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100 ANOS DA REVOLUÇÃO RUSSA
A vida dos negros no Rio de Janeiro racista e a Revolução Russa
Carolina Cacau
Professora da Rede Estadual no RJ e do Nossa Classe
Isa Santos
Assistente social e residente no Hospital Universitário Pedro Ernesto/UERJ

Nos dias 28,29 e 30 de Julho a Juventude Faísca - Anticapitalista e Revolucionária e do Grupo de Mulheres Pão e Rosas vão realizar o Acampamento de Inverno com o tema "100 anos da Revolução Russa e o Comunismo hoje", no Rio de Janeiro. Neste mesmo momento a violência no Rio tornou-se mais uma vez uma crise nacional, a vida dos negros e negras é banalizada pelo Estado, e a cada 10 pessoas que morrem pelas mãos da polícia no Rio de Janeiro, 9 são negras e pardas. Como parte dos estudos para o acampamento, escrevemos este texto para mostrar a necessidade de resgatar as lições históricas da grande Revolução Russa de 1917 e também as ideias do marxismo revolucionário, para fortalecer a luta dos negros e negras contra o racismo e a exploração.

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O dia em que o morro descer e não for carnaval
ninguém vai ficar pra assistir o desfile final
na entrada rajada de fogos pra quem nunca viu
vai ser de escopeta, metralha, granada e fuzil
(é a guerra civil)

O dia em que o morro descer e não for carnaval. Wilson das Neves

O Rio de Janeiro tem cerca de 800 favelas, mais de 1 milhão de pessoas sem moradia digna. A educação pública segue um rumo de profunda precarização e milhares de crianças perdem aulas toda semana por conta da violência. Não há saúde decente. Quantos conhecidos nossos esperam dias para serem atendidos nos corredores, e quando conseguem ser atendidos, não há condições decentes para tratamento? O transporte nas mãos da máfia e dos políticos é um dos mais caros do mundo, gastamos horas do nosso dia indo e vindo como sardinhas. Viver no Rio não é fácil.

Se não bastassem as condições indignas de vida que a burguesia e o Estado sempre nos impuseram, a crise atual, a falência do estado do Rio de Janeiro, está deixando tudo pior. E por que? Porque a burguesia está fazendo no Rio o que sempre faz: descarregar a crise nas costas dos trabalhadores e do povo pobre. E o Estado, no Rio, faz isso à sua própria maneira, concentrando nas balas “achadas” da polícia, nos assassinatos e torturas aos negros, moradores das favelas e da baixada, o ódio que a burguesia carioca tem do povo negro. Mas esse ódio não se expressa somente na violência. Se faz sentir também na cultura, com a proibição dos bailes funks, com as novas tentativas de Crivella de proibir rodas de samba, tirar dinheiro das escolas de samba, no descaso com museus e rotas históricas da cultura negra, além das perseguições às religiões de matriz africana.

O ódio ao povo negro concentrado em tudo o que a Polícia faz têm história. É parte do ódio que a elite escravista tinha de toda a forma de resistência e revolta dos escravos. E isso a burguesia carioca conhece muito bem. A elite carioca, aquela que se gaba de viver na Barra, Recreio e na Zona Sul, é herdeira direta do tráfico negreiro. Afinal, o porto do Rio de Janeiro foi o que mais recebeu africanos escravizados em toda as Américas. Essa presença negra na cidade mexe com os nervos racistas da burguesia carioca. A busca por manter o “negro em seu lugar”, o lugar que eles querem para os negros, de submissão, de repressão à toda e qualquer manifestação de humanidade, tem uma história longa e vários exemplos. Um deles é a criação da polícia no Rio, que tinha como objetivo caçar os escravos que fugiam, e que depois passou a ganhar um “bônus” para aqueles que matavam mais negros. A cartilha da polícia tem como alvo principal o povo negro. Ser negro é estar na mira na polícia. Essa é uma parte do que a burguesia teve, e tem, a oferecer à classe trabalhadora e o povo pobre e negro. Viver no Rio é difícil, mas há resistência.

É difícil porque a burguesia sabe o poder de resistência do povo negro e da classe trabalhadora. Talvez não conheça os incontáveis exemplos, não só do Rio, não só do Brasil, mas de todas as Américas e de todo o mundo onde a classe operária se coloca em movimento – mas seu instinto de classe não falha.

Os negros escravizados sabiam do que se passava do outro lado do Atlântico. Encontraram diversas maneiras de se conectar aos eventos de um mundo em profunda transformação. A revolução francesa, por exemplo, deu um impulso à uma série de revoltas na colônia, e em São domingos foi o impulso para a revolução vitoriosa dos haitianos, que em busca de sua liberdade foram obrigados a enfrentar o maior exército da Europa, aquele que estava varrendo o feudalismo do mapa. E venceram. A derrota de Napoleão não começou na Europa, mas no Haiti.

A inspiração para lidar de maneira consequente com essa miséria que a burguesia quer nos impor, podemos buscar em todos os processos de luta de classes mais intensos, mas, em especial, naquele que é um exemplo para a libertação da humanidade da opressão do capital: a Revolução Russa.

Pelo nível da presença de capital internacional e imperialista, a classe operária na Rússia se desenvolveu rapidamente e de maneira concentrada. Em 1914 teve início a I Guerra Mundial, que impôs enorme sofrimento ao conjunto da população. Tudo o que o povo russo queria era paz, pão e terra. Paz para que a população não morresse mais nos fronts de batalha em uma guerra que não era sua; Pão para poder ter alimentação digna e Terra para que os camponeses pudessem plantar e levar uma vida digna, sem a opressão dos latifundiários.

Para conquistar isso foi necessário derrubar o governo burguês. Primeiro na revolução de fevereiro, onde a classe trabalhadora e os camponeses derrubaram o Czar (espécie de Imperador da Rússia) e organizaram os soviets, mas o poder passou para a mão de partidos de conciliação de classes. Os soviets, ou Conselhos, eram organismos de massas de auto-organização da classe trabalhadora, do campesinato e de soldados. Tudo era decidido nas bases, com delegados eleitos e revogáveis! Após intensos meses nos quais os partidos de conciliação de classes deixavam claro que não iriam sair da guerra e atender as reivindicações da classe trabalhadora e do povo, em outubro, os soviets, sob a direção do partido bolchevique, tomaram o poder.

O que aconteceu depois é uma lição do quão profundas podem ser as transformações políticas, sociais e econômicas com a classe trabalhadora, junto com o povo, no poder. Mesmo sob o ataque de diversos exércitos europeus, o Estado operário conseguiu se manter e derrotar os exércitos invasores. A União Soviética passou por profundas transformações em todos os âmbitos da vida. No caso das mulheres, foi garantido o direito ao divórcio, assim como plena igualdade legal em relação aos homens e foi o primeiro país a legalizar o aborto, a homossexualidade e a prostituição deixaram de ser considerados crime. Foi garantida também a liberdade de expressão religiosa, assim como o direito à autodeterminação dos povos oprimidos pelo czarismo entre diversos outros exemplos. O avanço da burocracia stalinista acabou por abolir diversas conquistas da revolução.

À primeira vista, pode parecer que há pouca coisa em comum entre a Rússia de 1917 e o Rio de hoje. Entre vários pontos de contato, entre os quais o mais importante é o fato de que as mesmas classes sociais que estavam em movimento na Rússia existem na realidade mundial ainda hoje e, claro, no Rio, o método de fazer com que os trabalhadores e o povo pobre paguem os custos das crises que a própria burguesia criou continua o mesmo. A Revolução Russa mostrou um caminho. As massas russas tomaram o destino em suas mãos e perceberam que para acabar com a opressão a que estavam submetidas era necessário tomar o poder em suas mãos. Adquiriram essa firmeza no próprio processo da luta de classes. Com o poder em mãos, foi possível começar a transformar a sociedade.

Os exemplos do que a URSS realizou, mesmo sob o ataque de exércitos imperialistas e com um cerco capitalista à sua volta, mostram que é possível uma cidade onde a juventude possa ir e vir, numa boa, onde as crianças e os idosos tenham a atenção que merecem, onde as religiões de matriz africana possam professar sua fé sem receio de serem abordadas pela polícia, onde não há mais “bala perdida”. Porque viver no Rio que a burguesia quer pra gente é difícil.

A única maneira de garantir que o povo negro, a classe trabalhadora, e o conjunto do povo pobre decidam sobre os rumos de suas vidas e organizem a cidade de acordo com seus interesses é através de uma luta ferrenha e decidida contra seus inimigos: a burguesia e seus agentes. Na Rússia, a classe trabalhadora e os camponeses tomaram o poder político das mãos daqueles que queria que eles continuassem a morrer no front da guerra, que queriam que morressem de fome e não tivessem direito a seu lote de terra.

Junho de 2013 mostrou a indignação da juventude e do povo pobre do rio de janeiro, e chacoalhou a ordem. A classe trabalhadora brasileira, e a carioca, têm inúmeros exemplos de luta que também mostram o caminho a ser seguido. Foi aqui que aconteceu importante resistência ao golpe militar de 1964 pelas mãos dos marinheiros; décadas depois foi o palco da greve dos garis de 2014, que mostrou como a cidade do espetáculo se sustenta na exploração e opressão. Temos que aprofundar esses exemplos, e tantos outros, e tomar o poder da burguesia que quer nós nos acostumemos com os assassinatos da polícia, com a miséria que os empregos terceirizados nos impõe, com a falta de moradia e condições dignas de vida nas favelas e baixadas, com a prisão de nossos irmãos (Liberdade imediata a Rafael Braga!). O Rio é uma cidade profundamente racista. Racismo que é fruto da expansão do capitalismo e que não acabou com a escravidão, ao contrário, se mantém como parte fundamental da opressão da burguesia. Racismo que oprime barbaramente o povo negro, mas também atua para aumentar a exploração do conjunto da classe trabalhadora.

Queremos tomar o Rio em nossas mãos. Que a luta aqui sirva como parte da luta pela libertação de nosso país dessa burguesia parasita, racista, misógina. Que a revolução no Brasil seja uma trincheira e exemplo para a classe operária e os oprimidos do mundo todo. Queremos tomar o céu de assalto. E quem, se não as negras e o negros, estará à frente de tudo isso?

 
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