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POLICIAMENTO USP
A USP e seu ’direito de perseguir’: resposta ao editorial do Estadão
Guilherme Costa

Quem o lê o editorial do Estadão dessa quarta feira, sobre segurança na USP, logo se lembra da atitude da mídia em Junho de 2013. Não apenas os vocábulos são os mesmos, mas a lógica do texto. Eles fazem toda uma argumentação para justificar a PM no campus universitário de forma a esconder o real motivo da entrada da PM (repressão), isolar os manifestantes contrários e criar um sentimento de desordem e insegurança em todos.

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Foto: Brasil Post

É o velho discurso do medo que tanto foi usado por governos ditatoriais ao longo de todo o século XX. Enquanto isso o coelho fica escondido na cartola. Mas para dialogar com o editorial, vamos destrinchar o texto e ver o que realmente tem por trás dessa cartola.

Diferentemente do que fora dito, que a PM entrou na USP para garantir a segurança dos estudantes, a PM entra na USP pela primeira vez na época da ditadura militar para auxiliar nos processos de perseguição política aos ditos “baderneiros” de então.

Desde o fim da ditadura, a PM fica proibida de adentrar o território universitário por conta de uma questão tão cara a qualquer espaço que tenha como princípio o livre pensar – a autonomia universitária. Defendida por grandes universidades de todo o mundo, como Harvard, a autonomia universitária existe em teoria para garantir que o espaço acadêmico impulsione o pensamento crítico e edificante sem a interferência estatal e interessada, seja ela através do braço armado, seja ela através do mercado.

Ou seja, a Universidade nasce com o intuito de se produzir conhecimento livremente. Mas infelizmente esse princípio não vigora na Universidade e vem sendo cada vez mais rifado pela reitoria, pelas empresas privadas e pelo governo do Estado através de inúmeras formas. Na USP mais especificamente a entrada da PM tem um histórico que desvela o real propósito de sua entrada e tem a ver com o fim dessa autonomia universitária. Para isso vamos aos fatos, os fatos falam mais alto!
Histórico de entrada da PM na USP

2007: Como dito anteriormente, a PM deixou de entrar na USP desde a época da ditadura militar (desde 1968, para ser mais preciso). Acontece que em Agosto de 2007, o então diretor da faculdade de direito João Grandino Rodas chama a tropa de choque para retirar centenas de manifestantes que ocupavam pacificamente o largo São Francisco para reivindicar inúmeras coisas, entre elas a erradicação do analfabetismo e o aumento de vagas públicas nas Universidades. Os manifestantes iam desde estudantes da USP, até movimentos sociais como MST, Gaviões da Fiel e UNE. Mais de 200 pessoas foram presas naquele dia. Até aquele dia, passaram-se quase quarenta anos sem que a polícia interferisse em assuntos políticos na USP.

2009: A então reitora Suely Vilela chama a tropa de choque, desta vez para o campus do Butantã, para reprimir uma manifestação de trabalhadores e estudantes que exigia, entre outras coisas, correção salarial e fim dos processos administrativos contra lutadores, e defendiam a universidade pública com acesso a todos, contra o projeto de universidade virtual, chamado UNIVESP, que acabaria por precarizar a universidade.

2011: A reitoria do então reitor Rodas firmou o convênio com a PM garantindo a sua livre circulação após o assassinato do estudante da FEA, Felipe de Paiva, no estacionamento da faculdade. Desde então as rondas passaram a ser ostensivas e violentas. Até que no dia 27 de Outubro desse mesmo ano a polícia prendeu três estudantes na FFLCH e isso desencadeou um processo de luta importante pela retirada da PM. Após a ocupação da reitoria que exigia o fim do convênio, a PM fez história na USP ao trazer um efetivo militar que segundo a própria ouvidoria da polícia, nem na ditadura tinha tanta gente assim, parecia uma praça de guerra. Com direito a cavalaria, canil, bala de borracha e muita marreta para poder destruir a reitoria (colocando a culpa nos estudantes), a PM fez 72 estudantes presos de forma a relembrar os tempos mais obscuros da história de luta aqui dentro.

2012: Logo no início do ano, a PM entrou novamente para levar os 12 estudantes que lutavam por moradia no CRUSP, acarretando a expulsão de 8. Alguns dias depois eles entraram novamente no então DCE ocupado para retirar os estudantes que há anos o utilizavam como espaço estudantil legítimo. Esse episódio ficou marcado quando um dos PM’s gratuitamente apontou a arma para o único estudante negro do recinto.

2013: A PM entra na USP para fazer a reintegração de posse da reitoria que havia sido ocupada por estudantes que protagonizavam uma forte greve em defesa da democratização da arcaica e antidemocrática estrutura de poder da USP. Não tinha ninguém então eles aproveitaram para pegar transeuntes no caminho, colocá-los no camburão, chegando a ter denuncias de tortura pela parte dos policiais, no caminho até a DP.

2014: A PM entra na USP para reprimir um protesto de funcionários que estavam há quase 100 dias de greve em defesa da universidade e contra o arrocho salarial, com pontos cortados pela reitoria e muitos sem dinheiro para poder alimentar suas famílias. Em uma das ações uma bala de borracha perfurou a perna de um funcionário. Alguns centímetros acima poderia ter sido muito mais grave.

2015: A PM entrou para reprimir um protesto de estudantes e funcionários durante uma paralisação nacional que visava lutar contra o ajuste fiscal do governo Dilma, o projeto de lei das terceirizações, mais verbas para a educação, entre outras coisas.
Esse histórico de entrada da PM comprova que ela entra com o objetivo principal de reprimir todos aqueles que se levantam contra o status quo da Universidade. Reprimem trabalhadores que estão em greve em defesa de seus salários, estudantes que se manifestam contra o autoritarismo da reitoria, jovens e trabalhadores que lutam em defesa da educação pública e de qualidade.

Os estudantes "demonizam" a PM ou ela faz esse serviço por si só?

Desde 2011, quando a PM passa a ser chamada para qualquer ato, protesto ou manifestação, os roubos e furtos dentro da USP apenas aumentaram. Entre 2012 e 2014 houve um aumento de 55% em roubos e furtos. Comparando dados como esses com o histórico de ação da PM, vê-se o real propósito de sua entrada.

Mas qualquer pessoa poderia ler esse texto e dizer, “mas então temos que pensar como fazer com que a PM garanta a segurança aos estudantes e não a repressão aos protestos”. Acontece que segurança e PM são palavras que na realidade concreta do dia a dia não casam muito bem. Vou contar uma pequena anedota do que eu já vivenciei na USP. Este ano mesmo fui abordado pela PM na USP após uma festa de DUB ocorrida na ECA. Era uma festa que vinha muita gente de fora, muitas pessoas negras. Fomos abordados de maneira totalmente truculenta e virulenta no ponto de ônibus. Chegaram escrachando e apontando a arma “pra geral”, marcaram um rapaz aleatório e disseram que ele ia dormir na delegacia aquele dia - não por acaso ele era negro. Comigo apenas jogaram spray de pimenta nos olhos e deram umas porradas. Mas as pessoas que eram negras e não tinham a carteirinha laranja da USP receberam um tratamento mais abusivo. Chegaram a pegar um spray de tinta pintar todo o corpo de um dos rapazes. Eu e mais dois colegas fomos soltos antes. Sabe-se lá o que fizeram com os outros, mas coisa boa certamente não foi. Fizeram essa ótima reportagem sobre esse caso.

Mas podemos ir ainda mais longe. Durante os últimos cinco anos que eu estudo na USP, já ouvi inúmeros casos de assassinato por parte da polícia aos moradores das comunidades ao redor. Desde a Cicera, trabalhadora terceirizada da faculdade de educação que foi assassinada pela PM na comunidade São Remo, até os toques de recolher que são feitos pelo Rio Pequeno com o intuito de matar aqueles que supostamente atentam contra a segurança dos estudantes da USP. Estamos falando de uma das polícias que mais mata no mundo, que de acordo com dados da ONU. Estamos falando da polícia que matou Amarildo, Eduardo, Claudia, DG e muitos outros pobres que são cotidianamente eliminados pelo braço armado do Estado. É possível a polícia garantir segurança, ou é ela própria fator fundamental da violência?

É fundamental fazermos jus à pouca autonomia de pensamento que temos para refletir profundamente o significado da PM dentro da USP, de outras Universidades, dos morros e favelas de nosso Brasil. Fala-se muito do tipo, “mas ele é só um estudante branco playboy da USP que quer os seus privilégios”. Sabemos que aqui na USP a bala é de borracha e que na quebrada ela é de chumbo e tem mira na cabeça de preto pobre. Mas a luta pela saída da PM da USP, é na verdade uma luta que visa problematizar toda a violência policial a que estão submetidos os jovens de nosso país todos os dias e noites. Com isso problematizar também a própria criminalização das drogas que tanto afeta a população pobre.

Criolo deu recentemente uma ótima entrevista para a Carta Capital sobre a violência policial, onde ele diz, “desde que eu me entendo por gente vão pra favela assassinar jovens”. O editorial do Estadão diz que tentamos demonizar a polícia. Acontece que ela é o próprio demônio quando entra na favela descarregando cartucho, nesse caso a sabedoria popular, testada na vida, se mostra muito superior a do intelectual do jornal, a policia significa cerceamento dos espaços públicos, esvaziamento dos mesmos, racismo e repressão.Os estudantes pelo contrario querem construir uma universidade aberta a população, um espaço que atraia as pessoas, com arte e cultura.

Para acabar, não é a toa que o Estadão, a Folha de S. Paulo, a reitoria, o governo do PSDB e cia estão retomando esse debate com força. Tem a ver com o que está em jogo na cena política mais geral. É patente que estamos vivendo uma das maiores crises que a Universidade já viveu. Com isso certamente haverá muita resistência, pois essa crise está sendo descarregada nas costas dos estudantes, professores e funcionários. Acontece que a resistência é respondida pela reitoria com repressão, e para isso eles vão até o Japão buscarmodelo de policiamento especial fazendo com que o real motivo seja escondido. Combinado a isso estamos vendo uma crise sem precedentes do governo federal e o PSDB está querendo aparecer, a partir de algumas figuras como a do Alckmin por exemplo, como alternativa ao PT. Para isso eles se apoiam no sentimento de medo da população para reforçar o caráter monstruoso da PM, da redução da maioridade penal, etc., e acabar isolando os supostos “grupelhos de esquerda”. A segurança que eles tanto prezam é a garantia de que os cortes e ajustes vão passar sem resistência nenhuma. A nossa segurança é a de que vamos conseguir viver, nos manifestar livremente e produzir conhecimento em uma Universidade livre de amarras ditatoriais.

A luta contra a repressão na USP deve extrapolar os muros da Universidade, se ligar à população e dizer em alto e bom som que não aceitaremos nenhum tipo de violência, na USP ou fora dela. Essa luta, que pode ser um estopim de algo maior, é fundamental e devemos discuti-la sempre nas salas de aula, nos corredores da faculdade, no busão, em casa com a família, escrever textos sobre o assunto, videos, etc. Em meio a um debate nacional acerca da redução da maioridade penal, essa questão parece menor, mas não é. Tratam-se de debates que se ligam na medida em que tanto a escalada repressiva dos governos quanto a redução da maioridade penal afetam a juventude que quer viver e quer lutar. É fora PM da USP, dos morros, das praças e das favelas! A juventude quer viver!

 
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