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DOSSIÊ DIA DOS PROFESSORES
Racismo - As crianças enxergam as diferenças. E você professor?
Vanessa Oliveira
Professora do ABC
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A escola como segundo lócus socializador na vida de milhões de crianças brasileiras, tem um papel fundamental na vida dessas, e desde muito cedo esses alunos vivenciam experiências que podem ser, ou não, positivas para o desenvolvimento de sua vida escolar.

Em 2016 fiz uma pesquisa em algumas escolas de Santo André para verificar se os professores da Educação Infantil sabiam lidar com situações de racismo em sala de aula, e se os alunos enxergavam essas diferenças.

Diante de tantos casos de racismo no mundo infantil, essa pesquisa tinha como intuito verificar qual o sentido que os professores e alunos atribuíam as relações raciais no cotidiano escolar.

Sabemos que essa temática no Brasil, é cheia de tabus e que as pessoas na maioria das vezes preferem o silêncio, ou atribuem apenas ao negro o problema do racismo, não o enxergando como um problema estrutural da sociedade brasileira.

Neste artigo, a reflexão será a luz do olhar infantil e como o racismo atua desde muito cedo na vida dos alunos, criando estereótipos que contribuem para a naturalização do racismo brasileiro. E porque é importante que os professores tenham uma prática docente que contribuía positivamente para as relações sociais estabelecidas na escola desde a educação infantil.

Será que as crianças já na educação infantil percebem as diferenças?
Sabemos que a criança ao ingressar na educação infantil já possui conhecimentos, vivências, hábitos e valores que foram ensinados na família. E a escola por sua vez, deve acolher esses conhecimentos prévios, a fim de potencializá-los em prol de um desenvolvimento infantil saudável. Desde muito cedo, a criança desenvolve a capacidade de enxergar as diferenças, em objetos, paisagens e principalmente entre pessoas. A relação de como a criança age frente às diferenças depende, nesse sentido, das mediações feitas pela família e pela escola.

Quando não é dada a devida importância às diferenças, tanto na escola, como na família, as crianças buscam referências na sociedade. Nesta, por sua vez, alguns estereótipos são predominantes e criam imagens positivas ou negativas. A positiva sempre apresenta a criança ideal como branca, com cabelo liso, loiro e olhos claros, em diversos meios midiáticos vemos constantemente esse padrão dominante de beleza, e seu apreço pela sociedade. A negativa por sua vez, sempre está relacionada à pobreza, e em sua maioria apresenta-se uma criança negra, em condições miseráveis demonstrando sua fragilidade e sua inferioridade.

A criança ao entrar na escola busca referências, e muitas vezes os brinquedos, desenhos, cartazes e até mesmo as pessoas que estão presentes no ambiente escolar seguem o padrão hegemônico branco, e a falta de representatividade negra cria sérios conflitos na formação identitária da criança negra.

Uma das poucas escolas que aceitou o convide para participar do estudo, já permitiu evidenciar como o racismo é estrutural no Brasil, e muito presente na vida das crianças.

No primeiro dia uma professora do Infantil II Ciclo Final, selecionou quatro crianças dois meninos e duas meninas com idades de 5 e 6 anos. Para participarem da sondagem, foi apresentada a FIGURA 1 e solicitado que apontassem a sua preferência. Os nomes dos alunos aqui citados são fictícios para preservação das identidades.

Três crianças apontaram a modelo 3 como preferida e apontam a 6 como não preferida. Apenas uma criança alegou que todas eram “normais”.

Ao perguntar com quem se parecem, Maria, 5 anos, branca, aponta a modelo loira e diz ser ela, e aponta a modelo negra e diz: “Essa parece com você, Paula”.

Paula, 5 anos negra, responde o seguinte: “Preto é feio! Eu sou molena”.
E Maria insiste dizendo que são iguais.

Paula então, fala um pouco mais alto: “Meu cabelo é enrolado, sou molena, ela é preta!”

A aluna negra deixa explícito que desde pequena tenta mudar sua cor e tipo de cabelo, como se isso fosse algo que não lhe pertencesse, ela não se enxerga como negra, pois atribui ao “preto” algo ruim e feio, essa negação acontece desde muito cedo na vida das crianças.

Na situação em que os perfis sociais são apresentados conforme FIGURA 2, é solicitado que em comum acordo selecionem os rostos correspondentes. As quatro crianças organizam da seguinte forma:

O rosto do homem negro nos perfis: bandido, jogador de futebol e feirante.
O rosto do homem/mulher branco (a) nos perfis: médico, policial, advogado e professora.

Ao ser questionado quanto às escolhas, um menino Eduardo, 5 anos diz: Combina mais!”

Ao terminar a sondagem, é evidente como as crianças já são capazes de perceber os estereótipos estabelecidos socialmente, e as condições de privilégio do branco em detrimento dos negros, atribuem a ele as melhores profissões, alegando combinar mais.

Sabemos que numa sociedade capitalista que tem como cerne a relação de dominação e exploração, certamente esta relação está presente na escola, e como vimos desde cedo as crianças já conseguem enxergar as diferenças e o “papel” de cada um na sociedade.

E qual o papel do professor diante de tudo isso?

Nos últimos tempos uma série de ataques tem sido proferidos ao ato de educar, colocando o papel do professor e sua prática docente como algo que não deve ser levado em consideração, ao ponto de mencionar que professor deve ser “neutro”, como o Projeto da Escola Sem Partido tem tentado implementar na sociedade brasileira.

Os dados acima, nos mostram o quanto o professor não deve ser neutro, e sim agente social que propicie aos seus alunos um olhar crítico desde muito cedo.

Nós professores devemos refletir e ter uma prática pedagógica que descontruía esses estereótipos presentes na sociedade brasileira que favorecem apenas um lado da moeda, pois os alunos desde cedo já sentem na pele os males do racismo e até tentam se negar numa tentativa de “ameniza-lo”.

Lutar contra o racismo faz parte de refletir e pensar uma educação emancipadora que acima de tudo transforme a sociedade vivida.

Cabe a nós professores e pedagogos não nos calarmos diante de tantos ataques, pois não precisamos doutrinar os alunos, eles mesmos desde a infância conseguem enxergar claramente as desigualdades do sistema capitalista.

 
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