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DOSSIÊ DIA DOS PROFESSORES
Trabalho precário e a luta das professoras dentro e fora das escolas
Ana Carolina Fulfaro
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Feminização e precarização do trabalho docente

Não é possível pensar sobre o dia dos professores sem ter em vista que enquanto uma categoria majoritariamente feminina (1), se trata de uma das profissões em que a realidade da precarização do trabalho feminino aparece de forma bastante representativa, junto com constantes ataques à educação como um todo.

O movimento da precarização e desvalorização da educação escolar se completam tendo a opressão de gênero como eixo articulador fundamental. Por um lado são os salários baixos, condições de trabalho que se tornam piores a cada dia e trabalho não pago realizado fora da escola, por outro, a manutenção da representação social machista que ainda hoje mantém a ideia de que tarefas relacionadas à educação, ao cuidado e à limpeza são responsabilidades e qualidades femininas, e que por isso seriam realizadas pelas mulheres como um dom quase que natural. Isso ocorre sobretudo no ensino básico e nos anos iniciais em que ainda é forte aquela ideia da “tia” ou da professora que trabalha e cuida por amor, como se para exercer a profissão tivessem que acionar esse suposto instinto materno natural às mulheres.

O próprio processo de feminização do trabalho docente se dá junto ao processo de desvalorização do mesmo. Claro que isso não ocorre de forma homogênea em todos os níveis de ensino, já que existem desde professores de educação infantil, cursos técnicos e profissionalizantes, ensino superior, e etc. Mas, não a toa, quanto mais precária são as condições de trabalho, mais “feminizada” a categoria é, vide a enorme discrepância entre salários e condições de trabalho entre professores de educação infantil e professores de ensino superior, por exemplo (2).

A representação social do feminino também contribui para a desvalorização do trabalho pela via da responsabilização das mulheres pelo trabalho doméstico e na consequente sobrecarga de trabalho. Se para qualquer professor é comum a existência do trabalho a ser feito em casa, como preparação de aulas, correções de atividades, e etc (trabalho que não é pago), para as mulheres isso se intensifica ainda com as tarefas necessárias para a garantia da sobrevivência, como a preparação de alimentos, limpeza da casa, cuidado com os filhos e idosos. Outro trabalho realizado de graça e também desvalorizado, pois é colocado como obrigação feminina, intensificando ainda mais as duplas e até triplas jornadas de trabalho.

A forma como a precarização do trabalho docente opera está, portanto, indissociavelmente ligada com a desvalorização do trabalho feminino e a manutenção de estereótipos e papéis construídos socialmente como femininos. Dessa maneira, pautas e reivindicações de luta dos professores devem necessariamente enfrentar as opressões que recaem sobre as mulheres.

Conjuntura de ataques à educação

Num claro e objetivo processo de precarização da educação estão colocadas uma série de políticas recentes. Não é possível e nem é o objetivo deste texto aprofundar nas consequências das mesmas, mas é fato que algumas delas como a reforma trabalhista, terceirização irrestrita e corte de verbas nos serviços sociais são algumas das que já afetam a realidade de sucateamento e exploração vivida no cotidiano escolar, e que dentro e fora da escola afetam diretamente a vida das mulheres trabalhadoras.

Nas escolas estaduais paulistas o trabalho docente já possui a característica de ser um trabalho intermitente, instável e flexível, além de precário. Sobretudo os professores “categoria O”, com os contratos temporários, sem direito a férias e plano de saúde, passam por situações de vulnerabilidade muito grande. Os “categoria O” são exemplos de uma precarização extrema, mas isso não significa que os categoria F e efetivos estejam em uma situação muito mais vantajosa, tendo em vista que o sucateamento do ensino público avança a passos largos.

A reforma trabalhista e a terceirização irrestrita elevam essa realidade já vivida para níveis absurdos tanto do ponto de vista das condições de trabalho, mas também da qualidade de ensino para a juventude, já que a falta de vínculo e continuidade do trabalho interfere diretamente no trabalho pedagógico. Porém, não é o que pensam os defensores dessas políticas que são criativos em mascarar a exploração enquanto suposta inovação, exemplo disso é a proposta discutida este ano na cidade de Ribeirão Preto de criação do “Uber do professor” através da criação de um aplicativo para chamar professores para trabalhar com até uma hora de antecedência, ou a contratação pelos preços mais baixos através de “leilão” de professores que ocorreu em uma cidade de Santa Catarina.

Se analisarmos o ambiente escolar, porém, a precarização não está restrita aos professores e nem apenas aos que trabalham com contratos temporários, essa situação tende a se generalizar cada vez mais entre todos os trabalhadores, mas serviços como de limpeza e merenda já eram terceirizados dentro das escolas. Esses serviços realizados por mulheres, em sua grande parte mulheres negras, significam salários baixos e atrasos nos pagamentos, alta rotatividade e direitos reduzidos na vida de trabalhadoras que exercem atividades vitais ao andamento do cotidiano escolar.

A educação também se faz nas ruas

Mesmo com todo esse cenário, é inegável que a resistência e combate às políticas de desvalorização e sucateamento também é característica da categoria de professores. Nos últimos anos são vários os exemplos de enfrentamento à reformas retrógradas para o ensino básico, tanto no estado de São Paulo quanto em outros estados do país. O próprio 8 de março deste ano, que foi marcado por uma paralisação internacional de mulheres trabalhadoras, foi parte da mobilização dos professores de São Paulo que também paralisaram, unificando as pautas salariais específicas com a luta das mulheres. No momento presente os professores do Rio Grande do Sul estão em greve pela segunda vez neste ano contra o parcelamento de salários, atrasos, demissão de professores, enfrentando uma dura batalha contra os ataques implementados pelo governo do estado e também contra o governo Temer.

De forma mais ampla, essa conjuntura faz parte de um processo em que as mulheres vem ocupando espaços, e que pautas feministas vem tendo maior visibilidade, mas mesmo assim, muitas contradições se mantém. Esta realidade, mesmo que com aparência contraditória, na verdade faz parte de uma dinâmica social levada a frente pelos governos de, frente às pressões por mudanças, conseguir dar nova cara às velhas opressões.

Por exemplo, ao passo que demandas históricas do movimento feminista vão sendo mais evidenciadas na sociedade, segue a quase inexistência de formação docente voltada para os debates acerca das opressões, o que seria fundamental tendo em vista a característica da categoria e o papel social que possui. É absurdo que não haja uma formação docente com vistas à formação sobre as violências e opressões que grande parte da população sofre, e mostra que o próprio Estado e suas instituições de ensino são coniventes com essas violências. E nesse momento, isso se intensifica ainda mais com o movimento Escola Sem Partido, que busca assediar professores e impedir que possam existir livres discussões nas escolas, enfatizando a proibição do que seus defensores chamam de “ideologia de gênero”, que seriam as discussões que tratam sobre a realidade social enfrentada por mulheres e lgbts.

Esses ataques contra os direitos das mulheres, ao conjunto dos trabalhadores e à educação são parte da reflexão sobre o papel dos professores nesse 15 de outubro. As homenagens, felicitações e boas lembranças devem evidenciar a força com que a maioria da categoria enfrenta a dura realidade cotidiana nas escolas, mas para além disso, lembremos das professoras e professores que lutaram e lutam também neste momento, ensinando nas ruas como é possível enfrentar as opressões e os duros ataques que os governos querem impor, assim como fazem as guerreiras do Rio Grande do Sul.

(1) Segundo dados divulgados pelo MEC em 2010, as mulheres são cerca de 80% do total de professores do ensino básico. No ensino infantil constituem mais de 95%. Já no ensino superior, no ano de 2012, as mulheres eram 45% do total de docentes no ensino superior, de acordo com dados retirados do Censo da Educação Superior/Inep.

(2) No estado de São Paulo, um professor estável de uma universidade pública estadual recebe em média 8 vezes mais do que uma professora de ensino infantil da rede estadual de ensino, isso para não falar dos escândalos dos supersalários que excedem o teto federal de muitos professores das universidades estaduais paulistas, e da variação salarial das professoras que nem sempre conseguem completar a carga horária e trabalham com contratos temporários.

 
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