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INTERNACIONAL
Mudança histórica: Raul Castro deixará a presidência de Cuba
Diego Dalai

Ocorrerá no dia 19 de abril e o candidato quase exclusivo é o atual número 2 do governo, Miguel Diaz Canel. Contudo, Raul manterá uma grande cota de poder à frente do Partido Comunista, o único permitido pela Constituição Cubana.

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Pela primeira vez desde a Revolução de 1959, o governo de Cuba não estará nas mãos da geração que dirigiu o Exército Rebelde e que tomou o poder em primeiro de janeiro daquele ano. O processo eleitoral que começou em outubro do ano passado com a eleição dos delegados para as Assembleias Municipais e prosseguiu em março com as eleições de deputados provinciais e nacionais, terminará nesta quinta quando se reunirá a nova Assembleia Nacional (parlamento unicameral) para designar entre seus deputados o presidente do Conselho de Estado de Cuba, e este proporá seu primeiro vice, mais cinco vice-presidentes e 23 membros do Conselho de Ministros.

Raul Castro, com 86 anos e à frente do governo desde 2006 quando Fidel Castro ficou doente, já havia anunciado que não concorreria a um novo mandato, tal como indica a lei que desde 2012 limita a permanência na presidência a dois mandatos de 5 anos. Legalmente, seu governo começou em 2008 quando terminava o mandato de Fidel Castro e por isso que em fevereiro de 2018 deveria deixar a presidência. A Assembleia Nacional prorrogou sua saída por dois meses até o 19 de abril.

Transferência geracional

A substituição tem transcendência histórica já que coloca à frente do Estado pela primeira vez uma figura que nasceu logo após a revolução. No entanto, a renovação não implica nenhuma mudança no sistema político. O regime de partido único imposto pela burocracia anos após a revolução, sancionado pela Constituição de 1976, mantém-se inalterável. Trata-se de uma mudança geracional “gradual e controlada”, necessária e inevitável pelo envelhecimento natural da antiga direção. Todavia, continuam no Conselho de Estado vários dos históricos dirigentes como Machado Ventura, Ramiro Valdés ou Rosales del Toro, entre outros.
Raul Castro permanecerá à frente do Partido Comunista de Cuba, que segundo a constituição “é a força dirigente da sociedade e do Estado”, como primeiro secretário geral do partido, conservará uma grande cota de poder político. Todas as organizações sindicais e sociais, assim como a mídia impressa de qualquer formato, deve ter aval do PC para ser legalizada.

Muito provavelmente Castro também se manterá à frente das Forças Armadas Revolucionárias (o exército de Cuba) que, além do monopólio das armas e dezenas de membros no Conselho de Estado, de Ministros e na Assembleia Nacional. Tem sob sua direção as empresas estatais e mistas mais importantes do país, dando conta aproximadamente de 60% da economia nacional.

Não está claro quais seriam os mecanismos para dirimir eventuais diferenças políticas que pudessem surgir entre o Conselho de Estado e o Partido Comunista, que, pela primeira vez na história, terão chefes diferentes (1). Em curto prazo é quase impossível que ocorra algo semelhante, ou ao menos que algo do tipo vire público, mas em médio e longo prazo não pode ser descartado como hipótese. A burocracia cubana tem diferentes frações e setores de interesses, que vêm lutando às escondidas em especial com relação ao ritmo da implementação das reformas pró mercado.

A abertura controlada à inversão estrangeira favorece particularmente as FAR que, além de todo peso que têm na economia, (especialmente por meio do holding empresarial Gaesa), controla o comércio exterior. A saída de Castro coloca a incerteza de se poderá-se manter o equilíbrio atual sem a liderança indiscutível da direção histórica.

Quem é Miguel Diaz Canel?

Dias Canel não é uma figura que saiu das entranhas das FAR, mas sim da fração “raulista” do aparato do PC. Como dirigente da Juventude Comunista ao final dos 80, ascendeu ao Comitê Central do PC em 1991. A partir de 1994 até 2003, governou a província Villa Clara, cuja cidade capital, Santa Clara, é um distrito pequeno em relação à Havana ou Santiago de Cuba, mas por sua importante localização geográfica (passagem obrigatória entre o Oriente e o Ocidente) e sua história política (cenário da última batalha decisiva contra a Ditadura de Batista).
Desta posição, foi um dos dirigentes de segunda linha que capitalizaram politicamente a repatriação dos restos de Che Guevara que estão desde 1997 no mausoléu da cidade junto a outros 29 guerrilheiros que o acompanharam na trágica campanha na Bolívia.

Em 2003, ascendeu ao Burô Político do PC e também governou a província de Holguín, berço da família Castro. Deu um novo salto na carreira política em 2009, ascendendo ao Conselho de Estado e de Ministros (poder executivo nacional), conseguindo sair fortalecido das expulsões políticas daquele ano, sobretudo às de 2006 quando Fidel teve que abandonar o poder e Raul começou a substituir as principais figuras políticas do país por homens e mulheres de sua confiança., especialmente das FAR.

Raul Castro referiu-se à ele como um companheiro “nem arrivista, nem improvisado” em fevereiro de 2013 quando Assembleia Nacional o nomeou Primeiro vice-presidente do Conselho de Estado e de Ministros, ou seja, número 2 do país, em uma substituição do histórico Machado Ventura, que continuou no conselho apenas cedendo a primeira vice-presidência.

Em seu discurso,Castro explicou: “Esta decisão reveste-se de particular transcendência histórica porque representa um passo definidor na configuração da direção futura do país, mediante a transferência gradual e controlada às novas gerações, dos principais cargos, processo que debemos concretizar em quinze anos e atuar no seu encaminhamento de maneira intencional e previdente., a fim de evitar que se repita a situação de não contar oportunamente com suficiente reserva de quadros preparados para ocupar os postos superiores do país e assegurar que substituição dos dirigentes constitua um processo natural e sistemático”.

Desde a sua chegada à vice-presidência, Diaz Canel forma parte da Comissão de seguimento da aplicação dos acordos do 6º Congresso do PC, de 2011, que aprovou os as Diretrizes para a á política econômica. Ou seja, da marcha das reformas pró-mercado que segue o passo da máxima de “mudar tudo que deve ser mudado, sem pressa, mas também sem pausa”, defendido por Raul desde o começo de seu governo, e que consiste em introduzir reformas de maneira gradual, muitas vezes inclusive aplicadas só um uma província como laboratório, e logo estendida nacionalmente se os resultados forem positivos, às vezes retrocedendo ou introduzindo novos controles sobre as próprias reformas pró-capitalistas.

Esta forma gradualista e controlada de “atualizar o modelo socialista cubando” foi desenhada pela ala raulista para evitar a todo custo ter que lidar com as conseqüências sociais que traria adequadas à um processo mais rápido e profundo de ajustes e reformas de mercado como pedem outros setores da burocracia ou certos analistas internacionais pró-capitalistas. Mas o custo será pago pelos trabalhadores, com meio milhão de demitidos pelo estado, aumento da idade de aposentadoria, míseros 20 dólares mensais que não chegam à cesta básica de uma semana, o retirada de subsídios para produtos básicos, e junto com isso o desenvolvimento do trabalho por conta própria, além de outras reformas pró-capitalistas, uma crescente estratificação social que afunda amplos setores que não tem acesso ao dólar na pobreza.

Trump põe na defensiva a burocracia governante

Dias Canel vem encabeçando este processo e neste sentido, não é provável ver grandes mudanças no curto prazo no ritmo de implementação das reformas de mercado, sempre e quando não aparecem situações externas graves que os obriguem à um giro brusco.

Nesta mesma direção empurra a mudança da política do imperialismo ianque que, depois dos anos de “degêlo” da administração Obama, com Donald Trump no poder voltou a assumir a velha estratégia (falida) de agressão econômica e isolamento diplomático permanente para forçar uma “mudança de regime” e um retorno ao capitalismo na ilha. Objetivos mascarados nas falsas e demagógicas reivindicações por “direitos humanos” e “democracia” que não pretendem outra coisa senão impor uma “democracia” parlamentar aonde a classe política esteja subordinada aos interesses dos EUA como ocorre normalmente no quintal ianque.

Concretamente, em 2017, Trump proibiu a comercialização com empresas ligadas às FAR e restringiu as viagens turísticas. Isto coloca na defensiva o governo cubano que se localiza mais do que nunca em uma estratégia de reformas graduais e controladas. Durante as eleições do 11 de março, enquanto se dirigia para votar, Diaz Canel denunciou na imprensa a agressiva retórica de Washington e a deterioração provocada nas relações bilaterais.

O sucessor de Castro também assinalou que “a atualização do modelo econômico e social, mesmo que não coloque em dúvida o socialismo, é um processo mais complexo do que pensávamos à princípio, e por isso não temos podido avançar”, aludindo aos problemas internos como o conservadorismo de vários setores frente às reformas pró-capitalistas.

A isto, somam-se outros fatores externos como o da economia internacional que não volta a crescer e também influí a que não cheguem inversões estrangeiras; ou os problemas de países aliados como a catástrofe venezuelana ou a desaceleração da China e da Rússia.

Com uma economia que, em 2017, cresceu só 1,5%% e que não tem muitas perspectivas de melhoras para este ano, Diaz Canel terá seguramente uma gestão complicada e provavelmente tensa. Com tarefas pendentes muito complicadas como a unificação monetária que não pode ser resolvida de um só golpe inflacionário sobre a população e um fechamento mais ou menos massivo de empresas deficitárias. Com uma relação dura com os EUA; e com uma situação interna delicada, aonde não contará com o prestígio de quem fez a revolução, crescem as desigualdades sociais, e possivelmente assumirão mais claramente as reivindicações de outras frações da burocracia que vejam melhores possibilidades de pressionar um novo governo não assentado.

1) Não se pode descartar que o novo presidente proponha à Assembleia Nacional que tenha Castro como membro do Conselho, seria uma opção nos marcos constitucionais, mas politicamente não daria uma imagem de uma real saída do poder executivo.

tradução: Jean Ilg

 
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