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PT: da hegemonia ao transformismo
André Barbieri
São Paulo | @AcierAndy
Juan Dal Maso

Ainda que seja impensável a fundação do PT sem levar em consideração o ascenso do proletariado brasileiro no ABC paulista, na década de 70, tampouco se podem compreender as bases programáticas e estratégicas deste partido sem ter em conta algumas ideias predominantes nas “esquerdas” latino-americanas.

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Muitos anos se passaram desde que uma confluência de sindicalistas, católicos militantes e militantes de esquerda pusesse de pé o PT no Brasil.

E por muitos anos também este partido foi tomado como a referencia de uma esquerda aggiornada.

Sucede que, ainda que seja impensável a fundação do PT sem levar em consideração o ascenso do proletariado brasileiro no ABC paulista, na década de 70, tampouco se podem compreender as bases programáticas e estratégicas deste partido sem ter em conta algumas ideias predominantes nas “esquerdas” latino-americanas.

No clima de ideias da intelectualidade latino-americana, a apropriação do pensamento de Gramsci começava a deixar para trás as “interpretações radicalizadas” dos anos 70 em uma direção “moderada” que posteriormente desenvolveriam Laclau e Mouffe: substituição do socialismo pela “radicalização da democracia”; substituição da classe trabalhadora como sujeito revolucionário por formas diversas de “sujeitos populares”, transformação do conceito de hegemonia da classe operária em uma conformação de alianças policlassistas com um verniz social-democrata.

Não é casual que os cultores destas ideias tenham encontrado no PT um paradigma de “construção hegemônica” ou “contaminação gramsciana” alternativo à “velha esquerda leninista” e cheio de promessas quanto às possibilidades de gerar uma mudança próxima ao socialismo nos marcos da democracia capitalista.

Um autor argentino radicado no Brasil, Raúl Burgos, tentando demonstrar a presença de temáticas gramscianas nas “esquerdas” aggiornadas da América Latina, assinalava, a propósito do PT:

“O 1º Congresso será um momento importante da discussão coletiva onde se chega a uma síntese significativa sobre a questão do socialismo e sobre o tema da estratégia para conquistá-lo, que continuam vigentes até hoje. As resoluções do Congresso caracterizam o tipo de estratégia adotada como uma estratégia com ‘ênfase na disputa de hegemonia’ (…) e o lugar destacado que este conceito alcançou na definição do PT fica claro nas colocações de duas seções fundamentas das resoluções intituladas ‘O papel central da disputa de hegemonia’ e ‘A disputa de hegemonia hoje’, onde são desenvolvidos os conteúdos desta estratégia.

(…) Assim, sobre as ações no nível do Estado, diz o documento:

A ação de governo que o PT exerce hoje deve ser vista como um elemento decisivo na construção de nossa hegemonia, já que se trata de governar, executar políticas e democratizar o Estado, acionar a participação e o controle popular, conviver e interatuar com outros setores, segmentos e classes sociais, exercer de fato o direito à hegemonia, legitimada nas urnas, ainda que seja por ora em nível municipal.

(…) Em resumo, disputar hegemonia hoje significa construir um enorme movimento social por reformas em nosso país, essencial para viabilizar um caminho alternativo de desenvolvimento, que tenha entre suas principais características a incorporação da cidadania e do trabalho, de milhões de marginalizados e deserdados sociais existentes no Brasil.

Estes elementos são demonstrativos da construção de um tipo de lógica política para a definição da estratégia deste partido centrada no conceito de ‘hegemonia’. Desde sua presença secundária nos documentos de fundação do partido nos anos 79-80, passando pela utilização mais relevante dos conceitos de ‘sociedade civil’ e ‘classes subalternas’ e a adoção dos conceitos de ‘bloco político e social’ e ‘bloco histórico’, etc., entre o 5º e o 7º Encontros, até a apropriação do conceito tal como o expressa a resolução do Primeiro Congresso, a presença dos conceitos gramscianos é uma realidade irrebatível”.

Deixando de lado qualquer interpretação “leninista” da questão da hegemonia (na qual claramente se inspirava Gramsci), o PT passou a propor uma “hegemonia” como forma de lutar pelo socialismo “dentro da democracia”, ou seja, uma hegemonia que não se orientava a fazer a revolução socialista.

Não obstante, a construção supostamente “hegemônica” do PT terminou se transformando, depois de chegar ao poder, segundo Massimo Modonesi, em um “conservadorismo reformista moderado” que enquanto com o Bolsa Família e a criação de 10 milhões de empregos garantia a melhora nas condições de vida de um setor significativo da população brasileira, atuava como um “gendarme espetacular do capital” para garantir os negócios do empresariado, como expressa Ricardo Antunes em entrevista para a revista Ideas de Izquierda.

A integração plena do PT à política burguesa, sintetizada dramaticamente nos casos de corrupção que se ventilam em toda a mídia internacional, poderia se enquadrar perfeitamente em certas temáticas gramscianas, em especial a do transformismo, categoria com a qual o comunista italiano analisava a cooptação pelas classes dominantes dos elementos dirigentes dos setores populares, através da absorção gradual, mas contínua e com métodos de variada eficácia, dos elementos ativos saídos dos grupos aliados e até dos grupos adversários e que pareciam inimigos irreconciliáveis. Neste sentido a direção política se converteu em um aspecto da função de domínio, porque a absorção das elites dos grupos inimigos leva à decapitação destes e sua aniquilação por um período frequentemente muito longo” (Gramsci, Cadernos do Cárcere, Caderno 19, §24).

Talvez por isso, Carlos Nelson Coutinho colocou certa vez: “Quando ingressei no PT, me diziam que eu estava ‘à direita’, sobretudo porque acreditava, como até hoje, que sem democracia não há socialismo. Hoje, dez anos depois, no interior do Partido, estou ‘à esquerda’. E sabe por quê? Porque também continuo convencido de que, sem socialismo, não há democracia”.

Com os anos, na prática do PT não restaria nada de “socialismo” e sim muito de “democracia degradada” que nos legou o neoliberalismo.

De junho de 2013 para cá, o PT se aproximou gradualmente do núcleo da crise de representatividade do regime político burguês. Saindo por demandas sociais e contra a repressão policial, em 2013 o movimento de juventude sacudiu o país e apresentou a possibilidade de ruptura pela esquerda com o petismo. A pesar da passividade da classe trabalhadora em junho (também responsabilidade da burocracia da CUT), o governo não foi capaz de conter a insatisfação crescente, que em 2014 estourou na forma da maior onda de greves operárias em 20 anos, sob o lema “Não tem arrego!” Nas eleições nacionais, o petismo perdeu perdeu grande quantidade de votos nas zonas operárias mais importantes do país para a oposição de direita do PSDB (que, sendo parte da crise de representatividade, tem muita dificuldade em aproveitar-se do desgaste petista, estando envolvido no escândalo da Petrobrás).

Agora o fisiologismo petista está presente nas três crises que atravessam o país: a corrupção na Petrobrás, a queda abrupta de aceitação do governo Dilma (a desaprovação chega a 64,8%, apenas atrás dos 68% de Fernando Collor em 1992), e com a crise na base aliada do PMDB, que gerou na semana passada a primeira queda de um Ministro do governo Dilma, Cid Gomes.

O 15M, a pesar de ter sido claramente canalizado pela direita e sem defender qualquer demanda democrática de Junho, não representa um giro à direita na situação aberta em 2013: só podia surgir em meio a esta situação de grande politização e ativismo social. A insatisfação crescente com o regime agregou a figura de Dilma Rousseff e do PT como alvo do descontentamento popular que atravessa todos os principais partidos do regime político burguês (deixando o PT “golpeado”, não fortalece as posições da direita nacional, tendo em vista que os “expoentes” da direita, Jair Bolsonaro, e Paulinho da Força Sindical, foram vaiados e impedidos de falar, além das grandes personalidades tucanas não terem subido ao palco da jornada).

O movimento operário está em estado de expectativa, saído do “maio operário”. Onde os ajustes petistas incidiram, houve resistência, a pesar de não haver ruptura, nos marcos dos esforços da burguesia e dos partidos tradicionais de pactuar uma “paz social” pelos ajustes.

O caminho à esquerda segue aberto. Há uma importante continuidade com Junho na desconfiança e insatisfação contra a casta corrupta de políticos. Para a esquerda revolucionária, trata-se de convencer os trabalhadores e o povo pobre a não cair nos enganos da direita, nem nas armadilhas de Dilma e do PT. Uma “terceira via” independente do transformismo petista que, diga-se de passagem, em seu trabalho de disputar espaços no estado burguês, fortaleceu Cunhas, Felicianos, Bolsonaros e a direita mais reacionária no Congresso e na política nacional.

Frente ao desastre do PT, para a classe trabalhadora e a esquerda é cada vez mais necessário recuperar a tradição marxista clássica que pensava a luta pela hegemonia da classe operária em uma aliança com todos os setores oprimidos para lutar por um governo dos trabalhadores e o socialismo. Cada luta, como a greve dos professores de São Paulo, deve ser apoiada e cercada de solidariedade, pois elas recolocam a questão do “sujeito” operário como obstáculo à “unidade nacional” da burguesia, do PT e da oposição de direita, em favor dos cortes e ajustes. É parte fundamental de lutar por outra tradição de esquerda na América Latina.

 
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