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Lenin e o marxismo anticolonial: o caso do congresso dos povos do Leste de 1920
Sergio Abraham Méndez Moissen

Muito se há dito sobre a questão decolonial e o marxismo, mas pouco se sabe sobre a reunião de Baku.

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Segundo autores que se denominam como decoloniais o marxismo é uma teoria ocidental que dificilmente poderia colaborar com a emancipação dos povos colonizados.

Walter Mignolo, o mais destacado deste corpo teórico, afirma a necessidade de uma “nova teoria da periferia”. Sem dúvida, tal afirmação é um erro histórico, uma incompreensão da obra marxista. Uma negação da história.

“Marx antecipa a ideia de “desenvolvimento do subdesenvolvimento” e o capitulo XXIV de O Capital será centra para o surgimento da teoria da dependência, a teoria do sistema mundo, do pensamento influenciado pelo marxismo que relacionou capital e escravidão e do próprio pensamento decolonial. Seu capitulo sobre a acumulação primitiva explica a construção periférica dos povos não ocidentais.

Após a Revolução de 1917, uma revolução não ocidental de fato, a Internacional Comunista dedicou seus esforços em conhecer a luta anticolonial dos povos não ocidentais e convocou a reunião para isto. Para Lenin era central conquistar uma aliança com os povos coloniais. Em 1920 teve como sede em Baku, Azerbaijan, o congresso dos Povos do Leste.

Lenin está longe de representar um marxismo de hipóteses eurocêntricas. Lenin sustentou que era mais provável a revolução em um pais não “ocidental” e rompeu com o esquematismo teórico de seu tempo que considerava que a desenvolvida Alemanha seria o berço da revolução social.

Baku, Azerbaidjão: os bolcheviques e o Islão

Um dos principais observadores da reunião foi o francês Alfred Rosmer. Visitante a Russia durante a época de Lenin Rosmer assinalou em seu Moscou sob Lenin que a revolução havia conquistado, desde 1905, repercussões profundas nos povos não “ocidentais” como Turquia, Pérsia, Índia, Curdistão, Palestina e em especial China.

Neste contexto que no II Congresso da III Internacional Comunista os bolcheviques chamaram uma vasta conferencia para representantes de todos os povos não ocidentais e elegerão Baku, no Azerbaijão, na intersecção da Europa com Ásia.
Zinoviev, Radek y Béla Kun forão os representantes da III Internacional neste conferencia que os levou a atravessarem toda Europa em uma viagem insólita.

Segundo Rosmer:

“ Implicava um risco atravessar todo o pais, no curso da viagem poderíamos nos deparar com bandos. Demoramos cinco dias para chegar em Baku no qual um deles nos detivemos em Rostov em numerosas aldeias do Cáucaso: convinha utilizar ao máximo esse deslocamento excepcional.”

A viagem se realizou em meio a guerra civil:

“A viagem nos permitiu ver em primeira mão a grande quantidade de danos causados pela guerra civil. A maioria das estações haviam sido destruídas, e em toda parte os trilhos estavam cheios de destroços e bastante queimados. Quando o exército branco havia sido derrotado, destruíram tudo o que podiam ao se retirarem. Uma das estações mais importantes da Ucrânia, Lozovaia, havia sido atacada recentemente por um bando de branco, e tínhamos ante nossos olhos o dano causado por tais ataques, que seguiam sendo frequentes nestas regiões.”

Também assistiu a este evento anticolonial o jornalista John Reed. Foi nesta viagem que contraiu malária e voltou doente para Rússia. Nunca terminou de se curar totalmente desta doença. Segundo a revista eletrônica Contratempos, em seu artigo “Hadj-Ali Abdelkader: um muçulmano comunista dos anos 1920”, publicado em 2012, a conferência agrupou delegados do Meio Oriente: 100 armênios, 235 turcos, 129 persas, 14 hindus e 8 chineses. A tradução foi simultânea.

O que se discutiu em Baku?

Nestas sessões de discutiu as posições dos marxistas frente ao Corão, o sionismo, a situação da mulher na religião árabe e no Islão, a questão nacional e a colonialidade.
O que conta Rosmer é que um trem que levava os delegados iranianos foi atacado por um avião britânico, dois delegados foram assassinados e vários ficaram feridos. Os navios de guerra britânicos também trataram de impedir a chegada dos delegados turcos desde e o outro lado do Mar Negro. Dois iranianos foram assassinados na fronteira do Azerbaijão pela polícia Iraniana.
Este Congresso de Baku foi desenvolvido enquanto na Itália e na Boêmia havia ocupações de fábricas. E perpassou o 1º de setembro de 1920, após a derrota da revolução na Alemanha e o assassinato de Rosa Luxemburgo. Chamava-se os povos do Oriente a luta por sua libertação enquanto o exército vermelho “se punha em uma luta anticolonial contra o imperialismo francês, inglês e americano.”
O encontro foi organizado pelos militantes comunistas do Azerbaijão Nariman Narimanov, Md. Gousseinov e Said Gabiev do Daguestão, o comunista turco Mustafa subhi e os membros do Comitê Central do partido bolchevique da Rússia Serge Ordjonikidze e Elena Stassova.

Foi, nas palavras de Broué, “de longe o maior agrupamento já organizado pela Internacional Comunista: 2850 delegados incluindo, pela primeira vez, 8 militantes curdos. Na viajem dois militantes iranianos perderam a vida. Chegou uma delegação da Palestina.

Os delegados da India haviam atravessado o Turquistão e o deserto da India passando desapercebidos pelo exército britânico. Ahmed Sultanzadeh ajudou, junto aos demais nomeados a organizar o evento politico da Comitern. Este curioso evento trouxe para o marxismo discussões sobre a questão colonial. Os bolcheviques chegavam primeiro ao mundo árabe muçulmano que ao congresso da América Latina de 1926.

As discussões ali foram apaixonantes ainda que não se tem as atas das intervenções nos debates. Sabe-se fundamentalmente do discutido graças as memórias de Rosmer e a documentada investigação de P. Broué. Muitos debates internos deram caminho a reflexões marxistas sobre temas coloniais como: Jihad, o véu, a guerra, o Corão, a ocupação sionista, a questão árabe, da fé e da opressão imperialista na região.
Para Zinoviev, por exemplo, era correto usar a jihad na guerra contra os infiéis não muçulmanos, em uma cruzada contra o colonialismo. O evento mais complicado foi a suposta presencia do dirigente nacionalista Enver Pachá. Este era um oficial turco dirigente da Revolução de 1908 e depois de converteu em membro do governo do Imperio Otomano.

Broué desenvolve algumas das discussões em Historia da Internacional Comunista (1919-1943) a mais documentado estudo da III internacional. Assinala que Naboutabekov, militante comunista turco, defendeu que o proletariado deveria combater em duas frentes “ o nacionalismo europeu e os mollahs (senhores) reacionários (...) este evento, devemos reconhecer, foi o início de um desenvolvimento, em uma historia particular do Oriente, de um movimento do nacionalismo árabe que apoiava ao mesmo tempo a Revolução Russa.


O marxismo árabe e asiático: as primeiras organizações comunistas

Em seu regresso a Moscou, Romer detalha que dois membros mais foram assassinados, agora do Partido Comunista Grego, Orion Alexakis e Demosthenes Ligdopoulos.
Para um grupo de militantes turcos o Segundo Congresso da III Internacional em sua sessão do Congresso em Baku foi sua última atividade política. O caso de Mustafá Subhi e Ismail Hakki que ao voltarem para seu pais foram detectados pela polícia e executados e seus corpos foram encontrado no mar de Mármara, como narra Broué.
Rosmer detalha também que ao voltar a Russia um atentado do exército branco dinamitou as vias de trem com o objetivo de romper as possibilidades de comunicação dos líderes nativos com os bolcheviques.

O trabalho político da III Internacional realizou-se por meio de bureaus e em 1921 se organizou o Primeiro Bureau Central das Organizações Comunistas de Oriente sob responsabilidade Mikhail Pavlovithy e Vladimir Vilensky Sibiriakov, membros do recém criado Secretariado da Internacional Comunista para Extremo Oriente e pouco tempo depois um Bureau Colonial sob a direção de M.N. Roy.

“ Os primeiros partidos comunistas no mundo não “ocidental” começam a se formar no ano de 1920.”

No ano de 1920 Mustafa Subhi fundou na Turquia o primeiro Partido Comunista árabe, o qual terminou tragicamente com o assassinato de Subhi no mar de Trebizonde. Este primeiro partido foi decapitado e destruído de imediato pela repressão. Por meio do grupo Espartaco, na Alemanha, e pela participação de seyfik Husnu e Ethen Nejat desde Berlín, se organizarão grupos clandestinos junto da Associação Operária da Turquia.

No Iran tomarão o modelo do Partido Socialista (Adalat) e fundarão em 1916 um primeiro partido na total clandestinadade. Seu dirigente foi Ahmed Sultan zadeh (Sultanzade) que é a base da fundação do Partido Comunista em 1920 com a presença de Larissa Reisner.

Na Palestinha o bolchevismo começou sua militância por Wolf Auerbukh, Yehel Kossoi, Yosek Barzilay, Iakov Tepper, que romperam com o Partido Poalei Zion ao fundar o Partido Comunista da Palestina.

No Egito, em 1919, um verdadeiro movimento nacionalista tomou as ruas e foi reprimido pelas tropas britânicas. Em 1920, em Alexandria, surge o PC com 150 militantes. Com a mediação de sem Katayama, japonês que também havia vivido no México, seu dirigente foi Mahmoud Hosny, o Arabe.

Na Mesopotamia, em março de 1920, surgiu uma poderosa insurreição camponesa e esse ano se organizou um primeiro núcleo marxista. Em Bagdá em 1924 um movimento de juventude estudantil entusiasmado pela revolução alemã fundou um primeiro grupo de estudos marxista dirigido por Husein Ar Rahhal e Yououf Zeinal.

Na China, os professores Chen Duxiu e Li Dazhao começaram o movimento 4 de maio de 1919 contra a intervenção militar do Japão. Em 1920, se fundou o Partido Comunista da China. Este período o personagem central para o bolchevismo foi Manabrendra Nath Roy, de 32 anos, que viajou da América Latina a Índia, passando por Turquia e Estados Unidos.

No Japão Sen Katayama de 57 anos foi o primeiro organizador sindical nos anos finais do século XIX “mais um agitador social que um teórico”, aponta Broué. Junto a Eizo Kondo são os primeiros difusores da Revolução Russa de 1917 no Japão.

Quem se atreveria a dizer que o marxismo de Lenin era ocidentalista ou eurocêntrico? É mais fácil enevoar a história que compreendê-la.

 
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