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“New Deal” de Trump acirrará antagonismos internacionais e conflitos de classe, dos negros e imigrantes
André Barbieri
São Paulo | @AcierAndy

Donald Trump, um magnata do setor imobiliário e estrela de reality shows, dotado de uma mensagem antipolítica, xenófoba e demagogia antissistema, será o próximo presidente dos Estados Unidos

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Imagem: AFP

Conquistou 289 delegados contra 218 de Hillary Clinton, superando os necessários 270 delegados para a nominação. A despeito disso, Hillary vence no voto popular: com 99% apurado, tem 59.293.087, contra 59.131,346 de Trump, mostrando o antidemocrático dos métodos da votação indireta.

Trump venceu diversos estados que a burguesia imperialista considerava “garantidos” a Hillary, como os swing states Florida, Ohio, Pennsylvania e Carolina do Norte. Esta incapacidade de identificar fenômenos políticos profundos desarmou as cúpulas dos dois principais partidos desde o início das eleições, o que confere um grau de imprevisibilidade no instável tabuleiro político dos EUA.

Este resultado confirma o desprestígio generalizado do sistema de partidos e a crise do bipartidarismo entre Republicanos e Democratas, que já nas prévias eleitorais fizeram emergir fenômenos políticos como Trump pela direita, e pela esquerda Bernie Sanders, ambos com a mesma base nas condições criadas pela Grande Recessão e a perda de hegemonia da globalização e o modelo “neoliberal” sobre amplos setores da população.

Mais ainda, mostrou a ineficácia da “campanha do medo” operada por todo o establishment de Washington, as famílias políticas mais poderosas do país como os Clinton e os Bush, a poderosa mídia oficial e grande parte do empresariado e de Wall Street, que temia seu discurso isolacionista e protecionista. Um choque à visão de mundo imposta pelos Estados Unidos desde o final da Segunda Guerra Mundial, mostrando proximidade com a Rússia e prometendo taxar as importações de China e México, além de construir um muro na fronteira com o México e proibir a entrada de muçulmanos nos EUA.

Discurso da vitória de Trump

Depois da crise dos refugiados em 2015, o triunfo da política abertamente xenófoba e racista de Trump alenta a posição da extrema direita na Europa, cujos partidos xenófobos foram os que mais tiraram proveito da degradação da democracia burguesa e do questionamento ao sistema político. Na Áustria, a extrema direita do FPÖ (Partido Liberal da Áustria) ficou a poucos votos de vencer as eleições presidenciais neste ano; a xenófoba AfD (Alternativa pela Alemanha) vem ganhando os votos da direita de Merkel, e Marine Le Pen é a favorita para as presidenciais na França no ano que vem.

Meses depois do Brexit, que significou a remoção - negociada com lentidão pelos governos europeus - do Reino Unido da União Europeia, também com um discurso anti-imigrante e racista, o triunfo de Trump fortalece o populismo de direita dos dois lados do Atlântico.

Os resultados também indicam um repúdio não só aos Clinton, mas também à política de Obama, cujo legado da continuidade das guerras no Oriente Médio e os trilhões investidos para salvar os grandes monopólios durante a crise, enquanto a população amargava o desemprego, recebe duro golpe.

Grande derrota ao partido Democrata, fissura nos Republicanos

Não admira que quem mais se fortaleça com a vitória de Trump é a ala dura da direita Republicana. Este resultado superou em muito o avanço da extrema direita do Tea Party depois da crise de 2008. Aprofunda a fissura, entretanto, com a ala mais moderada dos Republicanos, que em grande parte o abandonou nas eleições, como Paul Ryan, presidente Republicano na Câmara dos Representantes, que se opôs a sua candidatura.

Para o partido Democrata foi uma derrota em todos os terrenos: não só perderam a Casa Branca, como também a possibilidade de ter maioria no Senado e no Congresso, perdendo as três instituições de escala nacional.

A principal derrota é do clã dos Clinton, a família mais poderosa da política norteamericana nas últimas três décadas. Hillary não pôde capitalizar os votos de Obama em 2012 na juventude e principalmente nos estados do sul, com grande população negra e pequenas cidades rurais cujos eleitores participaram em massa a favor de Trump. Representando o direitismo da política neoconservadora e agressiva do imperialismo ianque e impregnada de escândalos de corrupção, Hillary não encantou ninguém e não conseguiu transformar o peso do voto latino em um definidor.

Indiretamente, a derrota de Hillary fortalece a ala de Sanders dentro do partido, que surgiu como fenômeno à esquerda na polarização social. De fato, vários estados em que Sanders derrotou Clinton nas prévias, como Michigan e Wisconsin, Trump saiu como vencedor.

A imensa politização surgida nas eleições, o crescimento do peso eleitoral da população negra e latina, o repúdio que tanto Hillary como Trump geraram em imensa camada da sociedade são prova clara de que há espaço para o surgimento de organizações políticas independentes do bipartidarismo, no seio do qual um partido revolucionário dos trabalhadores é indispensável para combater a reação trumpista.

Classe operária branca e a crise econômica

Hillary não capitalizou os votos de Obama em 2012. Onde não venceu, Trump conseguiu perder por pouca margem nos estados que historicamente foram durante décadas bastiões do partido Democrata.

Ohio não era conquistada por um Republicano desde Richard Nixon em 1968. Também desde a década de 70 estados como Wisconsin e Michigan, parte do antigo "Rust Belt" (cinturão de estados que aglomeram trabalhadores industriais) e casa de alguns dos principais monopólios automotrizes como a Ford, não ficavam nas mãos de um Republicano.

Segundo Karen Nussbaum, da Working America, a pesquisa realizada em lares de 1689 trabalhadores com renda inferior a US$75 mil anuais, em Ohio e Pittsburgh, “confirmou que a primeira preocupação é o emprego e a economia: as pessoas estão cansadas, sofrendo com o desemprego, irritadas porque seus filhos não terão futuro, de que para eles não houve uma recuperação da recessão”.

De fato, os cinco estados do Rust Belt (Iowa, Wisconsin, Michigan, Ohio e Pennsylvania) foram vencidos por Trump. Em 2012, Obama havia vencido em todos eles. O descontentamento deste setor da classe trabalhadora branca, sem ensino superior, com o desemprego oriundo da deslocalização industrial foi canalizado pela demagogia direitista de Trump, direitismo do qual Hillary pouco pode se diferenciar.

Esta velha região industrial entrou em decadência nas últimas décadas, principalmente na década de 90 com a grande relocalização das fábricas automotrizes e multinacionais para a China e outros países onde puderam explorar mão de obra super barata (como a região norte do México, que Trump adora mencionar como “ladrões de emprego” dos norteamericanos). Os fechamentos de fábrica e cortes salariais aumentaram a partir da Grande Recessão de 2008, que transformou metrópoles industriais como Detroit, Pittsburgh e Baltimore em “cidades fantasmas”, com algumas regiões periféricas convertidas em dormitórios da população negra desempregada.

É desta frustração e ressentimento com o sistema financeiro beneficiado amplamente por Obama, ainda que desde posições políticas antagônicas, que se alimentaram as campanhas de Trump e Sanders. Trump conseguiu mover esta força de maneira demagógica à idéia de que traria os empregos de volta aos EUA, multando empresas e expulsando mexicanos e muçulmanos.

Nas antigas áreas operárias os elementos de crise orgânica e repúdio ao sistema apareceram com força, ainda que temporariamente pela direita.

Juventude não atendeu aos apelos dos Clinton

Segundo pesquisa da Universidade de Harvard, 62% dos chamados “millenials” (jovens entre 18 e 25 anos, sem oportunidades de estudo e emprego) acreditava que “há melhores formas de mudar o mundo do que votar”. 46% disse que seu voto “não muda nada” e entre aqueles que não iriam votar, mais da metade afirmava que “nem Trump nem Hillary me representam”.

Esta geração que motorizou o Occupy Wall Street e participa do movimento Black Lives Matter contra a violência racista da polícia permaneceu alheia aos apelos de Hillary. Nas eleições prévias, este setor da juventude votou massivamente em Sanders (71%) contra a candidata democrata (28%). Desiludidos com os dois mandatos de Obama, não aderiram à tese do “mal menor”, nem sequer contra Trump que rechaçam massivamente (75%, segundo a Global Strategy Group).

Um resultado que não resolve a crise de representação

A crise de representação nos EUA segue a todo vapor. Grande parte da população repudia o multimilionário. A falta de controle do sistema partidário tradicional, da mídia e das corporações imperialistas sobre todo o processo eleitoral também mostram outro fator importante: a forte polarização social não pôde se enquadrar dentro do bipartidarismo norteamericano, e os novos fenômenos políticos, também à esquerda, seguirão se desenvolvendo (como indicam os constantes protestos da população negra contra a violência estatal e as lutas pela sindicalização dos trabalhadores precários).

O perfil de Trump, agressivo, xenófobo e racista, contra os direitos elementares das mulheres, muito provavelmente exacerbará os antagonismos de classe dentro do coração do imperialismo, e enviará ondas de choque no âmbito da economia, da luta de classes e das relações interestatais em todo o mundo. No fim de ciclo da “Doutrina Obama”, será preciso ver como Trump lidará com a guerra civil na Síria e o conflito na Ucrânia, que opõem Washington a ao governo de Putin na Rússia, grande rival dos Estados Unidos e à qual Trump disse “admirar”.

Se comparamos a situação nos Estados Unidos com a de vários países da UE, vemos que a crise ou o afundamento dos partidos tradicionais e a polarização social e política, a direita e a esquerda parecem ser novo “espírito do tempo”. Tomando inspiração no conceito "crise orgânica" do marxista italiano Antonio Gramsci, a crise nos EUA, diferente dos “movimentos de conjuntura”, coloca em evidência contradições fundamentais que não podem se resolver pela política habitual. A população trabalhadora não encontrará em Trump um aliado, mas um agressivo inimigo; a população negra e latina, assim como as mulheres e a juventude, precisam se aliar à classe trabalhadora para construir uma saída independente contra esta expressão da decadência da hegemonia imperialista norteamericana.

 
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