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OPINIÃO
O bombardeio na Síria e o alerta dos Estados Unidos contra a China
André Barbieri
São Paulo | @AcierAndy

O bombardeio ordenado por Trump na Síria está carregado de conotações políticas. A primeira mais imediata é que Trump modificou em 180º a política com Moscou, neste que foi o primeiro ataque direto dos EUA contra a Síria desde o início da guerra civil. Entretanto, não se pode deixar de ver que Trump fez isso em meio ao encontro com o presidente chinês Xi Jinping. Seria um alerta ao regime de Pequim?

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Ilustração: Ingram Pinn

Dificilmente se vislumbraria que, num encontro entre os presidentes dos Estados Unidos e da China, o mandatário norteamericano estaria buscando recuperar posições. No encontro entre Donald Trump e Xi Jinping, entre um nacionalista agressivo da maior superpotência do mundo e de um nacionalista da segunda maior economia mundial, o acordo tácito é de estabelecer “um novo modelo de relações entre superpotências” (filosofia segundo a qual o sistema mundial fica secundarizado diante das relações bilaterais entre as maiores forças).

De resto, entretanto, ambos mandatários se antagonizam na maioria dos temas. E Trump – que depois das ameaças de taxar as importações chinesas e desrespeitar a política de “Uma só China” com Taiwan, recuou de ambas – está sedento por ganhar terreno, e impor sua vontade nos temas do comércio, frear os exercícios balísticos da Coréia do Norte e limitar a ambição de Pequim no Mar do Sul da China.

Mas Trump preparou um movimento anterior para tratar de restabelecer a idéia da primazia norteamericana e ofereceu uma surpresa no jantar com o presidente chinês, antes de debater os três tópicos centrais da conversa.

Bombardeio na Síria altera o clima do encontro e mostra mudança da política com Moscou

Ontem, ordenou o lançamento de 60 mísseis de cruzeiro Tomahawk contra a base aérea de Al-Shayrat, na província síria de Homs, instalação militar controlada pelo ditador Bashar el-Assad e de onde foram lançados contra a população síria ataques de gás sarin, agente químico letal. A marinha abriu fogo a partir de dois porta-aviões destroyers no Mediterrâneo (o USS Porter e o USS Ross). De uso comum na guerra do Iraque, este tipo de míssil pode percorrer 1.600km antes do impacto.

Até esse bombardeio, a coalizão militar liderada pelo EUA alegava o objetivo de bombardear apenas as posições do Estado Islâmico na Síria, com apoio de facções armadas locais. Obama, em 2013, apelou ao Congresso para que este sancionasse a intervenção na Síria, mas obteve 243 votos contrários, 183 dos quais era republicanos.

O ataque de Trump é uma mudança de 180º na política norteamericana com a Rússia na Síria, e do próprio discurso presidencial de Trump, que aderia à idéia de um compromisso com Putin para combater o Estado Islâmico sem que implicasse buscar derrubar Assad.

Seria estranho um bombardeio assim justamente durante a viagem do presidente chinês a Miami. A China não deseja ver ataques unilaterais dos EUA na Síria; de fato, sempre votou ao lado da Rússia em defesa de um “compromisso de pacificação” que se inclinava a manter Assad no regime. Por isso, a China apoiou a Rússia no veto às resoluções arquitetadas pelos Estados Unidos (junto à França e à Grã-Bretanha) diante do uso de armas químicas por Assad.

Se o ataque na Síria parece longínquo para os interesses imediatos da China, as implicações para ela se dão em outro país. Em entrevista ao Financial Times, Trump disse que se a China não colocar freios Pyongyang, ele colocaria. De fato, o programa de mísseis nucleares da Coréia do Norte se tornou o principal obstáculo nas relações sino-norteamericanas.

A mensagem dos bombardeios é clara: Trump está disposto a escalar conflitos caso os interesses norteamericanos estejam ameaçados, e não apenas no Oriente Médio, mas também em relação à Coréia do Norte. E faz o alerta bombardeando a Síria durante o jantar com Xi. A própria visita chinesa fica secundarizada depois desse ataque, que coloca Trump no centro dos portais de notícias.

Como dissemos aqui, se os Estados Unidos se preocupa com a capacidade do presidente nortecoreano Kim Jong Un de desenvolver mísseis nucleares capazes de atingir a costa oeste do país, o principal objetivo é justificar intervenções imperialistas na Ásia (o famoso “pivô”, política perseguida parcialmente pela administração Obama) a fim de frear as ambições de Pequim sobre as ilhas disputadas no Mar do Sul da China, região vital para o comércio marítimo, detida pelos Estados Unidos desde a Segunda Guerra Mundial.

Trump também quer utilizar esta ação unilateral na Síria para sufocar as acusações internas dos grandes meios de imprensa e do partido Democrata de que estaria se aproximando da Rússia. Entretanto, a mensagem militar a Pequim pode ter custado as relações dos Estados Unidos com a Rússia, que já ameaçou “conseqüências catastróficas” caso Trump deseje retomar a política de remover Assad do poder na Síria.

As formas que Trump vem elegendo para separar a Rússia e a China vem sendo erráticas: ora trata de dar sinais positivos a Moscou enquanto ameaça a China de impedir que utilize as ilhas artificiais construídas no Mar do Sul; ora bombardeia o principal aliado de Moscou no Oriente Médio enquanto negocia em “bons termos” com a China na Flórida.

Cumpre lembrar que a política de "aproximação" com a Rússia foi a mais golpeada desde a posse de Trump. A saída do general Michael Flynn do posto de assessor de segurança, as ameaças ao advogado-geral Jeff Sessions e a recente remoção do chefe de estratégia da Casa Branca, Steve Bannon, do Conselho de Segurança Nacional - todos eles defensores da linha pró-russa - foram mudanças que deram mais força à linha da ala majoritária do aparato burocrático militar e de inteligência contra a proximidade com Moscou.

Este "limite" à ala "ideológica" do governo - dando ênfase ao técnico Jared Kuschner - pode demonstrar que o bonapartismo débil de Trump está cada vez mais impotente diante de seu cambiante entorno. Ademais, mostra mais continuidade na política internacional dos EUA, hostil à Rússia, mas também preocupada em que essa hostilidade não jogue Rússia e China aos braços um do outro.

Os ataques imperialistas na Síria – não menos nefastos que o próprio regime ditatorial de Assad – não trazem boa notícia ao presidente chinês. No ano do 19º Congresso do Partido Comunista Chinês e com a burocracia de Pequim desprestigiada, o pior cenário para Xi Jinping é que seu nacionalismo se revertesse em protestos de rua na China para que o governo responda às provocações norteamericanas na Coréia e no Mar do Sul da China. Neste caso, como diz Willy Lam no Financial Times, não fazer nada pioraria a imagem da anacrônica casta política do PC chinês.

De todo modo, a reunião entre Trump e Xi não será mais a mesma, nem terá o mesmo holofote. Provavelmente o foco da reunião não mudará para a Síria, que não é central para as relações bilaterais entre os dois. Mas Trump tratou de demonstrar poder aos olhos do mundo, quando todos olhavam para a China. Xi recebeu um alerta sobre a credibilidade das ameaças imperialistas na Coréia do Norte e nas águas disputadas da costa chinesa.

Mas Trump fez isso abrindo uma frente de atritos que vinha sendo controlada com a Rússia. Foi o primeiro ataque direto dos Estados Unidos sobre Bashar el-Assad desde o início da guerra civil síria – ataque que pode mudar o curso do conflito, assim como mudou o curso da encontro. A Rússia já advertiu que finalizará a cooperação militar com os Estados Unidos no espaço aéreo da Síria. Embora os mísseis tenham sido lançados de grande distância – e não de aviões, para que fique menos implicada a idéia de uma ofensiva contra Assad – pode significar a abertura de uma nova fase de conflagração que choque diretamente os dois países.

Não é o encontro para o qual a China se preparava. Ao contrário de uma reunião sem grandes eventualidades, Trump tomou uma decisão que muda os parâmetros numa grande questão nacional – que tira muito do relevo da presença chinesa nos EUA.

 
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