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A primavera social francesa e os limites do macronismo
Juan Chingo
Paris | @JuanChingoFT

Durante o primeiro ano de seu mandato, Macron conseguiu avançar sem enfrentar uma grande resistência, enquanto empreendia, a todo vapor, várias reformas dirigidas a uma transformação radical e rápida do capitalismo francês. A batalha atual dos ferroviários e a “primavera do descontentamento” que a acompanha pode estar revelando os limites de sua tática e de sua capacidade de convencimento. O despertar da primavera social põe em relevo as dificuldades do macronismo para se impor como um bloco hegemônico. Junto a isso surge a pergunta: como derrotar Macron e seus planos?

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Foto: AFP/Aaris Messinis.

O que é o macronismo?

A eficácia que tem caracterizado o macronismo ao largo de quase um ano de mandato se deve a uma combinação excepcional de circunstâncias. Algumas são mais conjunturais, outras mais estruturais. Entre elas se destacam o seguinte: (a) a forma em que fez pesar a legitimidade de seu mandato eleitoral e o feito de ter “anunciado seu plano de governo” de alguma maneira; (b) a recuperação econômica relativa, apesar de suas fortes contradições; (c) o vácuo e a fragmentação que caracterizam o cenário político, que apesar de ser uma expressão da crise orgânica do capitalismo francês, de imediato ampliam a margem de manobra e de ação do executivo; e, o que é o mais importante, (d) a covardia e o caráter medroso das direções atuais do movimento operário francês.

Diferente das coalisões sociais que se sucederam no poder nos últimos 30 anos, o macronismo ajudou a unificar politicamente a grande burguesia, outrora dividida pelas frações de “direita” e de “esquerda”, assim como importantes setores das classes médias altas, em torno de um projeto neoliberal. Com um projeto político desta vez impregnado por uma mística e individual e encarnado pela figura do empreendedor 2.0, o liberalismo fala em primeira pessoa através de Emmanuel Macron, o que não se vê há muito tempo. Não é por acaso que, para encontrar antecedentes do macronismo, deve-se remontar até praticamente à Monarquia de Julio (1830-1848) e a personagens como Guizot, primeiro ministro de Luís Felipe.
Entretanto, não nos confundamos. Não devemos confiar no consenso que une as classes dominantes na maioria do parlamento e que o executivo goza hoje. Efetivamente, se formos comparar a quantidade de votos obtidos por Macron no primeiro turno das eleições, está claro que o antigo inquilino de Bercy (sede do ministério da economia) e ex assessor de Hollande, não obteve mais que 18% do eleitorado potencial.

Para encontrar um exemplo anterior de resultados tão débeis, é necessário irmos até Chirac em 2002 (desgastado por um primeiro mandato de sete anos) ou 1995 (com um competidor, Balladur, pertencente ao seu próprio partido). Em comparação, Hollande e Sarkozy obtiveram o voto de 22% e 25% do total dos eleitores, respectivamente. Estes níveis de apoios já são fracos se compararmos com o que obtiveram Mitterand ou Giscard e ainda mais se formos comparar com as eleições de De Gaulle ou de Pimpidou.

Para convencer-se até o final, basta observar o baixo nível de apoio que obteve a República em Marcha (LREM), o partido que Macron lidera, no primeiro turno legislativo ano passado. Nessa oportunidade, LREM obteve o apoio de 15% dos eleitores, um nível de apoio cuja debilidade não tem precedentes nas últimas décadas para um partido presidencial. Em comparação, o PS de Hollande tinha obtido 22%, a UMP de Sarkozy 27% e o PS de Mitterand 38% em 1981.

Estes resultados evidenciam os limites da base social do macronismo, que se beneficia principalmente de uma oposição debilitada e fragmentada. Neste sentido, tal como ressaltamos previamente, se trata de um “bonapartismo débil”. Consciente do caráter conjuntural e das circunstâncias favoráveis, assim como que está apoiado em um bloco social muito frágil, situação que o obrigar a aplicar seus golpes com vigor e velocidade, Macron usou uma tática distinta de seus predecessores. No seu caso, se trata de aplicar uma ofensiva permanente, evidenciada pela quantidade de reformas altamente explosivas que foram votadas.

Entre elas se incluem a Lei Trabalhista XXL (aprovada depois da primeira versão da reforma do mercado de trabalho com a Lei El Khomri em 2016), a reforma do seguro desemprego, a introdução de um processo de seleção “disfarçado” nas universidades, sem falar da eliminação do ISF (imposto sobre patrimônio) e do aumento da CSG (contribuições sociais), todas as medidas favoráveis aos setores mais ricos e rentistas em detrimento das classes populares, incluso uma fração da base social do macronismo, como são os aposentados.

Porém, esse ritmo acelerado de reformas também tem outro objetivo. Se trata de imobilizar os movimentos de massas e de evitar sua cristalização, como se podia começar a ver, em janeiro, durante a histórica greve Ehpads (empresa de cuidadores de idosos), e que contava com grande apoio da opinião pública. Macron respondeu a esse conflito de sua maneira, com outro golpe ao iniciar a reforma do funcionalismo público. Segundo as mesmas palavras de um assessor próximo ao executivo, esta forma de golpear sistematicamente, sem esperar que se encerre ao assunto anterior, consiste em “ditar a ordem do dia para não ver-se subjugado a ele”. Porém, se o macronismo se apoia, pela direita, sobre os mecanismos mais antidemocráticos da V República, a eficácia da primeira parte do mandato de Macron não pode ser compreendida sem o papel central que tem desempenhado para o regime, pela “esquerda”, as direções das grandes centrais sindicais. Tal como aponta Michel Noblecour em seu artigo na Le Monde do início de julho, nomeado de “La ‘positive attitude’ des syndicats” (A atitude positiva dos sindicatos), “consciente da fragilidade de sua omnipotência – tendo em conta a taxa de abstenção importante nas eleições presidenciais, e uma maior ainda nas legislativas, e os resultados eleitorais de Marine Le Pen e de Jean-Luc Mélenchon, que confirmou a confusão de uma sociedade que tem os nervos de ponta – o chefe de Estado prometeu que as disposições sobre a reforma do código trabalhista estariam precedidos por uma verdadeira conciliação.”

Fortalecido com sua primeira vitória e como expressão até o final do questionamento do sistema de aliança, do compromisso social surgido depois da Segunda Guerra Mundial entre o capital e o trabalho para evitar o avanço da revolução socialista, nas reformas posteriores foi mostrando sua verdadeira cara. Exemplo disso é passar por cima do chamado paritarismo operário-patronal, reforçando o papel do estado e desprezando os sindicatos a nível de empresa, como muitos tratados a nível de ramos inteiros de produção.

As direções sindicais não esperavam um ataque tal contra as “organizações intermediárias”. Isto demonstrou sua impotência atual. Isto é resultado do caráter reformista das direções oficiais do movimento operário e de sua colaboração de classe mais ou menos aberta e assumida com a patronal e o Estado burguês de qual depende. Seus lamentos atuais são a expressão da decadência e da impotência dos “parceiros sociais” em um momento que o capitalismo francês se mostra implacável na impiedosa competição internacional e europeia pelos mercados.

As dificuldades para resolver a crise de hegemonia do capitalismo francês

O conjunto de elementos que enumeramos ajudou que Macron avançasse e, por incrível que pareça, sem uma provocar reação significativa nas ruas. No entanto, falta ainda demonstrar que ele é capaz de passar uma mensagem convincente. Isto gera maiores dúvidas quanto sua capacidade para resolver estrategicamente a crise de hegemonia da burguesia francesa. Paralelamente, também abre uma fenda na sua máscara de invencibilidade. Se trata, por tanto, de um conjunto de elementos da qual o movimento de massas poderia aproveitar para passar a ofensiva.
Comecemos com o método: a guerra de movimentos, com suas múltiplas frentes abertas, começa a questionar-se. Isto é o que aponta, por sua parte, Cécile Cornudet, no jornal Los Echos de 22 de março: “Para romper com o suposto imobilismo de Francois Hollande, Emmanuel Macron se converteu em um trator, seguro de sua legitimidade. Exceto que no momento da primeira instabilidade, o trator corre o risco de aparecer como um ‘presidente desconectado’ e as reformas poderiam não passar por falta de ‘corpos’ políticos, associativos e intelectuais para difundí-las”.

Mas ainda, seu voluntarismo se assemelha em uma forma crescente de autoritarismo: sua presidência “jupiteriana”, se converte cada vez mais em uma forma de cesarismo. Se a isto somamos os frequentes “eu assumo” de Macron, se vê evidente a impaciência por um poder cada vez mais antidemocrático. É o que indica, por outra parte, a vontade de redimensionar o papel do Parlamento no marco da futura reforma constitucional, com o qual se limitaria ainda mais a um papel de assembleia nacional.

Além disso, há questionamentos ainda mais graves. Se trata do que alguns chamam dos problemas da “explicabilidade” do macronismo. É o que aponta o analista de direita e partidário do liberalismo Eric Le Boucher num artigo do fim de março publicado no Los Echos: “O câmbio no geral não é trivial, nem muito menos, enquanto ao Código trabalhista, a capacitação ou a SNCF (Sociedade Nacional Ferroviária). Porém a impressão que dá é que quando essas reformas forem aprovadas, voltará a situação anterior. A conversão não terá sido produzida. Como os franceses vem admitindo que as reformas estão demorando muito, darão seu consentimento ao presidente que as dirigira, e novamente, sem que os afetem pessoalmente. Porém, uma vez aprovadas, esperarão um retorno a situação anterior, quer dizer, ao que esse Estado tinha se transformado nos últimos 30 anos, em que o tesouro do estado deve distribuir a cada um e a política é uma disputa entre os representantes das distintas categorias”.

E para concluir, Le Boucher indica, com uma pitada de amargura: “se avança as reformas com toda a velocidade, o presidente tem dificuldade em legitimar sua ‘Revolução’ na mente dos franceses. Esta brecha entre a ação e a explicação corre risco de terminar jogando um papel ruim”.

De outro modo, e como indicam todas as pesquisas de opinião, a maioria da população (e em particular dos trabalhadores e dos extratos populares, entre os quais a baixa popularidade do governo é maior) não está preparada para aceitar uma evolução da sociedade a um modelo ultraliberal. É o que diferencia do tatcherismo e do seu “capitalismo popular” que haviam atraído, a sua maneira, a grandes setores da classe média, o macronismo não consegue tirar a opinião da população do pessimismo, que está estreitamente ligado ao medo da desclassificação, da pauperização e do desemprego.

Pelo contrário, tal como indica a diminuição da popularidade de Macron e de seu primeiro ministro, os resultados obtidos pelos candidatos da LREM nas últimas eleições legislativas parciais, o macronismo não consegue consolidar sua estreita base social. Este é um risco centra para sua estratégia na formação de um bloco hegemônico.

Como aponta acertadamente Bruno Amable no jornal Libération, a estratégia de Macron poderia voltar-se contra o presidente, ao obstaculizar sua consolidação estratégica como novo bloco social dominate: “O regime que Macron deseja instalar”, segundo aponta em seu artigo ‘Président des riches, ça ne suffira pas’ (Presidente dos ricos não será suficiente), “se caracteriza melhor como a aliança entre o capital e uma fração dos assalariados. Por tanto as consequências das reformas e da política econômica de Macron (segmentação dos assalariados, uma precariedade trabalhista para alguns e um aumento da desigualdade, etc) não são consequências desafortunadas, são necessidades estruturais para o surgimento de uma nova aliança social. O risco associado a essa estratégia é de se avançar demasiadamente. A estabilidade do novo regime depende de sua capacidade para incluir uma fração suficiente das classes médias num núcleo duro formado pelas classes mais favorecidas. Porém os efeitos nocivos das reformas neoliberais podem fazer a classe média mais aliadas das classes populares e dos assalariados menos qualificados. As medidas fiscais em benefício do capital financeiro poderiam prejudicar quem a direita chama de ‘pequenos ricos’. Por tanto, o poder governante deve enfrentar uma contradição. As condições necessárias para criar um bloco social que o sustenta são justamente as que podem debilitar o bloco”.

O rechaço da opinião pública pelo aumento da CSG (Contribuição Social Geral) e a simpatia suscitada pela mobilização dos aposentados, que se negam a ser considerados ricos depois de uma vida toda de contribuições, podem haver provocados danos irreparáveis a estratégia de construção do macronismo. No mesmo sentido, a maioria da população não está convencida dos argumentos do governo quanto ao poder aquisitivo. Assim o correspondente Bernard Sananès, presidente de Elabe, aponta como as classes médias que, com “a supressão do imposto a moradia haviam se inclinado em parte para a candidatura de Macron, considera que todas as medidas do governa diminuíram seu poder aquisitivo (46%). Em última instância também é o que pensam todos os eleitores, inclusive seus eleitores no primeiro turno (45%), um fato preocupante para o chefe de estado”. O analista conclui assim de maneira lapidada, em relação ao macronismo, que “o governo pode arrastar esse tema do poder aquisitivo por vários meses. Pode ser equivalente ao que foi a François Hollande o tema da inversão da curva do desemprego.”

El conjunto destes elementos indica a medida em que a onda macronista pode estar em pleno refluxo. Apesar do voluntarismo do presidente, o ano de 2018 não é equivalente ao ano de 1984 de Margaret Tatcher. Isto se deve a condições internacionais, extramente fluídas, em relação com a centralidade do conflito entre estados-nações em detrimento das tendências “globalizadoras”, como as condições francesas. Como definimos na IX Conferência da Fração Trtoskista – Quarta Internacional de março de 2018, é um “neoliberalismo senil, não hegemônico, que tende a aprofundar a polarização social, que poderia criar condições mais favoráveis para o desenrolar de processos agudos da luta de classes e uma maior radicalização política”.

Uma estratégia e um programa para vencer a altura da revolta dos trabalhadores, os estudantes e os setores populares

A “batalha da ferrovia” é o ponto de avanço de uma primavera social muito agitada. No setor privado, há greves por parte de todas as categorias de trabalhadores da Air France por aumentos salariais, enquanto que no sábado 30 de março, durante o fim de semana de páscoa, a cadeia de mercados Carrefour foi abatida por uma greve histórica. Entre os jovens acontece um movimento nas universidades que, no momento, não explodiu de maneira generalizada, porém que vem aumentando. A jornada de ação do 22 de março, convocada por sete das nove federações sindicais dos serviços públicos, confirmou o estado de descontentamento.

Paralelamente, a federação CGT de serviços públicos e a CGT de transporte pediam uma greve indefinida de garis, pautando a questão de criar um serviço público real para a coleta e limpeza de lixo, com a criação de um status particular e reconhecimento das insalubridades nesse setor. No setor energético, onde se anunciou um calendário de greves similar ao de ferroviários, há fortes críticas as consequências da privatização. Todo o resto deve se analisar no contexto das mobilizações persistentes do EHPAD (cuidadores de idosos). A tensão é, de fato, crescente e palpável.

Porém toda essa revolta operária, estudantil e popular se choca a um grande obstáculo: a estratégia covarde e corporativista das direções oficiais do movimento operário e a continuação da estratégia de diálogos dentro dos limites oficiais impostos pelo governo. Esta estratégia de pressão dos sindicatos busca abrir uma “verdadeira conciliação” com o capital e seu estado, ainda quando este último se mostra inflexível. Esta estratégia é subproduto da crescente pressão e da competição a nível europeu e mundial desde a crise capitalista de 2008, assim como das derrotas frente a reforma de pensões do Sarkozy em 2010, a lei El Khomri em 2016 e as reformas trabalhistas XXL em 2017.

Neste contexto, enquanto as direções mais amarelas como a CFDT, se opõe a qualquer perspectiva de luta, os dirigentes mais críticos como o da CGT ou Solidaries, colocam a culpa da derrota na falta de mobilização dos trabalhadores, enquanto continuam assistindo a “mesas redondas” e outros espaços de “diálogo” com o governo. Nenhuma dessas opções proporciona uma perspectiva frente ao descontentamento e as tendências de radicalização que se percebem na base.
Assim, Laurent Berger, Secretário Geral da CFDT, criticando a convocatória a uma jornada de mobilização interprofissional (de distintos setores de trabalhadores) para o 19 de abril lançado pela CGT: “Qual é o objetivo de Martínez (secretário geral da CGT, NdE.). – Se pergunta Berger. “Derrotar Macron? É um beco sem saída. O que isso contribui aos trabalhadores? A CGT cai na armadilha da oposição frontal e o final, já sabemos quem ganha. A convergência de lutas é uma discussão política. Não corresponde ao sindicalismo levá-la. Devemos levar uma luta sindical que dê resultados concretos aos trabalhadores”.

Porém essa é justamente a perspectiva que teria que apontar: uma greve geral política que paralise o país e derrote toda a política do governo. Porém enquanto Martínez diz que está disposta a dirigir uma convergência de lutas (em 2016 inclusive ameaçava convocar uma greve geral), por trás trabalha com um programa puramente reivindicativo e parcial que não pode despertar o entusiasmo do conjunto do movimento operário.

Em 2016, em conta da Lei Khomri, assim como em 2017, em conta da reforma XXL, a CGT sempre se negou a defender um programa que partindo da retirada da contrarreforma também se paute a luta por melhores condições de trabalho, a precarização e o desemprego, que permita desatar a energia e a combatividade dos setores mais empobrecidos dos proletariados, como jovens que vivem em bairros precários, universitários e secundaristas. Enquanto que hoje a CGT se vê obrigada a falar sobre o poder aquisitivo, faz de tudo para não pedir a revogação dos decretos do governo, da retirada do plano de privatização das ferroviais (que inclui a eliminação do convênio ferroviário), nem fazer um claro chamado a greve de vários setores.

Do mesmo modo, busca evitar o surgimento de qualquer forma de autoorganização, em particular da empresa estatal de ferrovias (SNCF), onde a tática de greve de fazer paralisações de 2 a cada 5 dias, com um calendário pré-estabelecido tem o papel de impedir as assembleias gerais e de seu poder de decisão sobre os rumos da mobilização, enquanto realizam assembleias com membros da CGT, separado do resto dos grevistas.

Assim como no passado, atualmente não está escrito em nenhum lugar que os trabalhadores não estejam prontos para uma luta dura ou inclusive uma greve geral, como sugere a direção da CGT, mas que ninguém vai jogar em uma luta final somente por reinvidicações parciais ou imediatas. Ninguém vai jogar se as direções não mostram uma perspectiva, uma determinação e uma estratégia para ganhar contra “Macron e seu mundo”, e ainda mais se a base não tem nenhum poder de decisão. Isto é, entretanto, ao que se opõe radicalmente a direção da CGT, como se temesse desencadear uma luta revolucionária como em 1936 ou 1968. Por fim, ninguém vai a uma luta até o final se os dirigentes sindicais, incluindo os Sud Rail, continuam pegando o terreno do “diálogo” com o governo.

Na década de 1930, quando os efeitos da grande depressão se fizeram sentir na França e antes da onda de greves que conduziu a ocupação de fábricas e ao começo do processo revolucionário, Leon Trotsky criticou a lógica sindicalista e corporativista do Partido Comunista Francês (PCF) e seu programa de “demandas imediatas”.
Ao assinalar os limites dessa orientação, Trotsky enfatizou como “A enunciação das reivindicações imediatas está feita de forma muito geral, defesa dos salários, melhoramento dos serviços sociais, convênios coletivos, “contra a carestia” etc. Não se diz uma palavra sobre o caráter que pode e deve tomar a luta por reinvindicações e as condições da crise sócia atual. Entretanto, todo operário compreende que, dos milhões de desempregados e semidesempregados, a luta sindical por convênios é uma utopia. Nas condições atuais, para obrigar os capitalistas a fazer concessões seria necessário ir contra sua vontade; e não se pode chegar nisso se não mediante a uma ofensiva revolucionária. Porém uma ofensiva revolucionária que coloca uma frente contra a outra não se pode dar apenas sob reivindicações econômicas parciais. Se cai em um círculo vicioso. Aqui está a principal causa do estancamento da frente única. A tese marxista geral: as reformas sociais não são mais que subprodutos da luta revolucionária, na época de desintegração do capitalismo se torna mais candente e imediata. Os capitalistas não podem ceder algo aos trabalhadores, exceto quando estão preocupados em perder tudo. Porém mesmo as maiores “concessões” que o capitalismo contemporâneo é capaz de fazer (com o mesmo encurralado num beco sem saída) seguirão sendo absolutamente insignificante em comparação com a miséria das massas e da profundidade da crise social. Há aqui porque as mais imediatas de todas as reinvindicações deve ser reivindicar a expropriação dos capitalistas e nacionalização (socialização) dos meios de tradução. Esta reinvindicação é possível dentro da dominação burguesa? Evidente que não. Por isso que é necessário a tomada do poder.” (Trotsky, Uma vez mais onde vai a França?)

Também se pode sublinhar como, quando posa de combativa, a direção atual da CGT apresenta desculpas que não são nada novas. Trotsky respondeu no mesmo tempo a direção reformista do movimento operário nesse momento que “Os chefes do Partido Comunista podem, por certo, invocar o fato de que as massas não atenderam aos seus chamados. Agora bem, este fato não invalida, apenas confirma nossas análises. As massas operárias compreendem o que os “chefes” não compreendem: em condições de uma crise social muito, apenas uma luta econômica parcial, que exige enormes esforços e sacrifícios, não podem render resultados sérios. Ainda mais: pode debilitar e esgotar o proletariado. Os operários estão dispostos a participar de manifestações de luta e inclusive uma greve geral, porém não em pequenas greves desgastadas e sem perspectiva. Apesar dos chamados, manifestos e artigos do L ‘Humanité, os agitadores comunistas quase não se apresentam as massas pregando greves em nome de “reinvindicações parciais imediatas”. Sentem que os planos burocráticos dos chefes não correspondem para nada, nem a situação objetiva nem ao estado de ânimo das massas. Sem grandes perspectivas, as massas não poderão começar a lutar.”

Este é um paradoxo que encontra sua analogia na situação atual. Enquanto o governo se irrita e por baixo há uma tendência crescente a combatividade e a radicalização das massas , a convergência e a generalização das lutas em vista da greve geral, por cima, as cúpulas sindicais seguem jogando em falso o jogo do diálogo. Isto não impede chamados a ações mais “combativas”, como a de 19 de abril, que basicamente buscam cobrir sua falta de determinação e canalizar setores mais combativos de sua confederação.

Neste sentido que, no artigo chamado: “Ataques a SNCF: a oportunidade” publicado em 20 de março, Fredéric London critica a “miséria do sindicalismo sindicalista” quando aponta quais são os limites das direções do movimento operário. “Porém dizer que o mundo anda mal, inclusive considera-lo odioso, implica uma resposta política real. Implica tomar as ruas por uma verdadeira perspectiva política, e não por problemas de vale-refeição (...). É bastante óbvio que só teremos êxito se nos colocarmos aos trabalhadores não ferroviários no combate junto com os ferroviários. Isto é, vincular os trabalhadores ferroviários com o resto dos trabalhadores, estudantes e que esse vínculo seja político... Agora, bem, primeiro não se pode fazer o mesmo sindicalismo em 2018, faz 10 anos da crise estrutural mundial, que acontecia na época do fordismo. Há aqui um momento em que o sindicalismo sindicalista se chocou com os seus limites e inclusive os superou. Se o sindicalismo sindicalista não pode fazer política, quer dizer, ter um discurso geral, que em cada luta particular busca um sentido de conjunto, não triunfará em nenhum grau de enfrentamento, precisamente porque os grandes enfrentamentos carregam questões essencialmente políticas, que vem encobertas pelas particularidades da frente atacada (neste caso, a SNCF).”

Inclusive se faz a favor de outra variante do reformismo, a encarnada pela France Insoumise, de Jean Luc Melenchón, com a marcha de 5 de maio, que longe de ser um dia de greve com um plano de luta centralizado na perspectiva de uma greve geral para derrotar Macron, é apenas outra tentativa de diluir o movimento operário em “o povo” – a crítica de Lordon, aos limites do sindicalismo tem sua parte de verdade. Também tem razão acerca da necessidade de um “discurso geral”, quer dizer, um programa que vai além das demandas mínimas defensivas (e sem negar, como faz Lordon, o papel progressista que estas tem uma grande quantidade de conflitos) para despertar o entusiasmo das mais diferentes camadas de explorados.
Num momento que o programa de Macron, tanto frente a SNCF como a outros serviços públicos (seguridade social, educação superior, saúde, pensões etc.), é a abertura a competição, a privatização, a busca pela rentabilidade, à custa de criar um serviço de dos níveis, um para os ricos e privilegiados e outro para a grande maioria da população explorada e oprimida, que perspectiva mais realista e unitária se não a nacionalização-socialização de todos os serviços públicos e setores estratégicos da indústria?

Frente ao plano macroniano para a SNCF, que é o mesmo que se tem implementado contra a França Telecom ou La Poste (correios), um plano feito para a destruição massiva das conquistas dos trabalhadores ao serviço de restruturação do capitalismo francês, que outro programa mais realista que se opor ao Pacto ferroviário, a qualquer abertura a concorrência e ao reestabelecimento de um monopólio público dos ferroviários, em torno da única rede ferroviária, uma única companhia, que não sejam controladas por tecnocratas que são responsáveis pela dívida e os problemas atuais da rede, se não por trabalhadores e usuários, os únicos realmente interessados no desenvolvimento de um serviço público de qualidade e acessível para todos, que respeite os equilíbrios ambientais e territoriais?

Do mesmo modo, no movimento estudantil, como sair da falsa polêmica entre sorteio ou seleção entre estudantes para a entrada na universidade se não atacando os cortes orçamentários que criaram essa situação e impondo investimentos massivos para a construção de novas universidades de maneira que se possa manter o direito universal a educação superior? Porém para isso há que derrotar a Lei sobre responsabilidade sobre as universidades (LRU), que gerou o desfinanciamento atual e põe na mão de “experts externos” da classe dominante sobre o controle das universidades. Junto a essa luta tem que se lutar para estabelecer um novo poder sobre a universidade, onde estudantes e trabalhadores, tanto docentes como não docentes, decidam em igualdade de condições sobre o funcionamento da universidade, seus planos de estudos e objetivos de investigação, que devem estar postos ao serviço da maioria explorada e não da ganância capitalista.
Obviamente que estas reivindicações colocam questões mais gerais, como a revogação de todas as medidas de subsídios e redução de impostos aos empresários para voltar esse dinheiro em serviços públicos, e de maneira global as decisões econômicas e a organização da sociedade. Ao mesmo tempo estas demandas também ajudam a romper as divisões entre os trabalhadores e ao tomar em conta as reivindicações de amplas camadas de nossa classe como dos habitantes das regiões afastadas, da onde não por acaso penetram mais as ideias da direitista Frente Nacional, ou o conjunto de setores populares que estão preocupados com o futuro de seus filhos. É neste sentido que este tipo de demanda implica na perspectiva de um movimento que lute contra Macron, porém também contra “seu mundo”, quer dizer, aquele um após o outro governam sempre os mesmos parasitas capitalistas, e que abra a perspectiva por outra sociedade, organizada e planificada democraticamente pelos trabalhadores.

Alguns dirão que esse programa não é “realista”, porque não se corresponde com o nível da correlação de forças e da consciência atual dos trabalhadores. Porém a relação de forças e a consciência são elementos dinâmicos que se forjam através da luta. Aqueles que antes mesmo de começar a batalha já decretam os limites do movimento não são mais que profetas da derrota. A luta de classes se intensificará muito no próximo período, está por vir se serão o governo e os capitalistas que seguirão ganhando ou o movimento operário poderá passar a ofensiva como para fazê-los retroceder. O fato que milícias proto-fascistas estão atacando o movimento estudantil atesta a natureza convulsiva da população. Esta é uma necessidade imposta pela própria situação e que deve guiar a ação das massas, não os preconceitos conservadores de seus dirigentes sobre o estado da “consciência” ou da “correlação de forças”.

Os trabalhadores estão cansados de movimentos que se anunciam como perdedores antes de começar, de greves parciais, que não fazem mais que esgotar as forças das camadas mais conscientes, dos trabalhadores. Porém sua determinação é proporcional aos objetivos da luta, assim como sua confiança na capacidade de ganhar, como temos visto em movimentos parciais, como os trabalhadores da limpeza das estações de trem parisienses do grupo Onet, com sua vitoriosa greve de 45 dias, onde não só conseguiram deter os ataques, como também obter novas conquistas, como a integração de todo o pessoal dentro do convenio coletivo de manutenção ferroviária.

O macronismo começa a mostrar sua fragilidade e demonstra que está longe de ser invencível. A burguesia começa a preocupar-se. Eric Le Boucher, teme que “ao não tiver como explicar sua situação, Emannuel Macron sofrerá duros revés. As greves começaram, mesmo que a maioria dos franceses digam que apoiam a reforma da SNCF, estas implicam riscos ao governo. A isto se agrega os temores dos empregados públicos, a revolta dos aposentados contra a perda de seu poder aquisitivo e a irritação dos estudantes por um processo de seleção de entrada na universidade. Todo este descontentamento naturalmente se juntará.”

A possibilidade que a batalha dos ferroviários seja a faísca de um movimento geral contra Macron está latente. O resultado da primeira batalha terá consequências tanto na continuação do seu mandato, como na situação do movimento operário de conjunto. Uma derrota do governo, que rompa o mito de sua invencibilidade, pode abrir um cenário onde os trabalhadores e jovens se ponham a contraofensiva em todos os terrenos. Não há tempo a perder, a classe trabalhadora e a juventude necessitam de uma estratégia e um programa para ganhar.

Texto original publicado em 9 de abril de 2018: https://www.revolutionpermanente.fr/Le-printemps-social-et-les-limites-hegemoniques-du-macronisme

 
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