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BOULOS RODA VIVA
O programa e estratégia de Boulos podem responder os problemas estruturais do Brasil?
André Barbieri
São Paulo | @AcierAndy

Um debate sobre a plataforma Vamos e o programa apresentado por Guilherme Boulos no RodaViva.

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O RodaViva da última segunda-feira dia 7 apresentou uma bancada de jornalistas golpistas para entrevistar o candidato a presidente pelo PSOL Guilherme Boulos. A entrevista, que vem sendo reivindicada nas redes sociais, apresentou elementos que compartilhamos. Sua proposta de revogar os ataques do governo golpista, a posição contra a prisão arbitrária de Lula e a defesa do seu direito de candidatar, junto às denúncias da casta política, assim como a defesa dos quilombolas, dos povos originários e o crucial direito das mulheres ao aborto, são posições corretas e fundamentais, todos estes atacados por Temer e pela direita golpista agora, e que os governos do PT permitiram que seguissem em situação trágica na década de 2000. A denúncia da especulação imobiliária, responsável junto ao PSDB pela tragédia do desabamento no Largo do Paissandu, também foi um ponto acertado. Estas posições são suficientes pra resolver a forte crise que passa o Brasil? Em nossa opinião, não.

O golpe institucional colocou o Brasil num dilema: há dois projetos de país em disputa. Um abonado pelo imperialismo estadunidense junto aos golpistas, de ataques agressivos a todos os mais elementares direitos sociais e trabalhistas; e outro que poderíamos chamar de "neodesenvolvimentista", representado por Lula e o PT, que propõe utopicamente voltar à década de 2000 sem que as condições econômicas daquele então estejam presentes, em base à manutenção das bases agrário-exportadoras do país e da consequente subordinação estrutural ao imperialismo. Frente a estes dois projetos, é necessário um terceiro projeto de país, que só pode ser construído em base à independência de classe dos trabalhadores e o combate integral ao imperialismo, partindo de um programa que faça com que os capitalistas paguem pela crise.

No entanto, Boulos se reservou o direito de estar mais próximo do segundo projeto, de um neodesenvolvimentismo expresso num "Estado que enfrente a desigualdade, os privilégios e dê igualdade de oportunidades", sem apresentar um programa anticapitalista claro, a ser conquistado em base à luta de classes, que é a única forma de enfrentar a direita e seus ataques, sem alimentar a utopia em um projeto de país onde os empresários "não devem ser demonizados", como diz Boulos. Este programa de Boulos está expresso na plataforma Vamos, que criticamos neste artigo.

Converter o Brasil numa "Suíça", sem romper com o imperialismo?

Sobre a raiz de todas as coisas, o sistema econômico capitalista de exploração, Boulos deixou claro que tem como horizonte um “capitalismo com taxas de juros civilizadas”, defendendo o direito à propriedade privada da Constituição de 88 e “sem demonizar empresários”, já que estes “garantem o emprego”. A população trabalhadora, que amarga 14 milhões de desempregados, também pelo "capital nacional produtivo", se pergunta como sair desse beco sem saída que reserva o sistema atual. Em nenhum momento Boulos considera a importância de atacar os capitalistas; antes, faz a aposta no "pequeno e médio" capital, o capital "produtivo", em oposição ao rentismo financeiro - uma oposição que já no século XX não tinha mais nenhuma razão de ser, na medida em que a burguesia nacional não pode sobreviver sem os mil e um laços com o capital financeiro internacional. Essa fórmula de "desenvolvimento nacional" tem um caráter ainda mais utópico nas condições da crise capitalista do século XXI.

A contracara dessa posição é a ausência completa dos trabalhadores enquanto os sujeitos políticos centrais para a emancipação social e econômica dos setores explorados e oprimidos. Ao contrário de marcar claramente os trabalhadores e o povo mobilizado como sujeitos das transformações, atuando com seus próprios métodos como foi na greve de 28 de abril, colocou o povo com papel de votantes em plebiscitos.

Frente ao golpe institucional e seus métodos de ataques por decreto, a solução para Boulos seria transformar o Brasil na Suíça, alegadamente um “modelo de democracia” porque a população vota em plebiscitos (precisamos lembrar aqui que o capitalismo suíço explora mão de obra africana e asiática para seus artigos de luxo?).

De fato, a "democracia suíça" conduziu a resultados não muito entusiasmantes: o Partido Popular Suíço (SVP), a direita radical, recebeu 29% dos votos nas últimas eleições e é o partido com mais cadeiras no parlamento. Faz política apoiada em "referendos" e plebiscitos, especialmente para restringir a imigração no país e proibir a construção de mesquitas, parte de sua política xenófoba anti-muçulmana. Não se trata de um modelo invejável.

Ampliar a democracia significa para Boulos deixar os fatores reais de poder nas mãos dos capitalistas, e convocar referendos e plebiscitos para questões parciais? Uma "democracia suíça" seria digerida com pouco incômodo para os países imperialistas que espoliam o Brasil. Isso é incapaz de enfrentar o imperialismo, que hoje se encontra em ofensiva agressiva sobre o Brasil - e na América Latina - para recuperar posições de espoliação.

Na Grécia, com o Syriza, que era o grande exemplo antes para Boulos e diversos setores, eles convocaram o plebiscito contra a Troika, venceu a posição de não aceitar as chantagens da Alemanha e do FMI, e... o Syriza traiu o resultado do plebiscito, aplicando os ajustes. Para enfrentar o imperialismo, seria necessário colocar a força da classe trabalhadora em movimento na luta de classes, e não como votantes.

Boulos sustentou que seu governo colocaria o PMDB na oposição, mas e os demais partidos? Boulos não se referiu às alianças que o PSOL está fazendo com o PDT e PSB, partidos burgueses, em frentes que não tem nada a ver com a luta de classes.

Capitalismo e socialismo: uma questão de termos?

Sintomático foi a menção ao socialismo: “Cada país precisa construir o seu caminho. Não queremos construir nossa experiência seguindo cartilha, o Brasil é um país próprio: queremos construir um caminho brasileiro. Nós queremos construir o socialismo no sentido mais específico da palavra: socialismo é defender igualdade de oportunidades, que todos sejam tratados iguais na sociedade".

Quem teve a oportunidade de ler os documentos dos Encontros Nacionais do PT na década de 1980, verá que esse tratamento ambíguo e sem contornos do socialismo é rigorosamente o mesmo, com a diferença que, pela própria constituição partidária, o PT estava mais ligado à classe trabalhadora: “não temos uma fórmula pronta, o Brasil trilhará seu próprio caminho ao socialismo”...através de um governo "democrático-popular", juntos ao capital nacional, que ninguém deveria "demonizar" (o PT inclusive saudava como exemplos que “rumavam ao socialismo” nada menos que o Kuomintang chinês — partido da burguesia nacional — e a aliança com Mao Tsé-Tung, ambos responsáveis pela derrota da revolução chinesa de 1925-27; além da Frente Sandinista de Libertação Nacional na Nicarágua, que de 1979 adiante governou junto ao “capital nacional”). E vimos o que foi o PT e sua estratégia de conciliação de classes, a assimilação da corrupção própria do capitalismo e os ajustes de Dilma contra os trabalhadores, que preparam o caminho à direita golpista (ver a crítica à trajetória petista neste artigo).

O socialismo não significa “querer um Estado que enfrente a desigualdade, os privilégios e dê igualdade de oportunidades”; isso é reduzir os objetivos do socialismo ao que a burguesia considera aceitável, ao parâmetro liberal. O socialismo revolucionário significa organizar uma grande força material da classe trabalhadora em partido com independência de classe, com o objetivo de destruir o Estado e acabar com a propriedade privada dos meios de produção.

Um programa de independência de classe e anti-imperialista

Mesmo para o programa limitado que Boulos defende, que não chega ao central - atacar a propriedade privada e apostar na luta de classes, e não em um "vote em mim que vou resolver seus problemas" - o imperialismo vai ser duro. A candidatura de Boulos deveria estar a serviço de um enfrentamento com independência de classe, concreto, frente ao imperialismo: contra a privatização da Petrobrás, uma subordinação imperialista para cuja solução exige lutar por uma Petrobrás 100% estatal e com gestão dos petroleiros e controle popular, que se oponha aos golpistas, mas também aos anos de gestão lulista completamente atrelados à corrupção e de entregas parciais do Petróleo, como na votação da "emenda Serra" apoiada por Dilma em 2014. Ao mesmo tempo, deveria estar a serviço de enfrentar o bonapartismo judiciário, não apenas no discurso, mas propondo algo concreto e compreensível por todos: que todos os juízes sejam eleitos e revogáveis, que ganhem o mesmo salário que uma professora, e que os julgamentos de corrupção sejam realizados através de júri popular.

Não há meio termo: ou se luta por um governo dos trabalhadores de ruptura com o capitalismo baseado nas organizações de democracia direta das massas – e para isso se constrói alternativa política dos trabalhadores, com independência de classe – ou terminaremos sempre reféns de reformismos que geram impotência frente às ofensivas autoritárias do capitalismo.

Não há outra maneira de enfrentar os golpistas e os empresários, o que implica na necessidade de construir um projeto independente do PT, pois com sua linha de conciliação de classes, sem atacar a propriedade privada e o imperialismo, mostrou que não pode ser alternativa no combate à direita.

Veja aqui o Roda Viva com Boulos:

 
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