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TEATRO
Teatro União e Olho Vivo: 50 (e um) anos de teatro popular e muita luta
Fernando Pardal

Fundado em 1966, o Teatro União e Olho Vivo (TUOV) é um marco de resistência. Sua trajetória passa pelo enfrentamento à ditadura, pelo resgate da história dos que lutaram e viveram pela libertação do povo, pela luta na rua, na periferia, nas fábricas: onde quer que a resistência e a existência popular estivessem presentes. A sua história faz parte do patrimônio cultural de quem luta, hoje e sempre, contra a corrente das ideias dominantes e dominadas.

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César Vieira, nome artístico de Idibal Pivetta, é o dramaturgo, diretor, lutador que animou e insuflou de vida o TUOV ao longo de 51 anos. Ele, ao lado de Neriney Moreira, ator do TUOV que ao lado de César permanece no grupo há 50 anos, é a marca viva e ativa de uma história de resistência, que é parte e patrimônio da tradição do teatro de esquerda, de resistência no Brasil, na América Latina e no mundo.

Encerrou-se recentemente a comemoração pelos 50 anos do TUOV, que trouxe um pouco dessa trajetória no espaço do coletivo, no Bom Retiro paulistano. Em 1966, essa história começou no teatro do XI de Agosto, o Centro Acadêmico da Faculdade de Direito da USP. Lá, o estudante Idibal Pivetta começou a encenar com o Teatro do XI a peça “O Evangelho Segundo Zebedeu”. Estava formado o embrião do TUOV, que dali sairia para ganhar vida e trajetória próprias. O programa de sua primeira montagem assim falava da peça:

“O importante é que se busca em Zebedeu, encontrar uma fórmula de teatro de painel essencialmente nacional (Circo Brasileiro – Canudos) e um drama épico com características nossas, próprias, sem se ater ao regional, procurando dar uma visão universal do tema...

O espetáculo se desenrola em dois planos: um que aborda o drama dos artistas de circo, o conflito de uma comunidade circense, extravasando, é óbvio, para qualquer outro campo, na dependência de quem recebe o texto e como recebe o texto... O outro plano é o que aborda o drama representado pelos artistas do circo, ou seja, Vida, Paixão e Morte de Antônio Conselheiro.”

Já em 1968, após o texto amargar cortes e a restrição etária para maiores de 18 anos antes de ser liberado pela censura, uma leitura dramática de Zebedeu sofre um atentado no Teatro de Arena da Guanabara, no Largo da Carioca no Rio de Janeiro. Em meio à leitura, tiros e pedras no telhado do teatro são disparados. A leitura, mesmo assim, prosseguiu, quase na escuridão e com todos deitados no chão. Em 1970, estreia no Circo Irmãos Tibério, no parque do Ibirapuera.

O Evangelho Segundo Zebedeu, elenco TESB, 1970.

O nome de César Vieira veio para tentar driblar a censura, pois Idibal Pivetta já estava “marcado” como o advogado que defendia presos políticos e perseguidos pela ditadura. Assim, Pivetta e Vieira, em um só homem, seguem a luta e a resistência à ditadura em duas frentes: no teatro popular e na defesa jurídica.

As décadas seguintes trouxeram nas montagens do TUOV a história de resistência de outros que vieram antes. Assim foi com sua peça “João Candido do Brasil”, que apresenta sua versão da revolta da chibata liderada por João Candido ou sua “Morte aos brancos. A Lenda de Sepé-Tiarajú”.

Nos relatos de seus 50 anos, a força e a vitalidade do TUOV se mostravam de uma forma comovente na maneira como as novas gerações do teatro de grupo e de esquerda tomavam sua profunda influência para seguir com suas próprias pernas o caminho da luta por meio do teatro.

Dentre as apresentações, grupos fundamentais do teatro de grupo paulistano convidados para fazer parte da rememoração dessa história fizeram leituras dramáticas das peças. A Companhia do Latão apresentou “O Evangelho Segundo Zebedeu”; Luís Mármora ficou a cargo de Uma Estória de Adonirans, revivendo o texto de “Adonirans Futebó Crubi – Uma História de Adonirans”; à Companhia Antropofágica coube apresentar sua leitura, um encontro antropofágico com o texto inédito de Vieira (tolhido pela censura) “Transplante”; A Cia. São Jorge de Variedades trouxe o texto de “João Cândido do Brasil – A Revolta da Chibata”; e a Companhia do Feijão apresentou sua versão sintetizada de “Rei Momo”.

Companhia do Latão

Barbosinha futebó crubi - uma história de Adonirans Nos 50 anos do Teatro União e Olho Vivo!

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Barbosinha Futebó Crubi

Cia. Antropofágica

São Jorge

Cia. Do feijão nos 50 anos do TUOV.

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Companhia do Feijão

Aos mais velhos, que há décadas acompanham e participam da história do TUOV de diversas formas, foram reservadas duas mesas de relatos, onde puderam falar sobre o grupo e sua fundamental importância.

O primeiro dia ainda se encerrou com a apresentação do Samba do Bule, nascido há dez anos e parte da história do TUOV.

Samba do Bule nos 50 anos do Teatro União e Olho Vivo

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Samba do Bule

Neriney Moreira e o bule

Mas o ponto alto definitivamente ficou com as duas companhias que não foram encarregadas de dar vida a algum texto do TUOV, mas sim que já haviam feito peças próprias a partir desses textos. A primeira delas foi a Cambada de Teatro em Ação Direta Levanta Favela, que, vinda especialmente de Porto Alegre para a comemoração dos 50 anos do TUOV, apresentou sua peça de teatro de rua “Sepé: Guarani Kuery Mbaraeté!”, uma livre adaptação de “A Lenda de Sepé Tiarajú”.

Mesmo com o frio e o vento gelado que tomava conta do espaço aberto no terreno do TUOV na tarde de domingo, a apresentação do grupo contou com um grande público que ouviu, como diz o grupo”(...) o que os livros de história não contam, ao contrário do que conta a história oficial da derrota dos indígenas guarani na batalha de Caiboaté em São Gabriel, a história contada pelos indígenas de hoje mostra um povo forte e valente que continua resistindo culturalmente e que cresce cada vez mais.”

A montagem da peça parte de um processo de pesquisa da Cambada sobre a dramaturgia do TUOV que já contou com adaptações de “Corinthians, Meu Amor”, “Rei Momo” e “A Revolta da Chibata”. O grupo chega à necessidade de contar a história de Sepé a partir da discussão sobre a situação dos povos indígenas no Brasil. Como dizem no programa: “Ainda no ano de 2013, com a crescente ameaça de perda de territórios indígenas, surge a necessidade de realizar uma montagem para teatro de rua que pudesse compartilhar com o público outra visão de mundo, apoiada na reexistência e resiliência do povo indígena”. O resultado é impressionante.

Cambada Teatral Levanta Favela

E, encerrando o evento, foi a vez da Brava Companhia, trazendo a sua própria versão de “Corinthians, Meu Amor”. Muito mais do que simplesmente adaptar o texto ou lhe dar uma roupagem “atual”, a Brava recriou completamente a peça original, colocando o tema do futebol como o ponto de partida para uma profunda discussão sobre a luta de classes em diferentes níveis, incluindo o papel da polícia e a forma como o “pão e circo” do futebol é usado pela classe dominante para apaziguar conflitos sociais e também para criar divisões no interior da classe trabalhadora, jogando corinthianos contra palmeirenses e são paulinos enquanto o chicote da exploração continua estalando no lombo dos trabalhadores.

Com o maior público do evento, a peça da Brava começou com churrasco, cerveja, cachaça e tubaína para o público, e terminou com a encenação da luta de classes em uma alegoria da partida de futebol, propondo ao público reflexões ainda mais profundas do que as que vinham no texto original do TUOV, escrito originalmente como um roteiro para cinema.

Brava Companhia

A herança e a tradição do TUOV seguem vivos e atuantes em cada grupo que desafie a hegemonia de um teatro que segue sendo, como a cultura e a arte em geral, um privilégio das classes dominantes. Na tradição do teatro de grupo de São Paulo, nos teatros de rua e na luta de tantos grupos que, contra todas as dificuldades, se mantém na resistência ao lado dos explorados e oprimidos desse mundo. Fazem hoje o que o TUOV há 50 anos faz, como exemplo e inspiração.

“Sou que nem soca de cana
Me cortem
que eu nasço sempre”

Longa vida ao TUOV!

 
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