Trump e Bolsonaro, diferenças e semelhanças da extrema direita no imperialismo e na periferia do sistema

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imagem: Juan Chirioca

Por Fernanda Montagner

 

O Brasil passa por dias de crise. A ascensão do candidato Jair Bolsonaro como favorito no segundo turno é um fenômeno com peso internacional. O crescimento de uma extrema direita bonapartista, que é herdeira da ditadura sanguinária e de uma elite escravocrata atrasada e reacionária, num país continental como o Brasil, é um fato de importância global e que na América Latina pode ser um ponto de inflexão regional para a ingerência americana. Após a crise de 2008 vimos emergir em vários países a extrema direita fascista, Donald Trump é um marco desse crescimento no seio do imperialismo americano, Bolsonaro faz parte desse fenômeno mas sendo a expressão da direita num país de desenvolvimento capitalista atrasado, com uma política entreguista e neoliberal.

 

Muitos jornais internacionais vem buscando comparações com outros governos e fenômenos de extrema direita pelo mundo, para entender o fortalecimento de Bolsonaro. O Financial Times escreveu como o crescimento do reacionário, é o mais recente capítulo de uma história que se desenrolava sobre a destruição das “normas liberais” e o surgimento de um novo populismo de direita. Incluindo Bolsonaro em “um clube global de líderes fortes que vai de Vladimir Putin na Rússia, Xi Jinping na China, Narendra Modi na Índia, Recep Tayyip Erdogan na Turquia, Rodrigo Duterte nas Filipinas, Viktor Orban na Hungria e, claro, Donald Trump em nos EUA”.

 

Se é certo que todos eles são governos de extrema direita, resultado do desenvolvimento da crise de 2008,  nem todos buscam destruir o liberalismo como política econômica, e aqui vale uma diferenciação fundamental aos marxistas: a burguesia de extrema direita dos países atrasados e semi coloniais são entreguistas e subjugadas ao imperialismo, nesse sentido adotam uma política econômica ultra liberal – como a política econômica proposta por Paulo Guedes – já as burguesias imperialistas em crise adotam uma política de nacionalismo econômico. Nesse sentido, com um signo anti globalizante. 

Essa política protecionista dos países imperialista, com destaque nos EUA, e entreguista nos países atrasados, não é puramente uma escolha de agenda. Há dois processos estruturais que em última instância estão fazendo quebrar a estabilidade da ordem do pós-Guerra Fria e em certa medida explicam a ascensão de Trump. Trata-se de um salto na declinação hegemônica norte-americana por um lado,  que assume de outro a emergência da China como “competidor estratégico” dos Estados Unidos, e em menor medida e com mais contradições, a atividade de outras potências regionais como a Rússia. Em linhas gerais, Trump expressa a vontade de uma fração da classe dominante e do aparato estatal norte-americano de reverter essas coordenadas mediante um programa nacionalista reacionário e a reconcentração do poderio militar, sintetizado na consigna “America First”.

A teoria do imperialismo que aponta os traços desse estágio do capitalismo, que contem a divisão do mundo entre países imperialistas e distintos tipos de países atrasados que são espoliados, é a base para compreender a diferença dos fenômenos de direita nos países imperialistas, dependentes e semicoloniais no momento da crise econômica. Ao contrário do que se propagou sobre a possibilidade de um desenvolvimento harmônico do capitalismo, superando as fronteiras nacionais – como na União Europeia –  o que vemos, na realidade, com o esgotamento desse antigo consenso globalizador e neoliberal fruto da crise de 2008, é justamente a volta de fenômenos clássicos, como o nacionalismo nos países centrais, não só Trump, mas também o Brexit e a direita anti-imigrantes na Europa. 

 

O principal imperialismo do mundo na voz de Trump já não adota a defesa dos “valores da globalização”. Os EUA buscam impor seus próprios interesses acima dos demais, e obriga o restante a atuar da mesma forma. Trump voltou a colocar no centro a disputa entre “estados nação“ em detrimento das tendências globalizadoras, o que significa perseguir mais agressivamente o interesse nacional em detrimento do resto. Essa política é parte da disputa de influência global com a China, para tentar manter a hegemonia débil norte americana. Leia-se também: ter mais políticas intervencionistas nos países atrasados e semicoloniais, para garantir zonas de influência pelo mundo. 

Voltando à ascensão de uma extrema-direita no Brasil, é impossível entender o fenômeno de Bolsonaro sem olharmos o que foi a política da Lava-Jato, que garantiu a prisão arbitrária de Lula e essas eleições manipuladas. Também fortaleceu o discurso anti corrupção ajudando a criar a ideia de “homens fortes” messiânicos no combate a corrupção, como o perfil de Bolsonaro, ou mesmo do juiz Sergio Moro, que foi tratado como herói nas marchas de direita desde 2015.

Mas também a pressão por privatizar enormes empresas como a Petrobrás e a Eletrobrás, e a politização das Forças Armadas são expressões dos interesses imperialistas no país. Na América Latina há mais exemplos da ingerência imperialista, como a situação em Honduras, a enorme crise na Venezuela, a crise na Nicarágua, a própria situação da Argentina com as medidas impostas pelo FMI.

Nesse marco, que se é possível entender as diferenças e semelhanças de Trump e Bolsonaro: Trump adotou um discurso protecionista e uma plataforma de guerra comercial, e Bolsonaro fez-se um entreguista ultraneoliberal, um servo subserviente do imperialismo. Mas ambos se assemelham no sentido de serem figuras da extrema direita que aproveitaram o sentimento de rechaço a política tradicional. E ambos se fortalecem nas ideologias burguesas mais reacionárias, como o racismo, o machismo e a homofobia, mas também a xenofobia.

Mas Bolsonaro vai além, na escória humana que é, e elogia a ditadura, diz coisas como “a ditadura deveria ter matado mais”, e além do ataque as questões democráticas, Bolsonaro tem um discurso ideológico contra o comunismo e o “ativismo”.  Quando ocorreu o golpe institucional contra a ex-presidente Dilma Rousseff, Bolsonaro dedicou seu voto pró-golpe ao Coronel Brilhante Ustra, um homem que liderou o esquadrão de tortura.

No Brasil essas menções a ditadura são possíveis pois a transição se deu de forma pactuada e sem revelar todos os crimes e torturas ocorridos na época. O governo de Bolsonaro será composto por uma série de militares, além de seu vice Mourão, também Augusto Heleno que já essa semana se reuniu com o general Vilas Boas. O exército está tendo cada vez mais peso no regime, e mostra como as pessoas têm menos ressentimento contra os militares. Outro fato que mostra que as forças armadas desfrutam de uma forte credibilidade, foram os diversos candidatos militares nessa eleição.

Nesse sentido não vivemos um golpe militar clássico, mas vemos o crescimento do autoritarismo do regime, e o provável governo Bolsonaro. Formando um governo bonapartista de direita que tem como objetivo constituir uma correlação de forças à direita para implementar principalmente a reforma da previdência e as privatizações. É a alternativa autoritária para tentar resolver a crise orgânica aberta em junho de 2013 e acabar com o antigo consenso gradualista da época dos governos pós neoliberais, como o PT.

O discurso ideológico de Bolsonaro que retoma um balanço do final da ditadura, ligado à promessa de que em seu eventual governo “não irá mais ter ativismo”, é um sinal para a burguesia que para fechar a relação de forças que se mantém na ideia de gradualismo e das lutas ocorridas contra o golpe e as reformas. O Brasil é um país gigante com grandes áreas estatais, como o SUS, a rede pública de ensino, as faculdades, áreas que em outros países foram totalmente privatizadas durante a ditadura, como no Chile, e que no Brasil se mantiveram públicas e que agora estão sujeitas de ataques. Não por acaso é justamente Paulo Guedes, que foi parte da escola de Chicago, que por sua vez como doutrina econômica liberal teve influência na ditadura chilena. Ou seja, um neoliberal convicto e entreguista.

Dessa forma diferenciamos a característica aparentemente global desses governos de extrema direita, apesar de Bolsonaro tentar usar dessa retórica como “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, quando na verdade não seria Deus, mas sim os EUA acima de todos. Já nos países imperialistas esse nacionalismo é parte de uma política protecionista e de disputa, Marine Le Pen na França também usa desse discurso, como na época da disputa presidencial disse que a União Europeia impede o desenvolvimento econômico da França, ligado a um discurso xenofóbico e anti imigrantes.

A questão dos imigrantes que afeta distintos países imperialista, é outra cara do que fomenta o nacionalismo. Com a crise e o desemprego nacional, a direita fomenta o ódio aos imigrantes como se estes roubassem os empregos da classe trabalhadora nascida no país, sendo mais uma forma de dividir a classe trabalhadora mundial. Contudo a crise migratória é justamente resultado da própria intervenção imperialista nos processos da primavera árabe e no colonialismo africano.

Essa base para o desenvolvimento de fenômenos políticos novos, conflui com a crise do neoliberalismo, a decadência da hegemonia norte americana, a abertura de crise com os partidos tradicionais em diversos países, corroendo o velho bipartidarismo, a alternância entre socialdemocratas e conservadores, ou seja, a política de “centro” dentro do consenso neoliberal, abrindo assim espaço para expressões à direita mas também à esquerda. Um fato recente importante sobre o crescimento da extrema direita, foi na Alemanha, que era o bastião da estabilidade e conservadorismo, a principal potência regente da UE: a “era Merkel” está chegando ao fim. Nas eleições de setembro os dois grandes partidos sofreram uma derrota e emergiu a Alternativa pela Alemanha, um partido de extrema direita que pela primeira vez acessou o parlamento. Ainda que Merkel tenha conseguido formar um governo de coalizão com o SPD, este é um governo fraco surgido depois de meses de negociações com um custo alto.

Bolsonaro entra  no rol da extrema direita mundial com discurso anticomunista e ideológico da Guerra fria

O Brasil há mais ou menos 10 anos teve estampado na capa do The Economist a imagem do cristo redentor decolando, como exemplo do desenvolvimento da democracia latino-americana com o ex presidente Lula como figura renomada, que fez banqueiros lucrarem como nunca enquanto criou um consenso de conciliação de classes. Agora entra na lista dos países que tem o crescimento da extrema direita chegando ao governo. Já colocamos em outros textos os motivos desse crescimento, mas o que nos cabe aqui é ver o peso internacional que terá uma das maiores democracias capitalistas ser comandada por uma figura reacionária e elogiosa da ditadura, ainda é difícil medir, mas terá impacto na relação de forma mundial.

O Brasil viveu mais de 20 anos de ditadura militar, que também foi uma política imperialista contra os processos de luta de classes no continente, Bolsonaro não só elogia a ditadura, mas retoma o discurso anticomunista desse período com o intuito de atacar primeiramente a vanguarda das lutas. Tentar criminalizar todo ativismo, enquanto fala contra o PT busca na realidade atacar as possíveis expressões espontâneas de luta, do movimento estudantil e operário. Assim como atacar os verdadeiros comunistas, dos quais o PT esta longe de ser.

A direita nos países semicoloniais é parte de garantir os interesses imperialista no país enquanto lidam com uma classe trabalhadora enorme e fortíssima, pela própria debilidade dessa burguesia nacional, ela tem menos “colchões democráticos”, precisando usar das burocracias operarias e da força como formas constantes de dominação. Muitos jornais relacionaram o Bolsonaro com o presidente Filipino, Rodrigo Duerte, que chegou ao poder nas Filipinas em 2016 com discurso semelhante pautado no desespero com o crime e a corrupção. Desde que chegou ao escritório, o Sr. Duterte desencadeou na polícia esquadrões da morte contra suspeitos criminosos. Ele também ordenou a prisão de opositores políticos.

Nesse cenário, a resposta a ultradireita é criar força ativa, militante e profundamente ideológica contra os ataques da direita. Apostar a que a própria classe trabalhadora conquiste sua força política com um programa anticapitalista que se proponha tomar o poder. Nesta batalha, contra a direita e a política do nacionalismo burguês, os marxistas revolucionários podem fazer a diferença, dando um conteúdo concreto ao internacionalismo de combate: o fortalecimento de correntes revolucionárias no movimento operário, de mulheres e na juventude, que possam articular uma força material partidária para preparar a destruição do capitalismo.

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