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EUA-CORÉIA DO NORTE
“Momento Nixon” para Trump: 5 chaves sobre a reunião EUA-Coréia do Norte
André Barbieri
São Paulo | @AcierAndy

Trump anunciou aceitar o convite do líder norte-coreano Kim Jong Un para conversas de “desnuclearização” de Pyongyang.

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Trump modificou a agenda mundial. O documento de Defesa Nacional, que declarou a “competição estratégica interestatal” o eixo da segurança nacional dos EUA, e a declaração da China como “competidor estratégico” de Washington, já haviam alterado as perspectivas de 2018. A imposição de tarifas de importação sobre o aço (25%) e o alumínio (10%), que desencadeou alarmes de guerra comercial entre os próprios aliados norte-americanos, deu asas ao já galopante nacionalismo econômico.

Como se fosse pouco, ao contrário das expectativas, Trump anunciou aceitar o convite do líder norte-coreano Kim Jong Un para conversas de “desnuclearização” de Pyongyang.

Nenhum presidente durante mandato nos Estados Unidos realizou um encontro com um líder da Coréia do Norte. Em 2000, fracassara uma tentativa de encontro entre Bill Clinton e o então líder nortecoreano, Kim Jong-il. Até agora, as tensas relações entre Trump e Kim se resumiam à escalada de ameaças militares – como a declaração de Trump de que poderia “eliminar completamente a Coréia do Norte” frente aos exercícios balísticos realizados pelo governo nortecoreano – e às trocas de insultos públicos (“Rocket Man”, homem foguete, segundo Trump, que por sua vez considerava o Republicano um “velho caquético”). Daí o espanto da imprensa internacional diante do súbito reentendimento, a partir do convite de Kim para debater o fim de seu programa nuclear.

Nem tão súbita mudança. As Olimpíadas de Inverno na Coréia do Sul, outro país implicado na crise, foram marcadamente um ponto de inflexão. O histórico encontro da irmã de Kim Jong Un com o presidente sul-coreano, Moon Jae In, e a participação da Coréia do Norte num evento esportivo que lhe rendeu ao final a proposta de uma cúpula de entendimento entre os governos das duas Coréias mudou a abordagem dos Estados Unidos.

Lançamos cinco chaves hipotéticas sobre a proposta de reunião entre Trump e Kim:

1. Um histórico de aproximações fracassadas

Em 1994, três anos depois de remover suas armas nucleares do território sul-coreano, o governo Clinton acertou um acordo com o governo da Coréia do Norte, o “Agreed Framework”, em que Pyongyang aceita congelar seu programa de enriquecimento de plutônio com fins militares, inclusive dois reatores, em troca de ajuda financeira. Esse acordo colapsa em 2002, em meio à crescente hostilidade entre Washington e Pyongyang, momento em que George W Bush inclui a Coréia do Norte no chamado “Eixo do Mal”, junto a países do Oriente Médio como Iraque e Afeganistão.

Em 2005, fruto de nova rodada de negociações entre um rol de países (Estados Unidos, as duas Coréias, China, Rússia e Japão), Pyongyang anuncia abandonar seu programa nuclear; entretanto, no ano seguinte o regime de Kim Jong-Il testa seu primeiro dispositivo nuclear, o que recrudesce a crise até o fim das relações diplomáticas em 2009, com a condenação internacional após o lançamento do míssil balístico Taepodong-2. Em 2017, já sob Kim Jong Un, a Coréia do Norte lança três mísseis balísticos intercontinentais, abrindo a pior fase da crise diplomática com Donald Trump.

De posse desse histórico, seria estranho crer que a Casa Branca esteja jogando apenas com a carta “diplomática”. Um objetivo mais de fundo surge à tona: conter Pequim.

2. O receio dos Estados Unidos: um reencontro das duas Coréias

Desde o fim da Guerra das Coréias, em 1953, os líderes de ambos os países da península não se encontravam. A devastação provocada pelo imperialismo norte-americano no território coreano buscava desmoralizar os trabalhadores da península, evitando processos revolucionários, de um lado, e que a ex-URSS detivesse o controle total da região. A aproximação diplomática entre as Coréias do Sul e do Norte, e a proposta de uma cúpula de entendimento entre os dois governos após as Olimpíadas de Inverno, poderiam significar o fortalecimento da influência chinesa sobre o governo de Seul. Ainda que esta eventualidade não esteja no horizonte próximo, a frieza da Coréia do Sul frente às ameaças militares de seu aliado norte-americano deixaram o governo Trump de sobreaviso. Nada mais humilhante para Trump do que ter visto o presidente sul-coreano ignorar seus conselhos sobre a melhor conduta com Pyongyang.

Embora não esteja clara a relação com a linha “nacionalista econômica” de Trump, o objetivo da reunião tem um eixo geopolítico mais evidente para os EUA: da mesma forma que o encontro entre Richard Nixon com Mao Tsé-Tung em 1972 tinha o propósito de conter a União Soviética, a reunião entre Trump e Kim tem o propósito de obstaculizar o avanço da China. É o “momento Nixon” de Trump.

Além disso, há um componente “personalista” que para Trump não é um detalhe secundário: realizar algo que nenhum presidente anterior dos Estados Unidos conseguiu fazer: lograr em perspectiva maior influência sobre Pyongyang, como parte da contenção da China.

3. Ameaça a Pequim?

A oferta da Coréia do Norte, para além das escassas possibilidades de que Kim Jong Un realmente desative seu programa nuclear, tem um ângulo estratégico para os Estados Unidos: debilitar a influência da China sobre a Coréia do Norte, e através disso, sobre a Ásia. Apesar do auxílio fornecido por Pequim, a Coréia do Norte busca reduzir sua dependência de alimentos e combustível chineses. Além disso, a crescente assertividade da China na região levanta uma sombra sobre o regime norte-coreano, que nos últimos anos assistiu a insinuações da China sobre uma possível mudança de regime país fronteiriço.

Por isso, em público o governo de Xi Jinping – novo “imperador” chinês após o fim do limite à reeleição na China – se apressará a dar as boas vindas à proposta de uma reunião para “des-nuclearização” entre a Coréia do Norte e Estados Unidos, mas atrás dos bastidores fará tudo o que puder para evitar que a Coréia do Norte sob a égide de Washington bem na sua fronteira. A crescente bonapartização do regime liderado pelo Partido Comunista Chinês não combina com uma cúpula em que a China não terá assento.

4. Coréia do Norte: opor China e EUA, sem o risco de conflagrações

Há que levar em consideração que Kim Jong Un deu uma aula diplomática aos Estados Unidos durante as Olimpíadas de Inverno: uma delegação norte-coreana sorridente contrastava com a frieza do vice-presidente norte-americano Mike Pence, desgostoso com o clima mais harmônico entre as Coréias. Entretanto, dificilmente a situação econômica do país não tenha interferido na decisão de Kim. As sanções econômicas impostas pelos Estados Unidos começa a derrubar alguns pinos do tabuleiro de Pyongyang, que não encontra um auxílio chinês no mesmo ritmo. Uma reaproximação, ainda que parcial e difícil, com Washington, traz o benefício de potencialmente melhorar relações com a Coréia do Sul e o Japão, rivais da China. Num tabuleiro pleno de incertezas e tensões geopolíticas, não é impossível que Pyongyang esteja jogando sua sorte entre diversos atores, parando de depender exclusivamente de Pequim.

É recente, entretanto, a memória do destino de Muammar Gaddafi, ditador da Líbia, após ter renunciado a seu programa militar. Kim Jong Un dificilmente entregará seu programa militar quando isso pode significar ser eliminado pelos Estados Unidos. Acenos positivos de negociação aos Estados Unidos, sem entregar o programa, podem evitar que se aumente a presença militar de seus aliados na península.

5. Um impasse longe de terminar

Pela importância do tema, uma reunião diplomática para desativar um programa nuclear é normalmente preparada com muita antecedência, com ambas as partes sabendo de antemão quais serão os resultados da negociação. Nada sugere isso neste caso. Trump sequer possui um especialista sobre a Coréia do Norte em seu gabinete.

O programa nuclear forma parte essencial da equação de poder e dos recursos da Coréia do Norte para sobreviver. Isso se transforma em um aspecto praticamente inegociável – só esteve aparentemente em discussão durante uma breve pausa, entre 1994 e 2000, coincidindo com uma política de diálogo da administração Clinton e a pior crise de fome que o país enfrentou.

A presença militar dos Estados Unidos na região é concreta: tem 40.000 soldados no Japão, localizados em 112 bases, em sua maioria na Ilha de Okinawa; porta-aviões, submarinos nucleares, defesas anti-aéreas e mísseis. Tem outros 35.000 soldados na Coréia do Sul, além de tanques e o sistema de mísseis Thaad. Frente a riscos tão próximos, dificilmente a China não busque ter parte em negociações que dizem respeito ao destino de suas fronteiras, que quer o mais longe possível de Washington.

A entrada em cena da diplomacia no lugar da retórica militarista anterior não descarta acidentes que possam escalar em conflitos superiores, especialmente tendo em vista que, se fracassa uma reunião entre os líderes máximos de duas nações, não haveria muito mais o que esperar das negociações. De fato, o eixo da defesa norte-americana no “conflito entre as potências”, com o frenético nacionalismo econômico de Trump no Salão Oval, não prevê desenvolvimentos harmônicos.

 
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