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TRIBUNA ABERTA
As agências de “análise” de risco e a violação de soberanias
Bruno Lima Rocha - professor de Ciência Política e Relações Internacionais

O papel das agências de “risco” e sua projeção de interesses na América Latina poderiam ter enfraquecido. A gangorra começaria a pender para outros lados se blocos regionais ou de países, como a Celac, Unasur e Mercosul, e a partir da relação Brasil-África do Sul, forçassem uma nova condição de barganha dentro dos BRICS. Com as viradas à direita no Continente, o inverso foi feito.

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O que legitima as agências de risco? As chamadas agências de “análise” de risco produziriam indicadores críveis para investidores interessados em adquirir ações ou dívidas na forma de títulos ou produtos financeiros exóticos gerados por agentes econômicos privados. Isto nas origens, porque a relevância destas empresas de bens simbólicos cresceu. Afirmo que estas agências, a partir das três maiores, Standard & Poor’s (S&P), Moody’s e Fitch Rating são peça fundamental da engrenagem capitalista em sua etapa financeira, reforçando um mecanismo de legitimação que reforça e blinda o papel nefasto que a especulação financeira tem.

Recordando o ataque contra a Europa do Sul forçando o ajuste pós 2008-2009

No auge da etapa de “ajuste“ da farsa com nome de crise, do estouro da bolha imobiliária dos EUA e a venda de derivativos baseados em hipotecas não cobertas, as agências de “análise” reforçaram o empobrecimento do sul europeu. A S&P apontou diretamente suas baterias contra a Europa. Trata-se da mesma agência que até dias antes da falência do Lehman Brothers – em setembro de 2008 – classificava-o como AAA. É um papel semelhante ao aval que a empresa de auditoria contábil Arthur Andersen dera para a empresa de energia Enron, sendo esta pediu concordata em dezembro de 2001 após o exercício de contabilidade “criativa”. A diferença é que a Arthur Andersen acompanhara a diretoria da Enron direto para uma investigação de fraude corroborada pela auditoria.

Os fatos são reveladores. Em 13 de janeiro de 2012 a S&P rebaixou a classificação da dívida (e dos títulos desta) de nove países europeus, incluindo a França, potência latina da Zona Euro e rival da Alemanha no projeto da Europa unificada. Já em 16 de janeiro veio à consequência, com o também rebaixamento do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (European Financial Stability Facility, EFSF, ver esm.europa.eu ), composto também por todos os Estados já depreciados pela mesma agência. Imediatamente, o ex-vice-presidente do Goldman Sachs e atual presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, pediu celeridade dos países membros na busca por ajustes de austeridade. Vale observar que o ESM, organismo gestor do EFSF, tem sede em Luxemburgo, paraíso fiscal continental e é gerido como um fundo de investimento e “estabilidade” para a Europa pós-2008. Na prática, opera como legitimador da maior transferência de renda coletiva para fins privados da história da humanidade.

O que ocorrera em 2012 é base para o sistema de domínio que segue. Tanto a S&P como o próprio Draghi são, agente e ator, diretamente responsáveis pela fraude com nome de “crise” que até hoje assola a Europa, em especial a “Europa do Sul”. Desaparecera por mágica a relação causal direta do aumento da dívida pública dos países membros, fruto da maior transferência de renda da história da humanidade, quando os Estados passaram recursos públicos para bancos privados insolventes após haverem negociados derivativos podres.

Quando o movimento por outra globalização expandiu-se, nos anos ’90, uma das bandeiras consensuais era a instauração da Taxa Tobin, onerando a especulação internacional. É pouco. É preciso desmontar o poder de legitimação das instituições financeiras que impõem suas vontades sobre Estados soberanos e governos eleitos, incluindo as agências de “análise”.

A jogatina e a traquinagem não correm sem “riscos” para os influenciadores das roletas dos cassinos. Como era de se esperar, a tentativa de respostas legais e institucionais avança (se arrasta eu diria) mesmo por dentro das estruturas de poder do ocidente. O procurador do município de Trani, Michele Ruggiero, na região de Milão, abriu – à época - investigação junto ao aparato da Guarda de Finanças (ligada ao Tesouro Italiano, mas com outras funções de polícia) e adentrou em diligência dentro do escritório da referida agência na cidade que consagrara Silvio Berlusconi como presidente de clube de futebol com projeções “populistas de direita”. A S&P e a Moody’s estavam (seguem estando e sempre estiveram) na alça de mira da Justiça da Itália, justamente por fazerem – ou supostamente haverem feito – aquilo que são acusadas: manipulação de dados e julgamentos imprudentes e infundados. A S&P em julho de 2011 e a Moody’s em maio do mesmo ano geraram fatos políticos a partir de relatórios supostamente “técnicos” ainda com o jogo político oficial em andamento (no Parlamento a primeira, e com o mercado em aberto, na segunda). Além do tradicional comportamento de manada, os informes puseram contra a parede a capacidade de mando do próprio governo italiano.

A grande chance perdida para uma nova arquitetura financeira

Nossos países da Semi-periferia poderiam ter medidas de proteção mútua, tais como fundos de emergência e índices de risco (já previstos no Fundo de Resgate e no Banco dos BRICS), por fora das estruturas estabelecidas pela atual hegemonia financeira recebendo ameaças diretas. Este arranjo foi interrompido pela guinada à direita do Brasil. É preciso compreender que a internalização de interesses externos adentra os Estados através das portas giratórias entre o sistema financeiro, a autoridade monetária e as pastas ministeriais formadoras da “equipe econômica”. Assim, por mais surreal que pareça, o balizador das dívidas dos países – e dos papeis de títulos públicos - são índices de empresas privadas de análise de risco (da possível ausência de pagamento), a saber, Standard & Poors, Moody’s e Fitch. Para os organismos financiadores do capitalismo, a informação produzida através destas empresas é considerada superior à coproduzida pelas autoridades de países como Brasil, Rússia, Índia, Indonésia, China e Coréia do Sul. Retirar a absurda legitimidade das empresas de “análise” de risco e, ao mesmo tempo, iniciar acordos multilaterais em busca de novos lastros para além do fator dólar-dólar, tal como uma possível moeda cambial dos emergentes, teria sido um belo primeiro passo.

Bruno Lima Rocha é professor de relações internacionais da Unisinos e doutor em ciência política pela UFRGS. E-mail: [email protected]

 
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