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CONTO
Ariel
Sagui
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Ariel andava pensativo sobre os ladrilhos da calçada. Pensava sobre o momento anterior. Comprar roupas novas sempre o deprimia, era um desafio: algumas eram largas demais, outras muito apertadas. Nenhuma delas ficavam como queria, parecia-lhe azar. Nunca encontrava algo que lhe encaixasse e o fizesse sentir como quem tem a liberdade encontrada em um jeans azul marinho.

Mas caminhava, com outro jeans não confortável, em retorno a sua casa. Pensava também sobre a nova proposta de emprego, aquela que o fez querer comprar roupas novas. As entrevistas eram outro desafio, um desconforto em ser chamada nas salas de espera lotadas junto a um olhar de reprovações e incertezas. As perguntas sempre fugiam do foco: você usaria isso, ou usaria aquilo? Uma série de perguntas pessoais. Ao sair das salas, já sabia, sua resposta seria negativa.

E perneando cada vez mais, sua casa ficava distante. A fuga do local indesejável se tornou não consciente há vários anos. Sabia que ali, com seus pais, sua família, seria mais um dos ambientes que não o fazia bem. Os cafés, os almoços, os jantares em família e, principalmente, os jantares de família com a soma de parentes eram motivo das suas insônias, castigos e gastrite. Mas, disto consciente, evitava-os e o evitavam. As perguntas e palpites se tornaram menos frequentes, e sua voz de normal à baixa, de baixa à baixinha, até que se tornou um sussurro e deixou de ser.

Não se preocupava mais com lugares à mesa, não fazia questão de sentar entre os porcos. As refeições sempre que possíveis eram isoladas no quarto. Entrava, fechava a porta, e talvez fosse possível um segundo de silêncio entre o mastigar de algo e a próxima gargalhada exagerada que vinha da sala. Seu quarto era seu refúgio, talvez uma amostra do paraíso prometido. Ali, guardava suas mais valiosas joias: seus livros, cadernos de anotações, seus desenhos e pinturas, e até umas partes de si. Ali sonhava, quando era possível sonhar, e acordava em desejo, não sabendo se era pior ter acordado ou sequer sonhar.

Às vezes sonhava muito, outras vezes pouco, mas todas as vezes a remetiam a mais insônia, denunciada em horríveis olheiras. As pessoas a observavam por isso e Ariel observava as pessoas. Elas e eles que apressavam seu passo lento, gritavam sua voz rouca, brigavam seu pacifismo e faziam com que ele se sentisse fora do aquário.

Quando pensava sobre quem era, percebia que jamais encontrou dentro ou fora do aquário um peixinho como ela. Aliás, mal sabia quem era. Se for alguém, nunca chegou a ser si mesmo.

Agora, sentada num banquinho de praça, põe-se em segredo a imaginar o que no instante lhe era impossível. Como tinha ódio de tudo que lhe fazia ser mistério e miséria em si mesmo. Um milhão de mascaras lhe faziam usar outra. Era atordoante viver nesse conflito sem fim. As pessoas conhecidas passavam sem cumprimentar, sem enxerga-lo. Incomodado, procura fuga. Olha para cima, encontra o céu, tão azul como a cor que ilumina quase sempre seus dias, os tornando tão iguais quanto os outros. Logo avista um passarinho invejando lhe com suas macias e brilhantes asas...

Ah... Quem lhe dera se tivesse asas... Para que com elas, pudesse rasgar o azul do céu.

 
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