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Dear White People e o racismo institucional dentro das universidades
Gabriela Farrabrás
São Paulo | @gabriela_eagle

[CONTÉM SPOILERS]

Dear White People é uma boa série sobre o racismo institucional nas universidades.

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Dear White People se passa na universidade de Winchester onde estudantes negros tem que enfrentar o racismo dentro de um ambiente elitista e majoritariamente branco. O racismo aparece primeiramente de maneira muito sutil, e até mesmo velada, onde é preciso que os negros apontem que sim, se trata de racismo.

Personagens

Um diferencial positivo da série é colocar diversos negros e as diversas maneiras de cada um encarar o racismo, mostrando que não há um estereótipo de negro, como sempre é representado personagens negros dentro da indústria cultural. Através dos diferentes personagens negros é retratada uma pluralidade do ser negro.

E essa pluralidade aparecerá em cada episódio que desenvolve a história girando cada vez em torno de um dos personagens, trazendo assim diferentes perspectivas, apesar do mesmo narrador.

Sam é uma das principais militantes da questão racial dentro da universidade, através do seu programa na rádio universitária – que dá título a série -, Dear White People ela aparece no início da série se enfrentando contra uma festa organizada pela revista do campus, A Pastiche, em que a fantasia devia ser “negro”.

Sam parece sofrer em sua militância pressões populistas e afrocentristas com as quais ela vai tendo que se enfrentar ao longo da série, em parte por conta do seu relacionamento com um cara branco, e também por essa estratégia não dar respostas até o final para a questão racial.

Reggie é ao lado de Sam um dos militantes mais engajados, forte, sempre se apresentando como um lutador, julgando os negros que estavam acordados ou não para a questão racial. Mas que ao sofrer racismo de uma das maneiras mais brutais, por parte da polícia, dentro da universidade, com uma arma apontada para o rosto desmonta e não consegue se colocar publicamente, não por ser fraco, mas por ser doloroso sentir na pele que sua vida pode acabar apenas por ser negro em uma sociedade racista. Reggie vai encontrar na arte, na poesia, uma maneira de expressar sua dor.

Lionel é um jovem muito tímido, no início pouco consegue se colocar como sujeito, escreve para o jornal universitário. Ao longo da série Lionel vai se colocando, se assume como gay, encara de frente que não há como ser um jornalista neutro, há um lado para se colocar, e esse lado é o dos negros contra o racismo institucional da universidade que vem de cima, dos poderosos, que aqui são os investidores da universidade.

Coco aparece inicialmente como uma mulher fútil, mas ela é uma pessoa contraditória, fruto de uma sociedade que repetiu tantas vezes a ela que por trás de um grande homem sempre há uma grande mulher, que ela acreditou nisso; seu desejo na vida é ser a segunda primeira dama negra dos Estados Unidos. Mas, apesar, de Coco não se colocar como uma militante da questão racial, descobrimos que ela também tem que lidar com o racismo, quando não consegue assumir seu cabelo natural, quando é rejeitada como companheira pelos caras brancos, e quando diz – o que talvez seja uma das frases mais importantes da série – “Não importa se você está acordado ou não se você estiver morto” ao se referir ao julgamento que Sam e Reggie faziam de negros que estavam acordados ou não para a questão racial.

Troy é filho do reitor da universidade, negro, foi criado para ser alguém importante, como o seu pai, vivendo sempre na sombra deste. Mas Troy quer enfrentar a questão racial e é levado a acreditar que pode fazer isso por dentro da instituição – pois seu pai é reitor mesmo sendo negro, Obama foi presidente mesmo sendo negro, e outros tantos exemplos cooptados pelo sistema para fazer acreditar que os negros podem ter espaço dentro da atual sociedade. Mas Troy verá que não há nada por dentro das instituições que pode ser feito para acabar com o racismo.

Ser negro nas universidades elitistas

Aqui ou nos Estados Unidos as universidades são elitistas e majoritariamente brancas, pois as universidades não querem negros e pobres doutores, para esses só o trabalho de peão está destinado.

Por isso, mesmo que a série se passe nos Estados Unidos onde o sistema universitário é diferente do sistema brasileiro, é fácil que os negros que conseguiram passar o filtro racista e estão nas universidades públicas ou privadas brasileiras se identifiquem com a série, se vejam representados.

O poder da mídia

Sam tem um programa de rádio, Lionel é jornalista; os dois encontram nessas mídias uma maneira de driblar a mídia burguesa onde os negros não têm voz, denunciando o racismo que existe dentro da universidade.

Esse é um acerto da série, pois em uma sociedade em que a mídia tem o poder de conduzir a continuidade do capitalismo cooptando setores com poder revolucionário como fez na década de 60, como faz hoje junto a sua irmã, a indústria cultural – inclusive através da própria netflix – tentando cooptar o movimento negro que tem se levantado como o movimento black lives matter, e o movimento feminista que também tem se levantando.

Se a mídia tem esse poder, na mão desses setores que tentam cooptar, na mão da classe trabalhadora, ela possui um poder ainda maior. Na mão de Sam, seu programa de rádio denuncia o racismo, na mão de Lionel seus artigos jornalísticos desmancham o real interesse de investidores racistas. Assim como podemos publicar esse texto aqui, no Esquerda Diário, uma mídia da classe trabalhadora para a classe trabalhadora.

A polícia racista

O ápice e viragem da série se dá no capitulo cinco que escancara o caráter racista da polícia até mesmo dentro da universidade. Uma discussão entre Reggie, um rapaz negro, e um rapaz branco se inicia no meio de uma festa, os ânimos se esquentam, a polícia é chamada, por um outro rapaz branco, que por mais simpático que seja a questão racial não sabe do caráter racista da polícia. O policial aparta a briga e pede a carteirinha da universidade apenas para Reggie, para o rapaz branco nada, Reggie se nega porque não há motivo para ele ser questionado se é da universidade, o único motivo é ele ser negro, e lugar de negro não é dentro da universidade aos olhos de uma sociedade racista. O policial insiste, Reggie se nega, todos dizem que não é necessário, então, o policial saca a arma e a aponta para o rosto de Reggie.

A cena é forte, mas é cotidiana, ocorre todos os dias nas periferias do Brasil, dos Estados Unidos, de todo o mundo.

O episódio foi dirigido por Berry Jenkins, diretor do ganhador do oscar Moon Light.

Apesar de todos esses pontos positivos Dear White People se trata de uma série da netflix, mais uma série de entretenimento; sendo assim, pode incomodar o formato da série, que inicialmente se parece muito com uma espécie de Gossip Girl com personagens negros. Por vezes a série flerta com um gênero satírico, como que se o objetivo fosse que a questão racial se apresentasse de maneira mais palatável ao público – isso não é em si um defeito, mas sabemos que a questão racial não pode ser tratada dessa maneira, a questão racial não é palatável, ela é dolorosa.

Dear White People é uma boa e grata série sobre o racismo institucional nas universidades, entre as inúmeras séries que a netflix lança vale a atenção especial para essa. A série cutuca o fato de que mesmo em universidades de excelência como é Winchester, ou como é a USP, existe, sim, racismo.

 
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