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TRIBUNA ABERTA
A projeção ideológica da Operação Lava Jato na América Latina
Bruno Lima Rocha - professor de Ciência Política e Relações Internacionais

A Operação Lava Jato, levada a cabo por uma Força Tarefa baseada em Curitiba (PR) e subordinada ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4, com sede em Porto Alegre e com jurisdição nos estados da Região Sul), tem uma dimensão que supera, e muito, as fronteiras do Brasil. A lógica é bastante simples nos efeitos, mas tem certa complexidade para o pensamento crítico.

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O mimetismo institucional e a idealização do liberalismo conservador anglo-saxão

Insisto que a Lava Jato traz em sua gênese, além do Projeto Pontes (já muitas vezes aqui denunciado e que pode ser lido na integra neste link), uma idealização do sistema político, mas em especial do sistema jurídico dos países anglo-saxões. Consigo fazer um perfeito paralelo ao que tanto é criticado na ciência política como “transitologia”, onde o pacto de saída do regime franquista (o chamado Pacto de la Moncloa), afiançado pelo professor Juan José Linz (um dos gurus de Fernando Henrique Cardoso) se dera sem incluir uma dimensão distributiva de poder e recursos, e, obviamente, normatizando a rebelião de base juvenil e sindical no Estado Espanhol. A idealização de uma transição institucionalista quase matou a legitimidade da politologia brasileira e, vejo o mesmo ocorrer dentro dos aparelhos jurídicos e coercitivos do Brasil pós-lulista. Sem nenhum exagero faço esta afirmação tomando por referência ao seguinte comunicado:

Projeto com Reino Unido: ‘Diálogos como este (o Seminário Reino Unido-Brasil: Diálogos sobre Corrupção, Processo Penal e Cooperação Jurídica Internacional, realizado no MPF-PR na quinta 16 de março e sexta 17 de março de 2017) são importantes para conhecer boas práticas e estratégias de persecução criminal bem sucedidas em outros países. O Brasil tem recebido a influência de instituições jurídicas britânicas há muito tempo, talvez desde o Código de Processo Penal do Império. O júri, o sistema acusatório e o devido processo legal surgiram ou foram consolidados naquele país. Certamente haverá outras lições a aprender para que tenhamos um sistema processual verdadeiramente garantista, sob a inspiração do país onde foi promulgada a Magna Carta há mais de 800 anos. O tratamento de certos temas na Inglaterra poderá surpreender aqueles que resistem à evolução do processo penal brasileiro", destacou o procurador Regional da República Vladimir Aras, secretário de Cooperação Internacional da PGR’.” (ver http://lavajato.mpf.mp.br/todas-noticias)

Para estes cruzados as metas são alcançáveis. Mimetizando um sistema jurídico (ao menos em suas práticas processuais e investigativas) e idealizando um Estado liberal conservador, é da natureza da colonização interna verificar no deplorável arranjo Estado, oligarquias políticas e os capitais familiares de base nacional, como o eixo dos males da “corrupção”. Isto ocorreria no andar de cima; a contrapartida no andar debaixo seria um bloqueio no sistema político, onde a oferta de partidos não consegue superar a melhoria material proporcionada pelo crescimento econômico através de uma liderança popular e sua herança política. Equivocadamente chamam a esse fenômeno de “populismo” (algo que o lulismo nunca foi e jamais quis ser) e alinham a todas as práticas assemelhadas de governos como aliados do país líder do Continente. É contra este fenômeno, esta tentativa de crescimento pactuado, que se mobilizam recursos de vertentes diversas, atuando como força política de sustentação para desmontar as capacidades do Estado brasileiro em organizar um crescimento capitalista.

Sempre afirmei que os governo de Lula e Dilma não foram sequer populistas – se fossem não teria caído o governo da presidenta, ou ao menos, cobraria um preço elevado por esta derrubada – e apresentariam a melhor saída para domar a inserção social das esquerdas e apontar a projeção de poder do país no Sistema Internacional (SI). Reforço à ideia: não concordo ideologicamente com o pacto de elites, e desconfio profundamente de qualquer processo onde as maiorias organizadas não sejam protagonistas. Mas, ao mesmo tempo, observo que a hegemonia à direita internaliza os interesses externos e vê com extrema desconfiança todas as vias latino-americanas (tal como ocorrer com o Pacto Argentina, Brasil e Chile, ABC, durante o governo eleito de Vargas e o período peronista). Para o cálculo conservador (e em aliança subordinada ao imperialismo), não basta frear a luta popular com uma liderança de coalizão. É preciso destruir as bases produtivas e a capacidade instalada de qualquer anseio de potência média do Brasil e sua consequente liderança entre os países hermanos.

O crescimento econômico do lulismo e a coerência interna para a projeção de poder

Durante os governos do ex-presidente Lula (2003-2010) e no governo e meio da ex-presidenta Dilma (2011-2016), o Brasil exerceu – com variações de intensidade – uma política externa assertiva e com uma linha diplomática bastante alinhada com a primeira. Assim, houve um bom nível de coerência interna em alguns setores de primeiro, segundo e terceiro escalão do Estado brasileiro, em consonância com o capital nacional (baseado em controles familiares e poucas expertises) e também com as transnacionais aqui instaladas. Logo, os fundamentos de um crescimento econômico em país de capitalismo tardio e semiperiférico foram cumpridos. Percebam que não me refiro ao desenvolvimento, pois este implicaria adentrar em áreas onde o capitalismo nacional não estivesse presente, como no avanço dos petroquímicos de modo a não depender de insumos e venenos transgênicos e assim torrar cerca de 20% dos ganhos com o agronegócio em pagamento de royalties.

Não foi isso o que ocorreu no Brasil, mas as práticas de crescimento pactuado e coerência interna (a serem generalizadas na sequência) criaram possibilidades concretas de excedentes de poder. Tais excedentes se materializaram com investimento em diplomacia presidencial e muita agressividade comercial (além da excelência dos diplomatas de carreira e abertura de novas embaixadas) acompanhados de fatores externos (tanto regionais como globais), dando chance para uma janela de oportunidade devidamente aproveitada pela aparente concertação de elite dirigente e classe dominante brasileira.

O Brasil, por suas dimensões continentais, capacidade instalada e a projeção através da América Latina e ao Atlântico Sul, caso exerça ajustes internos e consiga algum consenso na hegemonia dominante (como um projeto de capitalismo nacional onde a base da pirâmide social consiga viver em patamares médios), tem as condições básicas tanto para o crescimento como para o desenvolvimento (já aqui marcadas as diferenças), com a respectiva expansão de excedentes de poder. As escolhas do lulismo levaram ao crescimento a partir das capacidades existentes (sem tentar alterar termos de troca) e no ajuste Estado-Empresa. Daí o emprego vulgar dos termos Bismarckismo Tropical, Campeões Nacionais e Pacote de Bondades ter sentido e relevância. Junto ao banco de fomento (BNDES) e a real competência de alguns oligopólios nacionais, com a liderança inconteste da construção pesada e do complexo de óleo e gás, nosso país teve uma expansão sem precedente do capitalismo para além das fronteiras.

Destruir a projeção de poder no Brasil na América Latina: um objetivo permanente

O processo de internacionalização de empresas sem perda de controle decisório dentro do Conselho de Administração é um passo obrigatório para qualquer Estado que queira disputar espaços no Sistema Internacional. Dentro do SI, buscar uma melhor posição na perversa Divisão Internacional do Trabalho (DIT), controlando Cadeias Globais de Valor e orientando investimentos, é o caminho mais apropriado na projeção de poder do país líder e seus associados. Foi justo isso o que ocorrera no Brasil e daqui para Argentina, Uruguai, Peru, Colômbia, Venezuela, Panamá, Equador e Cuba, dentre outros países latino-americanos. Expansão semelhante, mas com um grau maior de dependência – quase absoluta – se deu nos investimentos brasileiros em países da África.

Infelizmente, é preciso constatar que a natureza das práticas políticas e empresariais em nossos países sob os governos de centro-esquerda, não foi alterada substantivamente. Assim, condições de privilégios, acessos diferenciados aos nichos de poder (barreira à entrada político-institucional e também técnico-científica), indicações de postos-chave em função de interesses partidários, usos de fundos não declarados para financiamento de campanhas e lavagem de dinheiro para fins de enriquecimento ilícito, teriam sido (são) abundantemente praticadas. Tais práticas seriam – foram - correntes tanto no Brasil como nos países que receberam investimentos brasileiros, com especial atenção para Odebrecht e Petrobras. Até aqui temos fatos quase incontestáveis. Agora entramos em terreno mais pantanoso.

Pelos dados divulgados no portal da Procuradoria Geral da República (ver: http://migre.me/wcYzA), a Operação Lava Jato teria realizado até abril de 2016, 91 pedidos de acordos de cooperação legal para 28 países. No momento da publicação do documento, havia mais 13 pedidos de cooperação destinados a outros 11 países. À exceção dos Estados promotores de combate a lavagem de dinheiro e exercício de supremacia em escala global (como Estados Unidos e países europeus), os demais países além de cooperarem no nível legal também receberam investimentos de empresas brasileiras. Como estamos observando investigações e narrativas de criminalização dos atos de governo que assinaram contratos com a Odebrecht em escala latino-americana, logo, chegamos à conclusão que temos o excedente de poder capitalista exercido pelo Brasil também sendo visto com suspeição.

Considerando que há um enorme desgaste – merecido por sinal – tanto das oligarquias políticas como das frações de classe dominante ainda detentoras de capital na América Latina, logo, a suspeição reforça teses que vão ao encontro de ideias transnacionais (como as propaladas pela super ONG Transparência Internacional). A lógica de tão simples, é quase simplória. As carreiras de Estado de procuradores, promotores, magistrados e autoridades das carreiras jurídicas e policiais têm uma apreciação cada vez maior em nossos países, inversamente proporcional ao decadente apreço das elites tradicionais. Assim, ao seguir os passos da Operação Lava Jato, os correspondentes aparelhos de Justiça do Continente terminam por ajudar a deslegitimar a atuação das oligarquias políticas ascendentes – incluindo as lideranças mais radicalizadas, como as “bolivarianas” – e se legitimam como tecnocratas essenciais para assegurar a punição aos crimes de elite.

A nova colonialidade

Se formos observar a criminalização da política nos países vizinhos, veremos uma reprodução quase idêntica ao ocorrido no Brasil. Por um lado, é justificada a enorme desconfiança da população para com os oligarcas, empresários e até mesmo os “bem intencionados” de centro-esquerda. Por outro, não há democracia de massas que se sustente em uma legitimação de profissionais de carreira com sentido de pertencimento transnacional, ideologicamente vinculado ao liberalismo conservador propagado mundialmente pelos EUA. O labirinto está montado e as armadilhas existem em cada um dos atalhos. Novamente repito o óbvio: a saída da América Latina está no próprio Continente e nunca em idealizações mimetizadas de um sistema jurídico como forma de regulação dos conflitos em Estados Liberais Conservadores de base anglo-saxã. Como afirma Aníbal Quijano, seguimos reproduzindo a colonialidade do poder; mas desta vez com a ascensão autônoma do estamento togado em nossos países.

Bruno Lima Rocha é professor de ciência política e de relações internacionais
(www.estrategiaeanalise.com.br / [email protected] para E-mail e Facebook / twitter: @estanalise)

 
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