“Projeto” de educação de Jair Bolsonaro: ajuste neoliberal no interior do conservadorismo

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Ilustração: Juan Chirioca

 

Por Mauro Sala

 

 

Do kit anti-homofobia ao “Escola sem Partido”

 

As primeiras investidas de Bolsonaro sobre a educação se deram por conta de um material promovido pelo MEC para discutir a homofobia na escola. O candidato da extrema direita fez um alarde em cima desse material e logo o batizou de “kit gay”, dizendo que se tratava de um manual para promover a homossexualidade nas escolas. Bolsonaro foi desmascarado diversas vezes sobre isso, embora a histeria criada fosse, para alguns, insuperável. Na época, o governo do PT capitulou e não distribuiu o material da campanha de combate à homofobia para as escolas, demonstrando fragilidade contra o assédio conservador do então deputado.

 

Logo depois, quando da aprovação do Plano Nacional de Educação (PNE 2014-2024), um novo assédio conservador incidiu sobre as políticas educacionais. Com Marco Feliciano tomando protagonismo, a bancada reacionária conseguiu retirar a promoção da igualdade de gênero das metas do Plano. Mais uma vez o governo do PT capitulou, aceitando a ofensiva da direita, e homologou o PNE integralmente. Estava dado a senha para a sanha reacionária tomar a ofensiva.

 

O fortalecimento do movimento “Escola sem Partido” é produto desses ataques preliminares e das capitulações sucessivas do PT. O debate sobre a “doutrinação esquerdista” nas escolas e as diversas formas de assédio contra professores criou um fantasma que passou a rondar as escolas brasileiras, se tornando um forte elemento de agitação da direita mais reacionária na educação, apontando, inclusive, para um processo ainda maior de militarização da educação e das escolas.

 

A ala extrema direita do golpismo

 

Entretanto, as investidas de Bolsonaro sobre a educação não ficaram por aí. Desde seu voto em nome de Carlos Alberto Brilhante Ultra (torturador e assassino notório durante a ditadura civil-militar), ele vem tentando se apresentar como o político antissistema que teria independência para colocar o país nos eixos. O que ele busca esconder é que ele foi favorável aos principais ataques aos direitos dos trabalhadores, votando favorável à reforma trabalhista e covardemente se abstendo na votação da lei da terceirização (seu filho, Eduardo Bolsonaro, votou favoravelmente). Só por aí, já vemos que Bolsonaro não é apenas um político machista, LGBTfóbico e racista, mas também representa uma política anti-trabalhador.

 

Além de fazer parte do campo golpista nos ataques aos trabalhadores, Bolsonaro, que sempre diz ser um homem firme em suas posições, mudou de ideia depois de jantar com Michel Temer e votou a favor da Emenda Constitucional 95, que estabeleceu um teto de gastos primários do governo para os próximos vinte anos, a chamada emenda do teto. Sabemos que essa EC 95 afetará fortemente o investimento em direitos sociais como saúde e educação, mantendo um cenário de baixo investimento e apontando para uma precarização ainda maior no oferecimento desses serviços. Bolsonaro também votou favoravelmente à Reforma do Ensino Médio, que significará um imenso retrocesso nas políticas para essa etapa do ensino básico, que cria um ensino médio com menos conteúdo e mais privatização.

 

Assim, apesar de suas declarações histriônicas, vemos que Bolsonaro nunca apresentou independência em suas posições. Ele nunca apresentou nenhuma política própria, sendo apenas a ala mais à direita de um governo golpista que atacou os trabalhadores e a educação. Bolsonaro, em todos os ataques que promoveu, esteve ao lado do governo de Michel Temer.

 

Um projeto ajustador e reacionário para a educação

 

Essas duas batalhas dadas por Bolsonaro, contra a pretensa doutrinação e sexualização das crianças nas escolas e pelos cortes no orçamento, aparecem em seu plano de governo intitulado “O caminho da prosperidade”. Consequente com o voto dado em favor da emenda do teto, Bolsonaro assevera que não temos um problema de financiamento da educação. Para ele, “é possível fazer muito mais com os atuais recursos!” e completa dizendo que esse é o seu compromisso. Ou seja, Bolsonaro não pretende investir nenhum real a mais para a melhoria da educação no país, mesmo depois de cortes sucessivos no orçamento da área.

 

Assim, Bolsonaro faz da meta de investimento público em educação, estabelecida pelo PNE, letra morta. Os cerca de 5% do PIB que o país investe atualmente é o patamar máximo de investimento que o programa de governo de Bolsonaro pretende manter, desrespeitando as metas de 7% do PIB para 2019 e 10% para 2024, como estabelecido na lei 13.005/2014.

 

Para justificar o teto de gasto programático com educação, Bolsonaro diz que “dados da ONU indicam que o nível de gastos que o Brasil tem com educação é incompatível com o péssimo nível educacional dos estudantes”. Para isso ele utiliza simplesmente a proporção do PIB investindo em educação, que entre 2010 e 2014 era cerca de 5,9%.

 

Assim, o candidato da extrema-direita reivindica os exemplos do Japão, Coreia do Sul e Taiwan, como exemplos de países que, apesar de um investimento público relativamente baixo do PIB em educação, como no caso do Japão, teriam um resultado muito bom nas avaliações internacionais. O que Bolsonaro esconde é que o investimento em educação em relação ao PIB não mostra, por si só, o investimento real na educação de nossos jovens, podendo ocultar grandes distorções.

 

Todos esses exemplos utilizados por Bolsonaro tem um investimento por aluno muito maior que o nosso. O Brasil ainda investe por aluno pouco mais da metade do que investem os países desenvolvidos. Enquanto a média da OCDE é de cerca de US$ 10.759 anuais, o país investe cerca de US$ 5.610 anuais, contando todos os níveis de ensino, segundo estudo da própria OCDE. O Japão, Coreia do Sul e Taiwan investem mais que a média.

 

Nos anos finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio a situação é ainda pior. O Brasil gastou anualmente cerca US$ 3,8 mil por aluno desses ciclos e está entre os últimos na lista dos 39 países que forneceram dados a respeito. A média nos países da OCDE nos últimos anos do Fundamental e no Médio é de US$ 10,5 mil por aluno, o que representa 176% a mais do que o Brasil.

 

Mas como Bolsonaro é um ajustador, não pretende alterar esse quadro. Ele propõe simplesmente seguir com a política do teto de gasto imposta pelo governo golpista de Michel Temer e seguir com uma educação onde o subinvestimento e a precariedade se tornam um programa. Acho que é o único plano de governo que eu vi na minha vida em que está escrito que o país já investe muito em educação e que por isso não investirá nem um tostão a mais na área, mesmo que a realidade prove a necessidade.

 

Para manter o teto do governo golpista e seu plano de nenhum dinheiro a mais para a educação, Bolsonaro precisa atacar ainda mais o direito da juventude de frequentar a escola. Por isso seu plano de governo defende a ampliação da educação a distância que “deveria ser vista como um importante instrumento e não vetada de forma dogmática. Deve ser considerada como alternativa para as áreas rurais onde as grandes distâncias dificultam ou impedem aulas presenciais”. Ou seja, para não ter que investir para se garantir o direito à escola da população rural, Bolsonaro propõe simplesmente o ensino a distância como saída.

 

Mas Bolsonaro não pode simplesmente dizer que não vai investir nenhum real a mais na educação pública. Para manter seu discurso reacionário e tentar convencer os incautos, ele precisa pontuar isso com as bravatas reacionárias contra a “doutrinação e a sexualização precoce” e pela “expurgação da ideologia de Paulo Freire”, já que, para ele, “um dos maiores males atuais é a forte doutrinação”. Toda essa cantilena reacionária busca trazer um setor reacionário para a sua política, buscando colocar em segundo plano o que aparece como central em seu projeto: os cortes e ajustes na educação.

 

 Um projeto de Universidade para as empresas e o empreendedorismo

 

O projeto de Bolsonaro para o ensino superior é alinhá-lo e submetê-lo ainda mais aos interesses do capital. Para ele, as Universidades “devem desenvolver novos produtos, através de parcerias e pesquisas com a iniciativa privada”, já que, segundo seu plano de governo “o modelo atual de pesquisa e desenvolvimento no Brasil está totalmente esgotado. Não há mais espaço para basear esta importante área da economia moderna em uma estratégia centralizada, comandada de Brasília e dependente exclusivamente de recursos públicos”.

 

O problema é que as grandes empresas transnacionais preferem manter seus setores de pesquisa e desenvolvimento junto às suas matrizes, relegando para os países dependentes apenas a produção do produto final. Isso não acontece apenas com o Brasil. Como regra, o investimento em pesquisa e desenvolvimento nos países dependentes tende a ter maior peso estatal do que privado. Regredir os recursos públicos em pesquisa e desenvolvimento não fará com que as empresas privadas inundem o setor de recursos, mas apenas relegará o país a um atraso e uma defasagem tecnológica ainda maior. Esse é o projeto do nacionalista mais entreguista da extrema direita.

 

Embora diga que é contrário à doutrinação ideológica, Bolsonaro defende enfaticamente que “as universidades, em todos os cursos, devem estimular e ensinar o empreendedorismo. O jovem precisa sair da faculdade pensando em como transformar o conhecimento obtido em enfermagem, engenharia, nutrição, odontologia, agronomia, etc, em produtos, negócios, riqueza e oportunidades. Deixar de ter uma visão passiva sobre seu futuro”. É claro que essas “oportunidades” se darão no mercado de trabalho flexibilizado pela reforma trabalhista e pela ampliação da terceirização que Bolsonaro tanto apoia. Daí a necessidade de se defender uma visão pró-ativa, como a ideologia daqueles que buscam se equilibrar na precariedade. Por isso ele diz que é preciso “fomentar o empreendedorismo para que o jovem saia da faculdade pensando em abrir uma empresa” e não pensando em ter um emprego.

 

A ligação com a ideologia empresarial vai ainda mais além. Para ele, as pesquisas nas pós-graduações que não tiverem um vínculo com as empresas são um conhecimento estéril. Como podemos ler em seu plano de governo, “a pesquisa mais aprofundada segue um caminho natural. Os melhores pesquisadores seguem suas pesquisas em mestrados e doutorados, sempre próximos das empresas. O campo da ciência e do conhecimento nunca deve ser estéril”.

 

Um projeto miserável para a juventude

 

Assim, vemos que o programa de Bolsonaro para educação vai bastante além da histeria que ele criou contra a “doutrinação esquerdista nas escolas”. A política para a educação de Bolsonaro é a continuação da política educacional do golpe e seu plano de ajustes e ataques contra os trabalhadores. Seu projeto para a educação passa pela militarização, pelo “Escola sem Partido”, pela perseguição de professores e pela proibição do debate sobre gênero e sexualidade nas escolas, mas ele é, sobretudo, um projeto de cortes, precarização e alinhamento da educação com os interesses empresariais. O programa do Bolsonaro é o do nenhum centavo a mais para a educação, para a ciência e para pesquisa no país. É um projeto de formação da juventude alinhado com a miséria que a reforma trabalhista e a lei da terceirização relegará aos trabalhadores. Enfim, é parte do projeto antitrabalhador que a extrema direita, os golpistas e os capitalistas querem oferecer para a juventude.

 

As eleições se aproximam e não temos certo que Bolsonaro, apesar de estar em primeiro lugar nas intenções voto no primeiro turno, sairá vencedor. Penso até que o mais provável é que isso não ocorra. Entretanto, uma eventual derrota na urna de Bolsonaro não significa a derrota total do projeto que ele vocaliza. O fortalecimento de seu projeto, com o mix de liberalismo privatista e precarizador com autoritarismo, antiesquerda e pró-militarização, seguirá um desafio que os educadores e a população trabalhadora em geral terão que enfrentar independente do resultado das urnas.

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