Em primeiro lugar, temos que considerar o cenário em que acontecem as eleições na Universidade de Brasília. Há alguns anos o Diretório Central dos Estudantes vem sendo dirigido por setores da uma direita reacionária e neoliberal que apoiou o golpe institucional e todos os ataques de Temer, que defende o policiamento ostensivo na universidade, a privatização e a terceirização. Após a consolidação do golpe institucional, um clima de muita politização passou a tomar conta da universidade. De um lado, parte dos estudantes ocuparam a reitoria contra a PEC do fim do mundo, confluindo com a onda de ocupações que tomou conta do país. Do outro, o DCE – dirigido por esses setores da direita – atuou contra os estudantes em luta e a favor da implementação dos ataques do governo golpista. Ainda que o processo de luta tenha se encerrado, a intensa politização gerada por esse momento não se acabou, e para entender o clima que perpassa a universidade nesse momento é preciso levar em conta essa questão.
Quem é a chapa da direita que dirigia o DCE?
A chapa Aliança pela Liberdade era composta pelos setores da direita e do MBL, que estavam há cerca de cinco anos na gestão do DCE. Uma chapa que tinha em seu programa a defesa de um projeto neoliberal de universidade, que paralisava os estudantes, não só facilitando como diretamente apoiando a implementação de diversos ataques contra a juventude e os trabalhadores.
Diversos setores vêm dizendo que a aliança que se estabeleceu para essa eleição de DCE era parte de uma política necessária de frente única contra a direita, sendo que alguns chegam a classificar o MBL como fascista. Antes de colocar a diferenciação a respeito de como os revolucionários encaram a discussão de frente eleitoral e frente única, primeiro nos parece necessário refletir sobre quem é o MBL e qual a política necessária para combatê-lo.
Está claro que as eleições de entidades estudantis são diferentes das eleições burguesas. Dizemos o mesmo em relação às eleições de entidades operárias, em que contra chapas abertamente pró-patronais não está excluída a hipótese, a depender da situação concreta, de alianças com organizações reformistas (trata-se de um enfrentamento de classe no local de trabalho). O que é diferente no movimento estudantil, justamente por que esse tem em sua composição representantes das diversas classes sociais. Por isso a disputa programática na universidade ganha uma importância ainda mais decisiva, buscando forjar uma fração pró-operária e combativa no movimento estudantil, que possa apontar para a luta por uma universidade a serviço da massa trabalhadora.
Se os companheiros caracterizam o MBL como uma organização “fascista”, melhor forma para combatê-la é com os métodos da frente única na ação. Não apenas por uma disputa eleitoral no DCE contra o MBL, mas por uma organização prática para enfrentar o fascismo e seus métodos. Somos totalmente a favor de travar acordos práticos de ação e de autodefesa contra as provocações dessa direita que podem perfeitamente envolver partidos como o PT ou PCdoB, entre outros.
Infelizmente não se trata disso na UnB, em que MAIS, Rua, Juntos e outras organizações da esquerda cumprem o triste papel de apêndice de uma chapa dominada pelo conciliacionismo petista, sem nada a ver com a ação. Isto é assim porque se em geral as coalizões com organizações burocráticas sempre os fortalecem em detrimento dos revolucionários, a tática da Frente Única, cujo terreno é a luta concreta de massas, tem por função o oposto: fortalecer os revolucionários às custas dos reformistas.
Frente Única e Frente Político-Eleitoral
A tática da Frente Única operária foi concebida pelos revolucionários para a intervenção de massas na luta de classes, não para eleições. Esta aplicação da tática da frente única por objetivos práticos de ação teve sua origem e significado para a III Internacional e também para Trotsky, que a defendia sempre em íntima conexão com a mais clara delimitação política com as organizações reformistas (políticas e sindicais) do movimento operário.
A princípios dos anos 30, Trotsky assinalava sobre a Frente Única, no contexto da luta contra o fascismo na Alemanha: “Os acordos eleitorais, as negociatas parlamentares concluídas entre o partido revolucionário e a socialdemocracia reformista costumam servir, regra geral, à segunda. Um acordo prático frente a ações de massas, por objetivos concretos de luta, se faz sempre em proveito do partido revolucionário”. Como se não bastasse, remarcava “Nenhuma plataforma comum com a socialdemocracia ou os dirigentes dos sindicatos alemães, nenhuma publicação, nenhuma bandeira, nenhum cartaz em comum! Golpear juntos, marchar separados! Colocar-se em acordo unicamente sobre como golpear, quem golpear e quando golpear” ("Por uma frente única operária contra o fascismo", 1931).
Ou seja, para Trotsky, o terreno propício para a tática da Frente Única não são os acordos eleitorais, mas as “ações de massas por objetivos de luta”. Diferencia taxativamente ambos os terrenos, eleitoral e da luta de classes extraparlamentar, seguindo a tradição da III Internacional: “golpear juntos, marchar separados”, o que significa que apesar dessa unidade momentânea, as "bandeiras", posições políticas não se misturam. Uma concepção muito diferente da que se expressou nesse acordo de chapa unitária para o DCE de uma universidade.
Pode uma chapa com PSB, PT e PCdoB ser um instrumento efetivo para organizar os estudantes e combater a direita?
Conforme expressamos no início desse artigo, é preciso levar em conta o cenário que se abre na universidade e em todo o país após a consolidação do golpe institucional. O PT, com o apoio do PCdoB e setores “críticos” como o Levante Popular da Juventude, governou durante anos tendo como seus aliados Cunha, Malafaia, Kátia Abreu e companhia, aplicando diversos ataques contra os trabalhadores e a juventude, abrindo assim o caminho para o fortalecimento dessa direita golpista. Enquanto mantinha sob sua direção burocrática importantes sindicatos, centrais sindicais, centros acadêmicos, DCEs e entidades estudantis, como a UNE. Buscando dessa forma controlar qualquer ação espontânea que pudesse surgir por parte dos trabalhadores e da juventude.
O golpe institucional sem dúvida agudizou a crise que esse partido vinha passando. Mas hoje podemos dizer que nos encontramos em um novo momento dessa crise, onde claramente vemos Lula em primeiro lugar, e a partir disso a tentativa de recompor o PT, o petismo e seus apoiadores críticos no cenário político nacional. Parte dessa recomposição se dá pela estratégia consciente de tentar dividir a sociedade entre a direita e a esquerda, diluindo dessa forma qualquer perspectiva de classe que possa existir. E conseguindo se alçar como o “grande partido da esquerda”, ao qual os outros precisam se aliar para enfrentar essa direita que vem se fortalecendo, enquanto na prática o próprio Lula disse no lançamento do 6º Congresso do PT que o momento não deve ser de contestação, mas de construir essa alternativa eleitoral, enquanto esse partido veio se aliando aos golpistas do PMDB e até PSDB nas câmaras e assembleias legislativas.
Não podemos cair nesse discurso petista, deixando de lado um fundamento básico para todos aqueles que se dizem revolucionários, que é o fato da sociedade capitalista ser divididas entre classes sociais com interesses irreconciliáveis, e não entre direita e esquerda. A estratégia petista de conciliação de classes já se mostrou falida. Acabou levando a consolidação de um golpe institucional em nosso país, cujas consequências estamos vendo com a aprovação de 20 anos de congelamento nos investimentos na saúde e educação, com reforma da previdência, reforma trabalhista, terceirização irrestrita e tantos outros ataques.
Não é possível que a esquerda finja que não vê as diferenças entre uma unidade na ação com um objetivo claro e especifico e uma unidade para a direção de uma entidade estudantil onde o discurso é sobre a necessidade de que essa volte a ser um instrumento para a organização dos estudantes. Será mesmo que os companheiros acreditam que podem retomar o DCE da UnB como uma entidade a serviço desse objetivo se aliando com setores que compõe um partido burguês como PSB, que em diversas cidades, como Campinas, faz frente com a direita para aplicar os ataques? Com o PT, que governa diversas cidades e estados, sendo ele mesmo o responsável direto pela repressão contra aqueles que lutam contra os ataques, como aconteceu com estudantes e professores em Minas Gerais? Com o PCdoB, que se aliou com os golpistas no parlamento e por meio da UJS dirigem há anos a UNE, a maior entidade de juventude do país, de forma absolutamente burocrática? Acham mesmo que com essa política podem fazer com que o movimento estudantil avance para ser um polo de combate efetivo à direita que se fortaleceu? Para nós essa aliança só serve para ajudar a recompor o petismo.
Justamente por que estamos em meio a um momento decisivo, onde está colocada a possibilidade de surgir uma alternativa de esquerda independente do petismo, é que nos parece ainda mais grave essa tática de alianças eleitorais sem princípios em uma entidade estudantil. Para que essa alternativa possa surgir e conquistar amplos setores de jovens e trabalhadores para um projeto de sociedade que rume a posições anticapitalistas e revolucionárias, ela precisa aparecer como uma possibilidade concreta nesse momento, em cada batalha que travamos contra as reformas de Temer e em combate com a direita. Por esse motivo, nos parece absolutamente equivocado achar que uma chapa com o petismo pode fortalecer essa posição. Quando na verdade só estão trabalhando para que este se recomponha entre os jovens lutadores, sob a máscara de oposição ao governo golpista de Temer. Toda a esquerda que acriticamente se coloca com o discurso de unidade, sem se delimitar claramente do PT e de sua estratégia de conciliação de classes, acaba mesmo que indiretamente trabalhando para que esse partido e sua estratégia de Lula 2018 se fortaleça como a grande resposta para a crise política que atravessa o país. Seja numa eleição de DCE, ou num combate na luta de classes.
A tarefa colocada para a esquerda combativa e anticapitalista nesse momento é preparar uma greve geral efetiva, organizando em cada universidade, em cada escola, em cada fábrica, comitês de luta contra os ataques de Temer, que possibilitem que sejam os trabalhadores e a juventude os principais sujeitos na preparação para o dia 28 de abril. Podemos derrotar completamente todos esses ataques já aprovados ou em andamento e com a força da nossa mobilização dar uma resposta política à crise nacional. Por isso a esquerda precisa assumir um papel fundamental, dando um grande exemplo de luta para que a paralisação do dia 28 seja efetiva e para começar a oferecer um programa alternativo de resposta à crise desde agora.
Abrimos esse debate com todos os setores da esquerda, especialmente com os militantes do MAIS e com todos os jovens, que frente à profunda crise política, econômica e social que estamos passando, buscam por uma alternativa anticapitalista e revolucionária, por que acreditamos que a luta pela retomada das nossas entidades estudantis, como instrumento de luta e auto-organização, não pode nunca ser vista como uma luta descolada da batalha pela transformação profunda e radical dessa sociedade baseada na exploração e opressão de milhares de trabalhadores, jovens, mulheres, negros e LGBTs.
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