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PIKETTY E CAPITAL NO SÉCULO XXI
Um olhar ameaçador sobre o presente do capitalismo global
Esteban Mercatante
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Podemos dizer sem risco de errarmos que o livro de Thomas Piketty O Capital no século XXI é um fenômeno editorial nestas latitudes mesmo antes de sua edição em castelhano, que foi editada neste último dia 24 pela editora Fundo de Cultura Econômico. Nos últimos meses, como antes havia acontecido nos EUA ( e por extensão no resto do mundo), economistas de todo tipo ideológico opinaram sobre as teses deste livro, que em seu desenvolvimento expõe como o capitalismo se caracteriza por produzir uma desigualdade crescente e que na atualidade, tem chegado a níveis próximos aos mais elevados registrados na história do capitalismo.

O debate não despertou aqui [Argentina] as paixões produzidas nos EUA – onde, por exemplo, a revista conservadora The American Spectator alertou que a obra de Thomas Piketty era a “cobertura intelectual para o confisco”. Mas sim, deu lugar a uma série de leitura – várias delas a partir da esquerda – que foram compiladas por Matías Eskenazi e Mario Hernandez no livro O debate Piketty sobre o Capital no século XXI [em espanhol].

Este livro apresentou para os leitores da fala hispânica, meses antes da edição em castelhano, vários olhares “progressistas” a partir do marxismo, sobre a obra de Piketty: Paul Krugman; James Galbraith; Eric Toussaint; Patrick Saurin e Thomas Coutrot; Olmedo Beluche; Charles André Udry; Maciek Wisniewiski; David Harvey, a essas visões se somaram as opiniões de marxistas locais como Rolando Astarita e de Paula Bach. Esta última contribuição foi parte da leitura deste livro que apresentamos na Revista Ideas de Izquierda, que pode ser lido aqui e aqui.

Não é difícil explicar o porquê do impacto desse livro. Que tem superado amplamente os booms editoriais recentes sobre economia como o livro de Paul Krugman “Acabem com esta crise, já!” [título da edição em português]. Ou, Por que fracassam os países? As origens do poder, prosperidade e a pobreza, de Daron Acemoglu e James A. Robinson, que no ano de 2012 adquiriram grande notoriedade, mas cuja repercussão não chegou a ultrapassar os círculos de especialistas.

Diferentemente deste último livro, que considerava que a chave do êxito para as economias de desenvolvimento tardio estaria em copiar ar instituições dos países mais ricos, Piketty expõe tendências nada tranquilizadoras, um aumento progressivo na desigualdade na distribuição de riqueza que tem ocorrido com maior intensidade nos centros de desenvolvimento capitalista mais antigo, pelo fato de que se trata de uma dinâmica intrínseca do capitalismo, que está nestes países – e particularmente nos anglo-saxões – onde funcionam mais perfeitamente. Piketty colocou o dedo na ferida exposta descaradamente nos EUA, após o estouro da bolha imobiliária, e provavelmente por isso a popularidade do livro ocorreu menos com sua publicação original em francês do que com a tradução ao castelhano.

O mecanismo fundamental da desigualdade

Todo o raciocínio de Piketty se baseia no mecanismo chamado por ele por mecanismo fundamental para a distribuição desigual de riqueza: “se a taxa de crescimento do capital se mantem muito acima da taxa de crescimento [econômico, N. do R.] durante um período muito prolongado de tempo (o que é mais provável quando a taxa de crescimento é baixa, mesmo que não seja automático), então o risco de diferenciação na distribuição da riqueza é muito alto.” Para o autor, isto é o que vem ocorrendo de forma sustentada durante um longo período – somente entre as duas guerras mundiais funcionou o capitalismo de modo diferente, na opinião de Piketty, por cauda de uma série de choques que destruíram massivamente o valor do patrimônio dos setores mais ricos, assim como as turbulências políticas e militares.

O resultado é que o capitalismo contemporâneo está se aproximando aos níveis de desigualdade que caracterizam a sociedade burguesa dos tempos da Belle Époque (os piores da história do capitalismo, no final do século XIX, N. da T.). O remédio que apresenta o autor é uma forte elevação na taxação ao capital, mesmo que o autor manifeste um ceticismo sobre a possibilidade de implementação de uma tributação deste tipo.

A tendência que registra Piketty já foi tratada por outros autores. Nas últimas décadas foram produzidos numerosos estudos que expõem os níveis alarmantes da desigualdade na economia capitalista. Também podemos dizer – e seria completamente correto- que a explicação que nos apresenta Piketty é despolitizada: o alarmante crescimento da desigualdade não tem sua raiz principal na feroz ofensiva de classe desatada pelos setores mais ricos contra o restante de sociedade, a qual foi especialmente impiedosa nos EUA – mesmo que Piketty nos apresente a cada momento numerosos registros disso; a explicação central está no “mecanismo fundamental” ( “rendimento do capital maior do que o crescimento econômico”) que atua independentemente das políticas e da vontade dos atores sociais.

Apesar destes pontos críticos, presentes em muitas resenhas, não podemos perder de vista a dimensão profundamente inquietante que lança o livro aos apologistas do modo de produção capitalista. A conclusão de Piketty, desenvolvida sob um arcabouço teórico que em seus nós conceituais é parte do mainstream neoclássico, é que o crescimento impressionante da desigualdade está enraizado nos mecanismos fundamentais que regem ao capitalismo global.

Se durante décadas funcionários de instituições como o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e a Organização Mundial do Comércio ditaram que os problemas de pobreza e desigualdade correspondiam a falta de abertura comercial e de desregulamentação, o trabalho de Piketty mostra o contrário. Com isto, ainda mais além da vontade de Thomas Piketty (que está muito longe de propor uma organização da sociedade alternativa ao capitalismo), os critérios de eficiência com os quais os defensores do capitalismo pretendem enterrar a discussão sobre qualquer possibilidade de uma sociedade alternativa, se encontram severamente questionados.

Da mesma forma, ocorre com a discussão sobre a perspectiva de um longo período debaixo crescimento econômico, preocupação que mostram muitos economistas, e que as teses de Piketty, não farão mais do que aprofundar as tendências expostas no livro O capital no Século XXI. O economista francês, então, representa o curioso caso de um defensor do capitalismo, pela via das reformas, que, com seu formidável boom editorial poderia estar desferindo-lhe um dos mais duros golpes à sua legitimidade.

 
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