Coletes Amarelos: Quando as massas entram em ação

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Daniela Cobet

Se o dia de 17 de novembro levantou dúvidas sobre a profundidade do processo em torno dos Coletes Amarelos, o de 24 de novembro provocou ainda mais. Escrito no dia anterior ao segundo dia de manifestações, este artigo faz um balanço da situação.

 

Centenas de milhares de pessoas, das quais muitos trabalhadores, participaram e continuam a participar de um enorme movimento espontâneo, como há muito tempo não víamos. Muito confuso, certamente, mas no qual a influência da extrema-direita, que muito a receava ou se colocava voluntariamente à frente do movimento, foi marginalizada devido ao caráter massivo que ele tomou. A importância da mobilização, com a determinação de grande parte do movimento de continuar as ações além do dia 24, a extensão qualitativa de uma versão semi-insurrecional do movimento na Reunião[2], abriu uma crise sem precedentes no governo. Talvez esteja marcando um giro na situação, em que começamos a perceber características objetivamente pré-revolucionárias. Mais uma razão, nesse contexto, para colocar a questão do posicionamento e a entrada em ação do movimento operário organizado e da juventude.

 

As origens dos Coletes Amarelos

A emergência do movimento dos Coletes Amarelos, hoje no centro da situação política, tem suas raízes na situação de crise orgânica profunda que atravessa a França e contra a qual o “macronismo” aparece cada vez mais como uma resposta conjuntural e de curto prazo, nem um pouco à altura de suas promessas nem das expectativas daqueles que o levaram ao poder. E, ainda, a arrogância do poder jupiteriano[3] e sua política de liquidação dos grupos intermediários, de curto-circuito dos mecanismos usuais de conserto, só agravaram os elementos de “crise entre representantes e representados”. Foi isso que o próprio Macron teve de reconhecer em seu discurso surrealista na Ponte Charles-de-Gaulle em 14 de novembro.

O esgotamento precoce do “macronismo”, cujo fraco bonapartismo torna os primeiros sintomas ainda mais evidentes, acelerou consideravelmente com o caso Benalla[4] e as renúncias sucessivas de Hulot e Collomb[5]. Por outro lado, na ausência de qualquer política ofensiva por parte das direções sindicais, surge uma brecha da qual outras formas de protesto tomam lugar. Frente ao bloco burguês que se encontra por trás do governo Macron, com base social estreita, e à ausência de um bloco de oposição estruturado em torno das organizações do movimento operário, assistimos ao surgimento de um “bloco populista” composto principalmente por assalariados e camadas médias pauperizadas da França periurbana. A ironia da história, sem dúvida, é que, longe de se expressar no campo eleitoral ou em torno de um líder carismático, desde a France Insoumise[6] até a Chantal Mouffe[7], como alguns poderiam ter pensado, foi da rua que este bloco populista surgiu.

Essa França periurbana ou de pequenas e médias cidades, que se encontra no centro dessa mobilização, constitui o lado perdedor de uma fratura social e geográfica profunda entre as metrópoles e a “província”. O problema não é, evidentemente, geográfico, na medida em que nessa mesma área periurbana vivem membros de classes médias superiores pertencentes ao bloco burguês macroniano, setores operários e populares, habitantes vindos da periferia de grandes cidades etc. Longe de qualquer determinismo geográfico ou oposição mecânica entre a metrópole e a periferia, veiculados por alguns jornalistas próximos à extrema-direita, é a dinâmica das classes subalternas neste espaço geográfico central. O processo de gentrificação das metrópoles, como também nas cidades periféricas, a fragmentação espacial da estrutura produtiva e da desindustrialização relativa desde os anos 1980, bem como o colapso do sistema ferroviário local em favor da completa incorporação do TGV, criaram uma situação na qual um número importante de assalariados é forçado a percorrer longas distâncias de carro para chegar ao local de trabalho e onde questões geográficas e sociais acabam por se sobrepor, evidentemente com uma primazia das sociais.

A isso devemos acrescentar a desertificação de serviços públicos de todos os tipos nesses lugares, o que requer também longas jornadas por um simples procedimento administrativo ou tratamento médico. Essa questão da destruição dos serviços públicos é crucial na medida em que o “Estado de bem-estar social” dos anos de crescimento até os anos de 1980 se apresentava como uma espécie de justificativa das receitas tributárias, tanto diretas quanto indiretas, colhidas pelo Estado como tal. É por essa razão que, historicamente, as reivindicações ou mobilizações em torno da questão fiscal tiveram principalmente um conteúdo social de direita, liberal. Esse “pacto” em torno do “Estado Provedor” foi quebrado e os impostos aparecem, então, cada vez mais aos olhos desta França periurbana como uma espécie de “punição dupla”. Ela se vê forçada a pagar cada vez mais impostos por serviços dos quais ela se beneficia cada vez menos. Nesse contexto economicamente menos “dinâmico”, com taxas de desemprego altas em algumas regiões, agravado pelo declínio geral do poder de compra (redução de cerca de 440€ nos últimos 10 anos) e por ataques contra os aposentados, o aumento do preço dos combustíveis e das taxas impostas pelo governo são vistos por essa França-que-necessita-de-carro como uma última provocação, como a última gota d’água que precipita a revolta.

O que é e o que não é o movimento dos Coletes Amarelos

O movimento resultante dessa situação é a imagem dessa França periurbana “de baixo”, profundamente heterogênea do ponto de vista social e político, ao ponto de que ainda é difícil fazer uma caracterização precisa. Alguns falam de uma forma de “jacquerie”, em referência às revoltas camponesas que atravessaram a França sob o Antigo Regime, fundamentalmente espontâneas, violentas e agregando em torno delas diferentes grupos sociais. Podemos também pensar nos movimentos explosivos que ocorreram na França no início dos anos 60, os quais retomaram métodos de luta do campesinato, constituindo-se sinais precursores de 68.

Mas, se é cedo para fazer definições precisas e previsões, é possível e necessário estabelecer, em conexão com os receios que foram e continuam sendo expressos no centro do movimento operário, o que o movimento de Coletes Amarelos não é.

Independentemente da maneira por meio da qual o governo joga a carta do “progressismo”, no terreno dos Coletes Amarelos, como nos futuros movimentos europeus contra os “extremos” e os “populistas, o que vemos não é um movimento hegemonizado pela extrema-direita. A Frente Nacional[8] e os pequenos grupos identitários tentam cooptá-lo, mas penam para consegui-lo devido a seu caráter massivo e espontâneo. Os atos racistas e xenófobos, homofóbicos ou islamofóbicos, absolutamente desprezíveis e intoleráveis, foram altamente marginais, considerando o número de bloqueios e piquetes que foram mantidos ao longo dos últimos sete dias. Como um todo, o movimento não expressa nenhuma reivindicação nesse sentido.

Também não é um movimento anti-imposto de direita, como o que deu origem ao Tea Party nos Estados Unidos, ou seja, um movimento com ideologia ultraliberal e defensor de uma redução do papel do Estado na economia, da destruição dos serviços públicos etc. Os Coletes Amarelos denunciam, principalmente, uma forma de injustiça fiscal e se opõe em seus discursos à desertificação dos serviços públicos nas regiões rurais ou periurbanas. Não é um movimento instrumentalizado por um setor patronal rodoviário ou ligado ao setor petroleiro, por exemplo, como pudemos recear, inicialmente, ou como foi o caso do último movimento de caminhoneiros no Brasil, em maio passado, ou no caso do movimento dos “Forconi”, a mobilização antifiscal que desestabilizou fortemente o governo Letta, na Itália, em 2013.

Não é um movimento composto ou estruturado fundamentalmente em torno de setores da pequena burguesia e de classes médias (artesãos, profissões liberais ou independentes), mas composto de uma fração substancial de trabalhadores e trabalhadoras, em atividade ou aposentados, empregados tanto no setor privado quanto no público ou, ao contrário, condenados ao desemprego. O número de mulheres, especialmente mulheres jovens, em piquetes e barricadas atesta não apenas a natureza excepcional da mobilização como também sua profundidade. É, portanto, um movimento certamente interclassista, mas não reacionário, que, além do mais, é hoje o principal desafio do governo Macron, envolvendo dezenas de milhares de trabalhadores. Consequentemente, é um dever das organizações do movimento operário e dos revolucionários fazer tudo que estiver ao seu alcance para desenvolver e dar uma perspectiva de classe ao processo em curso, propondo as demandas e métodos de luta da classe trabalhadora.

A esse respeito, a citação de Lênin de 1916 (https://www.marxists.org/francais/lenin/works/1916/07/19160700k.htm), que circula há alguns dias nos círculos de extrema-esquerda é particularmente esclarecedora: “Quem espera uma revolução social “pura” não viverá o suficiente para vê-la. Será um revolucionário de palavra que não compreende nada do que é uma verdadeira revolução. […] A revolução socialista na Europa não pode ser outra coisa senão uma explosão da luta das massas de todos e de cada um dos oprimidos e descontentes de todos os tipos. Elementos da pequena burguesia e de trabalhadores atrasados dela participarão inevitavelmente: sem essa participação, a luta de massas não é possível, nenhuma revolução é possível. E, também, inevitavelmente, levarão consigo seus preconceitos, suas fantasias reacionárias, suas fraquezas e seus erros. Mas, objetivamente, atacarão o capital, e a vanguarda consciente da revolução, o proletariado avançado, que expressará essa verdade objetiva de uma luta de massas  heterogênea, discordante, distinta, à primeira vista sem unidade, poderá uni-la e orientá-la, conquistar o poder, tomar os bancos, expropriar os trusts odiados por todos (mesmo que por razões diferentes!) e executar outras medidas ditatoriais que, juntas, resultarão na derrubada da burguesia e na vitória do socialismo.” (tradução livre) .

Se parafrasearmos Lênin, dir-se-ia que o movimento dos Coletes Amarelos expressa precisamente essa massa de pequeno-burgueses empobrecidos e de assalariados que constituem a grande massa social do mundo do trabalho, e não seus setores mais avançados, com, consequentemente, seus preconceitos e suas ideias: muitas vezes não sindicalizados, mas nem sempre; às vezes base eleitoral da Frente Nacional ou, então, da França Insubmissa [France Insoumise, do francês], certamente abstencionistas por despeito, em grande parte, pouco acostumados com greves e ainda menos com confrontos com a força policial, com mil ilusões sobre a forma como a situação poderia melhorar se a tensão fiscal viesse a ser afrouxada etc. No entanto, seu movimento, hoje, entra em contradição, objetivamente, com a orientação da patronal e ataca frontalmente Macron e seu governo.

Classes médias e a extrema-direita

Isso não quer dizer que não haja perigo de capitalização do processo atual pela extrema-direita. Pelo contrário. É isso que enfatiza a jornalista Céline Cornudet no Les Echos[9]: “Falar a estes franceses, Coletes Amarelos e simpatizantes, ao invés de vincular-se ao próprio movimento. Marine le Pen conhece esse motor político e sabe também que os acessos de febre podem terminar repentinamente. O que interessa, mais do que o movimento em si, é o que ele revela e os traços que ele deixará: o “sofrimento”, a “angústia” que 75% dos franceses expressam quando pensam no futuro, mais do que a “raiva” de um momento. Sobreviver aos Coletes Amarelos. Dezoito meses após o debate antes do segundo turno [das eleições presidenciais], ela assegura que as imagens foram apagadas e que é ela que desfruta agora de um “alinhamento dos planetas”: queda de Macron nas pesquisas, importância da questão social enquanto uma parte de suas tropas a intimavam a concentrar na questão da imigração (“Eu combato igualmente o desmantelamento e a desapropriação”), impulso populista na Europa e, enfim, a proximidade das eleições europeias que são favoráveis a ela.”

Em termos gerais, a situação é caracterizada por uma aceleração brusca da situação política, com tendências crescentes à ação direta e a formas de radicalização, inclusive nos setores menos politizados. Seguindo a lógica desenvolvida por Trotsky durante a década de 30, mesmo que o movimento atual tenha um forte componente operário, esse tipo de processo pode reforçar as tendências à revolução tanto quanto à contra-revolução fascista. É nesse sentido que a situação desenvolve cada vez mais traços pré revolucionários. Em “Aonde vai a França?”[10], de 1934, Trotsky descreve o estado de espírito da pequena-burguesia: “A pequena burguesia, encarnada pelas massas arruinadas das cidades e do campo, começa a perder a paciência. (…) O camponês pobre, o artesão e o pequeno comerciante se convencem de que um abismo os separa de todos esses prefeitos, esses advogados, esses arrivistas políticos (…) que , por seu modo de vida e por suas concepções, são grandes burgueses. É precisamente essa desilusão da pequena burguesia, sua impaciência, seu desespero, que o fascismo explora. Seus agitadores estigmatizam e maldizem a democracia parlamentar que respalda carreiristas (…) mas nada concede aos pequenos trabalhadores.”.

Mas, longe de concluir que a passagem da pequena burguesia ao fascismo é inevitável, Trotsky irá insistir ao longo de todo o período na necessidade do proletariado para disputar a influência sobre essa camada da sociedade: “A pequena burguesia é economicamente dependente e politicamente fragmentada. Por isso não pode ter uma política própria. Necessita de um “líder” que lhe inspire confiança. Esse líder individual ou coletivo, indivíduo ou partido, pode ser fornecido por uma ou outra das duas classes fundamentais, seja pela alta burguesia, seja pelo proletariado. O fascismo unifica e arma as massas dispersas; de uma “poeira humana” – segundo nossa expressão – faz destacamentos de combate. Assim, dá à pequena burguesia a ilusão de ser uma força independente. (…) Mas a pequena burguesia pode também encontrar seu líder no proletariado. Assim ocorreu na Rússia e, parcialmente, na Espanha. Tendeu a isso na Itália, na Alemanha e na Áustria. Infelizmente, os partidos do proletariado não estiveram à altura de sua tarefa histórica. Para atrair a pequena burguesia, o proletariado deve conquistar a sua confiança. E, para isso, deve começar por ter confiança em suas próprias forças. Precisa ter um programa de ação claro e estar determinado a lutar pelo poder por todos os meios possíveis.”

Enquanto alguns podem culpar a extrema-esquerda, ou alguns de seus componentes, por ver apenas as possibilidades e não os perigos de uma situação como a que vivemos, é interessante debruçar sobre as análises de especialistas da extrema-direita, impossíveis de serem chamados de “esquerdistas”, como Jean Yves Camus, diretor do Observatório de Radicalidades Políticas[11]. “A recuperação, ele ressalta em uma entrevista, não está de maneira alguma ditada por Marine Le Pen. Não é porque alguns militantes do RN[12] estão participando de barricadas que eles serão acolhidos de braços abertos e que todos nesta barricada votarão, consequentemente, no RN. Talvez muitos desses manifestantes não acreditem mais em nada; nem no RN, nem mesmo no voto, nas eleições. Esse movimento parece ter escapado de todos os representantes políticos, incluindo Marine Le Pen. Então, eu me pergunto se este discurso anti-sistema hoje muito presente não seria um sinal de que a época de Marine Le Pen e do Rassemblement National já ficou pra trás. Pode ser um sinal de que nós já passamos a outra coisa.”

 

O papel nocivo das direções sindicais e as tendências progressistas na base do movimento de trabalhadores

É por isso que é crucial que o movimento operário tenha uma política hegemônica frente ao movimento dos Coletes Amarelos e por que a política das direções sindicais desempenham hoje uma um papel de divisão altamente prejudicial: basta observar as declarações de Laurent Berger, pela Confederação Francesa Democrática do Trabalho[13], as falas do novo “patrão anti-Coletes Amarelos” da  FO[14] , ou ainda as declarações da CGT[15] com seu comunicado que nem sequer ousa a nomear os manifestantes, a não ser de maneira alusiva, e que chama por um dia de ação “alternativa” dia primeiro de dezembro, desconectada da dinâmica atual e de qualquer plano sério de luta.

A tarefa do movimento deve ser justamente combater essa divisão e assegurar que o movimento organizado de trabalhadores assuma seu lugar, com seu programa e seus métodos, na mobilização atual.

Hoje, alguns elementos demonstram que esse objetivo é possível. Vejamos, por exemplo, o apelo de várias estruturas intermediárias da CGT, como a Federação de Química[16] ou a UD13[17] , ou o da Força Operária Rodoviária[18] chamando por dias de greve por salários em conexão com a mobilização dos Coletes Amarelos. Há também o início de uma junção entre os Coletes Amarelos e o núcleo operário da CGT que entrou em greve na refinaria da Mède, perto de Marselha, e depois com os estivadores em Le Havre e em Calais. Observemos também o caso de Perpignan, onde uma delegação de Coletes Amarelos foi bater na porta da UD CGT propondo que a se juntar a eles. Na capital, como em outras cidades, delegações do movimento de trabalhadores organizado, principalmente da parte dos ferroviários, devem acompanhar, com suas próprios uniformes, os Coletes Amarelos durante o dia 24.

Em geral, há uma evolução palpável nesse terreno em ambas as direções. De um lado, o apoio ao movimento cresce mais entre os simpatizantes da esquerda radical do que da extrema-direita: 83% dos simpatizantes da Front National apoiam a continuação do movimento contra 92% dos da France Insoumise. Os Republicanos[19], a direita anti-imposto, acreditam que há um pouco de anarquia em excesso. Se o apoio de primeiro momento começar a resfriar, o real movimento dos Coletes Amarelos provavelmente tirarão conclusões de sua própria experiência.

Após o bem-sucedido dia 17, frente à recusa em ceder do governo enfraquecido mas ainda determinado a reformar o país custe o que custar, a questão de como dar continuidade ao movimento começa a ser colocada abertamente pelos Coletes Amarelos. Frente à impossibilidade concreta de manter os bloqueios durante a semana, a ideia de chamar outros setores começa a circular muito rapidamente nas redes sociais dos Coletes Amarelos, às vezes com uma proposta de calendário para que os condutores de ambulância, os motoristas, ferroviários etc se revezem de maneira a também assumirem papel na mobilização. Vemos também emergir uma reflexão e uma evolução em relação aos métodos de luta, com frequente apreciação crítica do bloqueio de vias, em favor de um método que mire principalmente as grandes empresas e os símbolos do Estado.

E agora?

É hora de para toda procrastinação e de agir para que os trabalhadores, os estudantes e a juventude juntem, com suas próprias bandeiras, ao movimento , o que seria a melhor localização para que os anticapitalistas e revolucionários tragam à mobilização uma estratégia e um programa para fazer ceder Macron e seu universo. Enquanto lutamos contra cada deriva racista ou homofóbica dentro do movimento, como também contra a repressão militar e, principalmente, aquela aos movimentos da região ultramarina francesa, está na ordem do dia formular da maneira mais audível possível uma espécie de “programa operário contra a vida cara”, que passaria pela constituição de comitês de ação locais contra a vida cara, reunindo a nível local os Coletes Amarelos, mas também outros trabalhadores em luta, sindicalistas combativos, estudantes [1] e quem se colocar em disposição de luta.

  • Aumento generalizado de salários, aposentadorias, rendas mínimas (revenu minimum ou minima sociaux, em francês) que ao menos permitam a recuperação do poder de compra perdido nos últimos dez anos (400€ para todos!) e sua indexação sobre a taxa de inflação.
  • Abolição da TIPP (Imposto Interno sobre os Derivados de Petróleo – Taxe Intérieure sur les Produits Pétroliers, em Francês) e todos os impostos indiretos, como o TVA (Imposto sobre valor agregado – Taxe sur la valeur ajoutée, em francês); fim dos pedágios e implementação de uma taxação realmente progressiva que tribute grandes fortunas e o capital.
  • Nacionalização sob o controle dos trabalhadores da Total e de todos os grupos petrolíferos.
  • Contratação massiva de funcionários públicos nas escolas, hospitais, transportes; construção de novas estruturas locais nas áreas periurbanas; revogação da reforma ferroviária que elimina as pequenas linhas de trem.

Para fazer ecoar o aspecto mais político do movimento dos Coletes Amarelos, que se cristalizou parcialmente na palavra de ordem “Macron, renúncia!” e que exprime uma desconfiança em relação às instituições e à casta política em geral:

  • Contra a V República; supressão da função “monárquica” do Presidente; dissolução do Senado aristocrático, por uma câmara única que associe os poderes legislativo e executivo, na qual os deputados seriam eleitos pela base em assembléias locais, permanentemente revogáveis por seus eleitores, recebendo o salário médio de um trabalhador qualificado.

Tais medidas podem fazer avançar a luta por um verdadeiro governo de trabalhadores e setores populares, o que constituiria uma saída realmente revolucionária contra essa ditadura de uma minoria de ricos e grandes capitalistas que nos governam. Essas consignas fazem eco aos traços mais “anti-sistema” e radicais do movimento dos Coletes Amarelos, aos quais os revolucionários devem dar uma resposta, programática e na ação, à altura de suas demandas.

Notas:

[1] Em 1935, Trotsky propõe a estruturação de “comitês de ação da Frente Popular” (http://esquerdadiario.com.br/ideiasdeesquerda/?p=653) para organizar em escala local a base da Frente Popular. Para isso, ele defende a ideia da constituição de comitês de ação eleitos: “Cada duzentos, quinhentos ou mil cidadãos que, em uma dada cidade, bairro, fábrica, em um quartel, em uma aldeia, aderem à Frente Popular, deve, ao longo dos combates, eleger o seu representante no Comitê de Ação local. Todos os participantes da luta se comprometerão a reconhecer sua disciplina. (…) É verdade que podem participar nas eleições dos Comitês não apenas os operários, mas também os empregados, os funcionários, os veteranos de guerra, os artesãos, os pequenos comerciantes e os pequenos camponeses. Dessa maneira, os Comitês de Ação não poderiam ser melhor resposta para a tarefa da luta do proletariado pela influência sobre a pequena burguesia. (…) O grande perigo na França reside no fato de que a energia revolucionária das massas se despedaça, em explosões isoladas, como em Toulon, Brest, Limoges, e dá lugar à apatia. Somente os traidores conscientes ou um idiota desesperado é capaz de pensar que na atual situação se pode manter as massas na imobilidade até que a Frente Popular caia do céu. Greves, protestos, manifestações de rua, insurreições diretas são completamente inevitáveis na atual conjuntura. A tarefa do partido proletário não é frear e paralisar esses movimentos, mas unificá-los e dar-lhes força máxima.”

Revisão da tradução: Paula Almeida

 

[1] Título original: “Gilets Jaunes. Quand les masses entrent en action”. Tradução de Lina Hamdan a partir do original em francês disponível em https://www.revolutionpermanente.fr/Gilets-Jaunes-Quand-les-masses-entrent-en-action

[2] Departamento francês ultramarino.

[3] A imprensa francesa atribuiu a alcunha irônica ao presidente, que se comporta como se fosse o Deus Júpiter, pai dos deuses na mitologia romana.

[4] Benalla é um caso judiciário e político francês em andamento envolvendo Alexandre Benalla, que atuou como oficial de segurança e chefe-adjunto do gabinete do presidente francês Emmanuel Macron.

[5] Nicolas Hulot, Ex-ministro do Meio Ambiente, e Gérard Collomb, Ex-ministro do Interior, que renunciaram nos dias 28 de agosto de 2018 e 2 de outubro de 2018, respectivamente.

[6] Movimento político de esquerda liderado por Jean-Luc Mélenchon.

[7] Cientista política pós-marxista belga, intelectual reformista do difuso campo político chamado “populismo de esquerda”.

[8] Front National, em francês.

[9] Disponível em: https://www.lesechos.fr/politique-societe/politique/0600190078687-le-pen-et-la-france-des-juste-en-dessous-2223659.php

[10] Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/trotsky/1934/franca/cap01.htm

[11] ORAP, Observatoire des Radicalités Politiques, em francês.

[12] Rassemblement National, ex-Front National, partido liderado por Le Pen.

[13] Confédération Française Démocratique du Travail, em francês. Uma das maiores confederações interprofissionais de sindicatos franceses.

[14] Força Operária ou Force Ouvrière, em francês. Terceira maior confederação sindical francesa.

[15] Confederação Geral do Trabalho ou Confédération Générale du Travail, em francês. Principal confederação de sindicatos de assalariados da França.

[16] Fédération Chimie, em francês.

[17] União departamental 13 ou Union Départamentale 13, em francês.

[18] FO routier, em françes.

[19] LR, Les Républicains, em francês.

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