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TRIBUNA ABERTA
Análise sobre a globalização - Por uma outra Globalização
Arthur Witter Meurer

Republicamos abaixo trabalho final de Arthur Witter Meurer para cadeira de Geografia da graduação de Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

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Miudinhos, perdidos no deserto queimado, os fugitivos agarraram-se, somaram as suas desgraças e os seus pavores. O coração de Fabiano bateu junto do coração de Sinhá Vitória, um abraço cansado aproximou os farrapos que os cobriam. Resistiram a fraqueza, afastaram-se envergonhados, sem ânimo de afrontar de novo a luz dura, receosos de perder a esperança que os alentava.” – Vidas Secas, Graciliano Ramos



Quando questionado o porquê da sua opção pela geografia, Milton Santos sem hesitar responde que as populações as quais “mudam de lugar”, migram, o chamavam atenção. O fragmento acima retirado de Vidas Secas expõe um pouco a luta do povo nordestino que se locomove em busca de água (para beber, plantar e criar o gado) e alimentos. Todavia, segundo Josué de Castro em Geografia Da Fome as causas que ocasionavam a fome no Nordeste, além do período de secas, são o latifúndio e a monocultura – “O problema do semiárido não é a seca, é a cerca”. (Revista Cronos, 2009). A partir daqui, será analisado a globalização e suas contradições, seus conflitos de interesses e, junto à crítica, a amostragem de uma nova globalização.



Tendo em vista o exemplo dado anteriormente, pode-se ver que antes da globalização como a qual conhecemos, a globalização do século 20, os conflitos de interesses já afetavam a vida da população nordestina. E agora, com o avanço das tecnologias no campo (Revolução Verde, década 1950), a produção em largas escalas, o incentivo do Estado ao agronegócio, à monocultura para exportação, à continuidade dos latifúndios brasileiros e, em âmbito mundial, o interesse da classe dominante pelos recursos naturais, a crise do capitalismo, o imperialismo e, depois das décadas de 1980 e 2000, a ‘volta’ do neoliberalismo, quais são as atuais contradições?



A primeira fase da globalização advém das grandes navegações, do colonialismo - e posteriormente, do neocolonialismo. Tanto no colonialismo como neocolonialismo, o objetivo das nações colonizadoras era usurpar dos habitantes daquelas terras, os tornando escravos ou consumidores - eram vistos como mão-de-obra ou como uma possibilidade (visto que resistiram) de um novo mercado; eram vistos como seres inferiores, sendo que no período neocolonial surge a expressão do “fardo do Homem Branco”, que deveria levar a “civilização” à África. O outro objetivo dos imperialistas se apropriar dos recursos naturais daquelas terras, como por exemplo, a prata de Potosí, o pau-Brasil, o ouro e os diamantes africanos. Na segunda fase da globalização, as mesmas ações foram e ainda são tomadas: o avanço das multinacionais, do capital estrangeiro, e os recursos naturais que interessa as nações hegemônicas são o “ouro negro”, o petróleo e, também, a água. Em 1989, o chamado Consenso de Washington compôs uma lista de dez regras elaboradas por economistas do FMI e do Banco Mundial, logo, medidas neoliberais, que deveriam ser seguidas para que os países latino-americanos recuperassem as suas economias. No entanto, essas regras davam a oportunidade das multinacionais adentrarem nos países de interesse - por causa da reforma tributária, que constava no Consenso de Washington - e criar bases em países cuja mão-de-obra é de baixo custo. Nesse contexto, segundo A precarização tem rosto de mulher, surge o trabalho terceirizado no Brasil. E a globalização, então, possibilita que o capitalismo estenda seus tentáculos dos Estados Unidos à Taiwan, ao México, à China – nos Estados Unidos fixa-se a área administrativa da multinacional; em Taiwan e na China são produzidas partes do produto que será montado no México, por exemplo; ou seja, os trabalhadores são super explorados por não terem um salário digno em relação ao trabalho que prestam, não recebem todos os direitos que deveriam receber (atraso nos pagamentos do vale transporte e alimentação – caso cotidianamente brasileiro), trabalham horas dentro das fábricas sob condições precárias em prol do lucro de 1% da população mundial (vide Riqueza de 1% deve ultrapassar a dos outros 99% até 2016, alerta ONG, BBC Brasil)



Ademais, a privatização de estatais também estava dentro das normas do Consenso. No documentário O Mundo Global Visto do Lado de Cá, vê-se, por exemplo, o interesse das multinacionais e do Estado em privatizar a água de Cochabamba (Bolívia), por volta dos anos 2000 – e que através de manifestações e a resistência do povo boliviano, a medida foi barrada. Em 2016, segundo o Jornal Correio do Brasil, foi cogitado o interesse da privatização do Aquífero Guarani, interesse da multinacional Nestlé. Sobre o petróleo: segundo Hugo Chávez, em Vozes Contra a Globalização, o petróleo da Venezuela fora levado pelo imperialismo norte-americano durante 100 anos. Vale lembrar também que desde 2007, há interesse das empresas multinacionais americanas, holandesas, chinesas e norueguesas pelo petróleo brasileiro (Chevron, Royal Dutch Shell, Corporação Nacional de Petróleo da China e Statoil) – sendo que no ano de 2013, ocorreu a partilha do Campo de Libra, durante o governo de Dilma Rousseff (PT).



Cogita-se, também, que há anos deputados, juízes e senadores brasileiros passavam informações da Petrobrás os Estados Unidos e para essas empresas, segundo o Wikileaks: Projeto Pontes – EUA treina agentes da Polícia Federal e agentes judiciais, entre eles o juiz Sérgio Moro; Serra prometeu à Chevron que se vencesse as eleições em 2010 mudaria a legislação que rege a exploração do Pré-Sal; Lisa Kubiske cita Jucá como fonte da embaixada americana.



Podemos citar aqui a Guerra no Iraque ocasionada pelos EUA que segundo George W. Bush, era uma guerra “antiterrorista” – em busca dos culpados pelo 11 de setembro. Cabe rememorar que o Iraque é o país que tem a maior reserva de petróleo do Mundo. O imperialismo criar guerras quando há interesses econômicos. Sendo assim, pouco importa para as “grandes nações” quantos civis terão vidas destruídas.




Além disso, trazendo para o contexto da globalização o livro Vidas Secas, citado na introdução desta análise, o Estado Brasileiro, mais especificadamente o Poder Legislativo, recheado de Bancadas, sendo uma dela a ruralista (ou do Boi), mantém o poder da contrarreforma agrária nas mãos, para que seus latifúndios e monoculturas continuem existindo para que a exportação de, principalmente, grãos (soja), mesmo que esta acabe acarretando no problema da fome e da pobreza, a morte de indígenas, problemas no solo e no ambiente, já que é preciso produzir alimentos em grande quantia (mercadoria), que pode causar doenças aos consumidores por causa do uso excessivo de agrotóxicos nas plantações (sendo a Monsanto como a maior produtora de agrotóxicos), e mesmo que haja agrotóxicos proibidos, eles continuam e continuarão sendo utilizados, segundo a Anvisa (em O Veneno Está na Mesa); continuam mantendo as leis para que produção de alimentos orgânicos seja mais burocrática, para o benefício próprio e para o benefício das empresas de insumos que financiam suas campanhas. Nas palavras de Marx, “O Estado é o balcão de negócios da burguesia”, em Manifesto Comunista – há melhor exemplo que a nomeação de Kátia Abreu como Ministra da Agricultura do Governo Dilma (?)



Podemos citar também um exemplo retirado de Vozes Contra a Globalização dito para provocar a reflexão acerca da pobreza e da fome na África – “A quem pertence [...] as zonas de pesca da África? Vamos ver a quem pertence. E se sabemos a verdade, então podemos encontrar uma solução. Podemos dizer: “por isso são pobres.”



A pergunta que deve ser feita para compreender a globalização como perversidade é ‘a quem ela mais beneficia? ’ – Como Karl Marx desenvolve no Manifesto Comunista, estamos divididos em duas classes principais, burguesia e proletariado, mas hoje poderíamos (para facilitar reflexão) separar entre ricos e pobres, os que administram as fábricas, os banqueiros, os grandes acionistas e os que tudo a produzem, os que prestam serviços de limpeza e os desempregados afetados pelas crises capitalistas. 



Uma outra globalização poderá superar essa globalização. Se o Homem a criou, o Homem pode superá-la. A globalização, junto ao avanço da tecnologia, permite que possamos nos comunicar com mais facilidade e, até mesmo, em tempo real. Deve-se usar desses elementos para alterar o modo como vivemos, ou melhor, que 99% da população mundial vive. Fala-se em enfraquecimento das fronteiras após a queda do Muro de Berlim, em 1989 e, posteriormente, a queda da União Soviética e do “socialismo real” (estalinismo burocrático) em 1991. Não obstante, deve ser questionado ao que ou a quem essas fronteiras enfraqueceram? Os muros das fronteiras se enrijeceram para as pessoas, para os que se refugiam dos conflitos e da miséria dos seus países, mas se liquidificam para o capital, para importação e exportação de mercadorias de alguns países, podendo se solidificar para as mercadorias de outros – os embargos. Por exemplo, a Guerra na Síria e na Palestina faz com que esses povos emigrem constantemente para países da Europa, ou para a América do Norte; os Estados Unidos é o maior produtor bélico do Mundo; vende suas armas para Israel e financia grupos “rebeldes” na Síria – a França faz o mesmo. Mas, normalmente esses países, impedem diariamente a entrada de imigrantes sírios e palestinos. Ou seja, o capital estadunidense e francês permeia aos muros de Israel e da Síria, assim como o capital israelita poderá adentrar nesses países. Contudo, somente o capital; as pessoas não. A contradição parece velada, mas acaba por ficar clara.



A globalização é perversa. Isso, para Milton Santos é denominado de globaritarismo, pois há a falsa impressão que após a queda de Hitler e Mussolini não vivemos sob as regras de governos autoritários. Se o capital não é autoritário tendo em vista os exemplos acima, o que seria? Está longe de ser democrático, mesmo que vivamos sob os ares da democracia – vale ressaltar, democracia burguesa, ditadura da burguesia sob os demais.
 


É possível romper com o atual modo de produção. A alimentação poderá ser produzida organicamente e para todos, como pode-se ver em O Veneno Está Na Mesa. Os trabalhadores poderão assumir autonomamente as fábricas, como pode-se encontrar ao ler a história da fábrica Zanon, na Argentina, e da Ocupação da Mabe, no Brasil. A pobreza poderá chegar ao fim quando o capitalismo acabar e, junto com ele, suas crises cíclicas que geram desemprego, menores salários e violência. A natureza, tão importante para que o Ser Humano possa existir (Intercâmbio Orgânico com a Natureza, K. Marx) poderá ser preservada, já que a produção será de subsistência, diferentemente do plantation vigente. 


Sintetizando - na globalização como perversidade nota-se o conflito de interesses entre uma classe e outra, entre a maioria da população mundial que nada tem e uma minoria que a tudo conquista com a ajuda dos Estados Nacionais; e uma outra globalização que seria de interesse da humanidade em geral; a primeira vê o Mundo pelo seu valor de troca; a segunda pelo seu valor de uso.



Concluo esta analise com um fragmento de um poema de Eduardo Galeano que expressa bem o que é a globalização como perversidade:



“[...] As bancarrotas são socializadas, os lucros são privatizados.
O dinheiro é mais livre que as pessoas.
As pessoas estão a serviço das coisas.”


 
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