda
    Gritam que estamos alheios
    Mas nossos corpos que estão bem no centro
    Mirados pela ganância que não sobrevive
    Sem sugarem toda nossa energia
    Avançam sob nossos ombros
    Mas não param até humilhar
    Rebaixaram nossos sonhos
    Pra que nossas cabeças não se ergam mais
    De vergonha ou culpa
    Não querem que olhemos nos olhos
    Pra evitar o cuspe, nosso nojo, desprezo
    Só o ódio pode ser reciproco

    Enquanto eles tentam
    Eu sinto
    Tudo misturado
    Eu sou apenas um retrato social
    Em conflito com a ambição refletida
    Dos que preferiram os sonhos sociais
    À miséria da plenitude individual
    Que se cala sobre o futuro
    Porque só respeita o passado
    Onde somos eternos dominados

    Ela tão forte, mas cansada demais pra essa batalha
    Tirando descanso de ser revolucionária
    Encontrou o mundo consumado
    O poder burguês indestrutível
    De joelhos, não se prepara o mundo possivel
    Mas se resignar é tão falso
    Quanto a consciência de liberdade
    No trago que camufla a realidade

    Carregamos a bala no peito
    O grito abafado
    A falta de ar dos afogados
    O cinza dos olhos
    Dos que sobreviveram apenas
    E assim nos provamos
    Revolucionários que carregam as dores do mundo
    As dores do passado sem sucumbir
    Embrutecer à recusar o gosto da lágrima
    Que humaniza ao escorrer
    Reflete a força em manter-se em movimento

    De pé, por orgulho
    Por teimosia, por valentia insolente
    Se querem executar outra
    Pra morrer, eu nasci pronta
    Que olhem nos meus olhos
    Estes que nunca buscou refugio
    Nunca se cegou
    Mesmo com o ódio que transpirava

    Não vamos nos render, tampouco morrer por morrer
    Provemos o gosto de desafiar os senhores
    Preparemos um plano
    É urgente exigir que libertem os nossos sonhos

    XII

    Apesar da consciência
    Da dor de cabeça
    A agua está no fogo
    O cafe tá amargo,
    O açúcar acabou
    Assim como choro passou
    O fim de semana
    De garoa também passou
    E agora estamos bem aqui
    Esperando domingo
    A quarta vez que vou te ver
    E sem segurança se ela vira
    Trara outra ou outono
    Eu já dou meu tempo
    A esses pensamentos
    Em meio a tanta preocupação
    Semana agora acabou a prosa
    Nessa a mistura e o feijão
    A certeza que vou ter como te encontrar
    Pouco ou muito
    É como eu conheço o amor
    E como eu tento te mostrar

    Apesar da consciência
    De que sou é alguém como eu
    Quase sem passagem
    No lugar a coragem
    De novamente abrir o peito
    E mesmo sob este devaneio
    Te deixar entrar
    Tragar um chá
    Um beijo pra adoçar
    Um sorriso pra sublimar
    O cinza que a consciência traz
    Aqui não me era pra entrar
    Ocupar o sentimento com alguem como eu

    Apesar da consciência
    De que sou em exagero
    Me apresento como
    Ansiedade e desespero
    Gostar de você de um jeito
    Um despreparo por inteiro
    Pouco tempo
    Pouco tempo
    Pouco tempo
    Que eu sequer tenho

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