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BETIM
Em Betim o superlotado ônibus é “executivo”, mas o serviço está longe de ser
Maré
Professora designada na rede estadual de MG

As crônicas de gente como eu sempre saem de dentro dos ônibus, né? Pois é, nessa correria de vida que a gente leva, as longas horas no transporte coletivo servem ao menos pra refletir a vida – ou garantir um tempo a mais de um sono mal dormido. E se você mora em Betim e trabalha e/ou estuda em BH esse tempo pode ser maior do que devia.

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Hoje eu peguei o 3212. O verdinho, executivo, com banco macio e ar-condicionado. Sai da rodoviária, dá uma voltinha no centro, pega a Amazonas, atravessa o centro e alguns bairros centrais de Betim, passa no hospital regional e acaba o trajeto. Nem sonha em passar pelo Teresópolis ou Marimbá e também não tem executivo pra lá.

Me parece que o plano era de o ônibus executivo ser um chofer disfarçado pra pegar um betinense “bem-localizado” com suas malas e levar até a rodoviária, e essa é a única hipótese que talvez me faça entender a lógica dos empresários e políticos envolvidos na máfia do transporte público de colocar em circulação uma linha “executiva” fazendo um trajeto “seleto” que custam absurdos R$7,40.

Estava eu, sexta feira, 18h, horário de pico, voltando da UFMG pra casa. Já tinha enfrentado um move lotado até o centro e imaginava que a fila para o ônibus que passa no meu bairro estaria igualmente lotada. Resolvi investir no executivo, afinal é sexta feira, e do centro de Betim até minha casa tentar descolar uma carona. Acontece que na rodoviária haviam umas oitenta pessoas, nenhuma delas tinha “padrão executivo de qualidade”. O ônibus chega, tem uns quarenta e tantos assentos onde os primeiros se acomodam. Os do meio ficam em pé e os últimos da fila resolvem esperar pelo próximo verdinho. Somos 60 trabalhadores, estudantes ou aposentados em um ônibus executivo que para em outros pontos ao longo do trajeto. Em quarenta minutos (o trânsito estava caótico) éramos mais de oitenta.

E o ônibus executivo? Escorria um líquido das frestas nas saídas de ar do ar-condicionado, que já não resolvia o problema da temperatura com tanto calor humano. Uma das portas de saída não abria e a catraca não foi feita para o menino gordo que aguentou a viagem de pé junto a tantos outros ao lado do motorista. Inclusive, o motorista é também o cobrador, e me disse certa vez que recebe uns quinhentinhos a mais pela dupla função.

O cheiro de ferrugem do líquido escuro que escorria pelas janelas, os “arranca-para” de um ônibus em um engarrafamento, a superlotação e o pesar de ter pagado tão caro por aquele momento me renderam uma dor de cabeça acompanhada de agonia. E como diria o jargão: logo eu, estudante universitária que até pena, mas pelo menos recebe uma bolsa e não precisa trabalhar pra se manter na UFMG, onde poucos dos companheiros da minha cidade estudam, já que os vestibulares fazem da universidade pública um privilégio de poucos, e esse rolezão de pegar três ônibus caros pra chegar lá, acompanhados da extrema dificuldade e raridade de se ter acesso à assistência estudantil façam a gente repensar se ali é lugar pra betinense. Na hora me veio a música que aprendi com os secundaristas nas manifestações contra o aumento da passagem no início desse ano. “Quanto mais cheio, quanto mais caro / maior é o lucro do empresário.”

Pensei nos outros. Nas vidas e rotinas exaustivas daquelas mulheres que já deviam ter acordado de madrugada pra arrumar a casa antes de trabalhar e provavelmente iriam preparar a janta ao retornar, nos estudantes da PUC Betim e de outras particulares que só chegariam em casa após as horas de aula, os trabalhadores exibindo olheiras e cochilando em pé, pendurados uns sobre os outros. Pensei nos que não estavam no irônico ônibus executivo e provavelmente estavam em situação pior, li uma crônica de 2015 da companheira Iaci , escrita logo que as passagens aumentaram pela segunda vez naquele ano.

Mais de um ano e meio depois, além de a história se repetir, com as mesmas figuras políticas seguindo a mesma linha de repressão, exploração e extorsão dos trabalhadores e da juventude, ainda temos que lidar com as piadas – quase cômicas se não fossem muito trágicas – dos novos prefeitos demagogos como Alexandre Kalil, do PHS, que se vendeu como o herói que abriria a caixa preta da BHtrans, e Vittorio Medioli, também do PHS, que é o prefeito mais rico do país, um dos (se não o) empresários mais bem sucedidos de Betim e esbanja populismo abdicando do próprio salário de 21 mil, quando na verdade lucra às custas da cidade com seus empreendimentos no setor de transportes desde que se mudou da Itália pra cá.

A gente percebe que nenhum deles defende nenhum de nós, que estávamos nos ônibus hoje e estamos todos os dias durante horas perdendo nossas vidas em troco de lucro garantido para os empresários. Medioli e Kalil deixam passar o aumento das passagens, deixam passar a precarização do transporte, deixam passar as demissões dos cobradores, deixam passar as licitações das empresas de transporte e deixam que nós passemos nossas vidas confinados nos ônibus que, para eles, justamente por não serem usuários, são o bastante executivos.

 
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