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TRIBUNA ABERTA
Eduardo Marinho e porquê a direita se esforça em pintar a esquerda como elitista
Isabela Rocha

Não é novidade para quaisquer militantes de esquerda, organizados ou não, ouvir que a esquerda se tornou – ou é – um movimento “elitista” que “se recusa a dialogar com as bases”. De onde, no entanto, surgiu a noção de que a esquerda é elitista, e porque essa falácia é essencial para a manutenção do capitalismo?

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“Filósofos se limitaram a interpretar o mundo de diversas maneiras, mas o que importa é transformá-lo.” Marx e Engels. Teses sobre Feuerbach.

O pressuposto geral da teoria marxista é justamente o de que o mundo que vivemos não é sustentável, tanto de forma material (alimenta contradições, a pobreza e a miséria, entre outras coisas) quanto espiritual aliena o homem quanto produto de seu trabalho, o impede de criar de forma livre e o força a se animalizar. É irônico, senão oportunista, a tentativa de afastar o marxismo e os militantes que, de uma forma ou de outra, se baseiam nas táticas e no arcabouço teórico de Marx e seus “descendentes” de seu sujeito: Justamente o trabalhador.

No dia 28 do mês passado, Eduardo Marinho soltou um vídeo em sua página do facebookcriticando as discussões entre as diversas vertentes e negações do marxismo feitas no meio universitário. Não entrarei no mérito sobre a pessoa que é Eduardo Marinho, mas vale apontar que ainda apontando supostas contradições ao “decidir” se tornar morador de rua, ele não abdicou de sua herança, nem a empregou de forma alguma em movimentos sociais ou ONGs.

Uma das primeiras falas de Eduardo é a de que esses “revolucionários com aspas” não “revolucionam a si mesmos”; como se a revolução fosse algo íntima ou individual ao ser. A própria concepção de revolução, um fenômeno capaz de mudar as percepções de toda uma comunidade, pervertida para o individual, para o mais só e mais solitário é antirrevolucionária em si mesma. Em alguns artigos na internet, Eduardo Marinho é comparado com Christopher de “Natureza Selvagem”, como se sua jornada fosse uma versão brasileira da história com um final feliz [1]. Parece que o final do filme, onde, em sua morte, Chris escreve que “a felicidade é apenas verdadeira quando compartilhada”; foi completamente e oportunisticamente, ignorado.

Existe, na atualidade do pós-capitalismo, uma percepção de que não é mais possível uma transformação coletiva, e que as “revoluções” devem ser internas ao ser. Tal percepção se enraíza na falta da esperança, no comodismo e na alienação do homem com o seu comum; com o outro. E são justamente essas raízes que alimentam figuras como as de Eduardo Marinho. Basta, para se tornar iluminado e revolucionário, comprar uma de suas camisetas (que inclusive são vendidas em sua página). Organizar, conversar e eventualmente se conectar com o outro já não é revolucionário o suficiente.

Outra fala é a de que os mesmos xingamentos que ele ouvia quando tinha dezenove anos ainda são proferidos pelos militantes de esquerda. Talvez faltasse a Eduardo Marinho buscar compreender a dinâmica entre os grupos de esquerda. Ora, xingamentos e embates entre membros da esquerda são tão comuns quanto ir ao banheiro. Ainda que seja comum que alguns militantes levem as defesas e ofensivas políticas no pessoal; os mesmos militantes que, em algum momento, xinguei de “pequeno-burgueses”, ou “lacaios do capital”, me socorreram nas marchas de junho de 2013 quando incapacitada de alguma forma pela polícia. Inclusive, ao ler os documentos de 1917-1928 quanto os debates de membros do partido comunista russo, como Lenin e Alexandra Kollontai entre outros, os xingamentos vindos de divergências políticas corriam solto. “Paz entre nós, guerra aos senhores” é o pensamento que se mantém, mesmo em meio a debates acirrados. E ainda que existam os militantes que levem tais xingamentos para o pessoal, a convicção de que, em atos, greves ou momentos de grandes embates, estes camaradas estarão ao meu lado se mantém.

Logo depois, Marinho diz que estes debates entre grupos da esquerda colaboram com a ditadura banqueiro-empresarial, porque fortalecem a noção de que vivemos em uma democracia. Mais uma vez, falta a Marinho a percepção sobre o caráter da democracia; ora, é evidente que vivemos em uma democracia, a democracia burguesa, justamente o tipo democrático qual os militantes sérios combatem constantemente. Voltando mais uma vez para junho de 2013 – uma das maiores expressões de embate e negação a democracia burguesa na atualidade – o rosto mais comum em meio aos atos massivos e extremamente violentos por parte da polícia e do Estado, eram, justamente, os mesmos militantes que, de acordo com marinho, não dialogam com as bases e “a favela”, xingavam-se na “academia”.

Dando continuidade a sua extensão de sensos-comuns, Marinho diz que para ser realmente revolucionário, o militante deve ir até a favela e ouvir os anseios das populações mais pobres. Se os militantes não escutam os anseios da favela, porque, então, era tão comum ver universitários construindo Black Blocs de forma a defender àqueles em passeatas? Ainda, se os militantes não escutam os anseios da favela, como que uma das maiores vitórias do Pão e Rosas foi a publicação de um livro chamado “A terceirização tem rosto de mulher”, que compila diversos relatos de trabalhadoras submetidas aos mais diversos tipos de atrocidades oriundas justamente dessa “ditadura banqueiro-empresarial”?

Marinho, depois, entrou em um dos debates sobre a “condução das massas”, e que algum militante disse que, é sua função conduzir as massas para a revolução. Em 1942, na Alemanha nazista, estudantes inclusive muitos cristãos levaram a cabo propaganda antifascistas em um movimento denominado “Rosa Branca” [2]. Em 1967, o IV Congresso de Escritores [3] dá cabo a Primavera de Praga. Em 2010, o universitário desempregado e vendedor de rua Mohammed Bouazizi ateia fogo a si mesmo, dando estopim a Primavera Árabe e levando centenas de universitários às ruas. Independente de seus desdobramentos governistas, em 1943, a UNE, composta por diversos estudantes universitários de faculdades em todo o país, compõe um ato que resulta na morte de um de seus militantes, e em 1968 diversos militantes são presos no congresso de Ibiúna por lutarem contra a ditadura militar.

Em 1967, estudantes secundaristas vão as ruas na chamada Setembrada pela primeira vez no Brasil. Em 2013, grandes massas universitárias constroem os atos contra o aumento da passagem, e em 2014, os estudantes secundaristas levam a primeira vitória contra Alckmin em São Paulo, contando com o apoio de diversas universidades paulistas. Não nego que existe arrogância clara no meio universitário em acreditar que cabe a eles dirigir de alguma forma as massas, no entanto, a história comprova que os movimentos vindos do meio universitário foram estopim para grandes mudanças políticas e socioculturais.

Além das diversas concepções de Marinho, ao longo de seu vídeo ele demonstra acreditar que apenas universitários compõem movimentos políticos, o que, basta olhar para os movimentos em si; não é realidade. Na cidade de São José dos Campos, o PSTU conta com diversos militantes ativos que, além de não terem cursado ensino superior, vivem justamente no Banhado. No ano passado, militantes independes e militantes de diversas correntes construíram a ocupação Sem-Terra independente do PT “Dirceu Travesso”. No Rio de Janeiro e em São Paulo, a massa militante é construída principalmente por trabalhadores, deixando como ilustre exemplo o coletivo feminista Pão e Rosas.

Considerando as falácias de Marinho como fora da realidade concreta, porque Eduardo Marinho e a direita como uma toda busca pintar a esquerda e seus movimentos como elitista?

A tendência da direita, quando lidando com movimentos políticos, sempre é a de separar seus militantes, tanto entre si quanto de seu sujeito: O trabalhador – E como trabalhador, entendemos qualquer pessoa que transforma materialmente o mundo ao seu redor. Não seria extremamente propício pintar grupos que, historicamente, levam a cabo pautas revolucionárias como elite?

Ainda, como dito mais cedo, houve uma perversão extrema da concepção de revolução. Os capitalistas e seus propagandistas (conscientes de que o são ou não) propagam a percepção de que a revolução deve se tornar algo solitário, interno ao espírito e jamais comunitário – o que é extremamente conveniente considerando que seu objetivo é separar os ideais revolucionários de seu sujeito.
Para aqueles que ainda entendem a revolução como uma ferramenta de transformação da humanidade, nos resta combater as noções absurdas de que a esquerda é parte da elite, e lembrar a todos que a história, assim como o futuro, nos pertence; à todos aqueles que ainda entendem a revolução algo para todos os trabalhadores.

[1] http://www.gluckproject.com.br/o-homem-que-largou-uma-vida-confortavel-para-encontrar-a-felicidade-na-simplicidade-2/
[2] https://pt.wikipedia.org/wiki/Rosa_Branca
[3] http://www.pametnaroda.cz/anniversary/detail/id/52

fonte da foto - página no facebook Eduardo Marinho em: Via Celestina

 
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