Zanon: As primeiras greves dirigidas pelo sindicato combativo [Parte V]

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por Raúl Godoy

Atuar como “tribunos do povo” com um programa operário e popular diante da crise

As patronais receberam o novo sindicato com atraso nos salários e provocações nas quatro fábricas, não nos davam folga. Em março de 2001, houve uma greve de 12 dias na Céramica Zanon que antecedeu uma paralisação nacional. Dizendo que era por causa da crise e ameaçando com falência, a patronal desafiou os trabalhadores e não pagou os salários de fevereiro. Mas, mais uma vez, demos o troco na luta e levantamos nossa contraofensiva: se a empresa dizia novamente que tinha uma crise, então que nos mostrasse os balanços e os livros de caixa para ver se era isso mesmo. Se fosse uma crise mesmo, que Zanon passasse para as mãos do governo da província. Os trabalhadores ceramistas sabem como fazer a fábrica funcionar e como controlar a produção. As propostas, retiradas do Programa de Transição de León Trotsky, como a abertura dos livros de contabilidade, iriam se tornar realidade depois de um ano, com a fábrica sob controle operário.


Já desde nossos primeiros passos, nos orientamos a colocar de pé uma aliança que buscou em primeiro lugar a unidade das fileiras operárias entre empregados e desempregados, mas também a confluência com setores explorados e oprimidos do povo. A partir do PTS, discutimos contra o sindicalismo de um setor da vanguarda e da esquerda, que se restringia à luta pelas demandas operárias e que via de forma natural a divisão que impôs o neoliberalismo entre empregados e desempregados, efetivos, contratados e terceirizados. Nesses momentos, seguindo a Lênin, no livro “Que fazer?”, começamos a falar de nos transformar em “tribunos do povo”, no sentido de dirigentes que não se limitam às reivindicações econômicas de sua própria fábrica, mas sim que reconheciam a divisão social e política e se dirigem ao povo ligando as reivindicações próprias de seus setores com as reivindicações populares e propondo alianças para lutar em conjunto e conseguir impor essas reivindicações. Com essa perspectiva fomos dando todas as batalhas em Zanon.

 

Enquanto a fábrica era mantida totalmente parada, convocamos um ato nos portões de Zanon com mais de 300 trabalhadores ceramistas, familiares, dirigentes da CTA da província, professores de ATEN Centenario, ATEN da Capital e ATEN da Província, a comissão de desempregados de Plottier, a comissão comunitária do bairro Islas Malvinas, delegados da Planta de Agua Pesada de Arroyito, estudantes universitários e delegações de partidos de esquerda. Eu pedi a palavra e propus um compromisso para cada um dos que estavam ali, de lutar por trabalho para todos. Nós não tínhamos que aceitar as divisões que eram impostas aos trabalhadores, era necessário buscar a unidade e romper as barreiras que nos dividiam. Por isso, propus a criação de uma Mesa de Coordenação Regional de todos os setores. Uma das reivindicações que estávamos exigindo desde o sindicato era um plano de obras públicas controlado pelos grêmios e as organizações operárias: os companheiros da UOCRA,  os professores de ATEN, os ceramistas, e nesse caminho, buscar uma saída para o problema de habitação na província. Nesses dias, havia mobilização de companheiros da UOCRA que exigiam emprego, e o grêmio da ATEN exigia a construção de escolas. Além disso, com essa reivindicação, queríamos incorporar a exigência de trabalho genuíno do movimento de desempregados.

 

A assembleia votou pela continuidade da greve mesmo que na meia noite de sexta-feira o dinheiro já tinha sido depositado. Na segunda-feira, 19, a patronal teve que aceitar, mais uma vez, a exigência dos trabalhadores de pagar os dias de greve e de que não fosse descontado um só centavo do presentismo. Por imposição da assembleia, a empresa teve que transportar todos os grevistas até o banco para que o pagamento da dívida estivesse garantido antes de retomar as funções.


Os operários tínhamos conseguido uma nova vitória. Nessa primeira etapa, a ideia do controle operário e a unidade das fileiras operárias entre empregados e desempregados foram se instalando como duas das nossas principais consignas.


Como desenvolvemos em outro capítulo, junto à aliança operária e popular, lutávamos pela frente única com as organizações de massas da classe trabalhadora e o movimento estudantil. No dia 21 de março de 2001, as centrais sindicais convocaram uma paralisação nacional contra o ataque à educação que tinha sido anunciado pelo ministro da economia do governo de De la Rúa, López Murphy.


A primeira paralisação nacional que os ceramistas abraçamos com a nova direção do sindicato foi uma grande conquista. Pela primeira vez na história do sindicato, garantimos com assembleias uma paralisação total nas fábricas e uma coluna que marchou unificando, nas ruas, os operários das quatro cerâmicas de Neuquén e Cutral Co.


Um dos fatos decisivos foi a preparação da paralisação ativa. Duas delegações de ceramistas participamos das assembleias universitárias de Serviço Social e de Ciencias Humanas com 500 estudantes e levamos solidariedade contra o corte orçamentário e pela moção da unidade entre trabalhadores e estudantes. A partir disso surgiu a votação para marchar numa só coluna no dia da paralisação. Dezenas de ativistas estudantis que impulsionavam a organização de comitês de delegados por curso, tomaram para si a manifestação.


No ato da paralisação ativa falou Julio Fuentes, secretário geral da CTA-Neuquen, e eu falei representando o SOECN, depois falou a FUC e o dirigente da ADUNC (professores universitários), Tiscornia, do PCR, pelos professores universitários. Ele afirmou: “tenho o orgulho de ter chegado nessa marcha numa coluna liderada pelos operários ceramistas”.


Essa coluna operário-estudantil que marchou desde o pavilhão da Universidad Nacional del Comahue foi impressionante. Alguns jornalistas relatavam pela rádio que lembrava das colunas  dos anos 70 onde confluíam trabalhadores e estudantes. O mais importante dessa experiência foi a unidade com os estudantes, que possibilitou posteriormente avançar para um Pacto Operário Universitário, o que se concretizou anos depois num acordo entre o Sindicato Ceramista e o Conselho Superior da Universidad Nacional del Comahue.


A unidade e as frentes únicas que íamos conquistando, a aliança operária e popular, nesse caso com os estudantes e também com os desempregados, antes com os companheiros estatais, foi fortalecendo a ideia de uma unidade mais concreta e duradoura. Ainda que conseguíamos confluir nas ruas com os servidores públicos estatais, chocávamos com as barreiras da direção da CTA, que negociava por setores e levantava as medidas de luta ou entrava em trégua com o governo. Nunca assumiu a demanda que nós fazíamos, de uma assembleia provincial, com delegados eleitos para preparar um plano de luta com um petitório único de reivindicações. Por isso, a partir do sindicato procuramos levantar uma organização dos setores combativos e anti-burocráticos, para dar continuidade à luta contra o governo, ao mesmo tempo que mantínhamos nossa política à central e seus sindicatos. Começamos a colocar a necessidade de uma mesa de coordenação regional.


A “greve dos 34 dias”


“Os operários e a empresa Ceramica Zanon chegaram ontem à noite num difícil acordo que terminou com o conflito do dia número 34 da greve mais extensa que tenha sido realizada pelo grêmio ceramista”, assim começava o relato do dia 09 de maio no jornal Rio Negro, o mais importante da Patagônia, que dedicou 2 páginas à nossa greve. “Sim, sim, senhores, sou ceramista, sim, sim senhores, de coração, que os operários e mulheres, lá no parque, são donos de Zanon”, cantávamos e comemorávamos na noite de 8 de maio de 2001. Segundos antes a patronal, finalmente, assinava a ata-acordo onde ficava registrada a vitória.

 

No começo de abril de 2001 a patronal anunciava mais uma vez que ia atrasar com o pagamento dos salários. Procurava, com a desculpa da crise, impor piores condições de trabalho, derrotar o novo sindicato combativo e quebrar a unidade operária. Nossa resposta não se fez esperar; a paralisação foi total. Foram restabelecidos novamente os piquetes na porta da fábrica para impedir a saída de caminhões e foram instaladas as barracas na entrada junto a nossas famílias. As assembleias gerais aconteciam todo dia, criamos comissões de trabalho: de mulheres, de barracas, de imprensa, de solidariedade conformada por estudantes e outros setores que cumpririam um papel importantíssimo para sustentar a greve.  A comissão de mulheres teve um papel central percorrendo estabelecimentos e meios de comunicação locais para difundir o conflito e garantir o fundo de greve nos bairros e nos mercados, o que permitiu que a greve pudesse se sustentar durante um mês garantindo o alimento de cada uma das famílias operárias.

 

Naquele momento eu tinha lido sobre a luta dos caminhoneiros de Minneapolis (EUA) nos anos 30, no livro “A história do trotskismo norte-americano” de James Cannon, dirigente do SWP, livro no qual aprendi muitíssimo e que contribuiu, além da força moral num momento difícil do movimento operário e de nossos primeiros passos como partido, também com experiência e tradição da classe operária internacional, lições que consegui levar para Zanon.


A greve levava 10 dias e frente à intransigência da patronal começamos com mobilizações e cortes de rota parciais. Essa metodologia se deve a que a gente levou em conta a comunidade. Além disso, deixávamos circular os ônibus, nos quais subíamos para explicar nossa luta. As contribuições de outros trabalhadores e setores populares multiplicavam-se dia após dia.  Os vizinhos se aproximavam da fábrica para deixar suas doações, as barracas na porta estavam decoradas com inúmeras expressões de apoio e solidariedade, chegavam desenhos e cartas muito emotivas das escolas e creches de Centenário. Em outros casos não conseguimos ser tão contemplativos com a comunidade e cortávamos o acesso ao microcentro, afetando ao mesmo tempo a parte comercial e a região bancária.


No dia 26 de abril paralisaram as outras três fábricas ceramistas em solidariedade a Zanon e convocamos uma mobilização até Centenário da qual participamos mais de mil trabalhadores e estudantes. A marcha foi recebida pelos docentes e pela comunidade, e após percorrer a cidade finalizou num ato na praça de Los Pioneros.


Desde o começo da greve buscamos a coordenação. Na primeira mesa de Coordenação cumpriram um papel de destaque as docentes de ATEN Centenário e os estudantes universitários. Nossa exigência e chamado à unidade conseguiram que no dia 1º de maio fosse realizado um ato conjunto com a CTA na porta da fábrica, foi histórico, enquanto delegações ceramistas participavam em todos os atos da esquerda em Buenos Aires. Lembro que quando foi minha vez de falar no ato em Neuquén li uma parte do discurso de George Engel, um dos Mártires de Chicago, para destacar o legado internacionalista e revolucionário da classe operária.


Já tínhamos mais de um mês de greve, a patronal apostava no desgaste e nós tínhamos nos colocado a não retroceder nenhum só passo. Pela primeira vez os operários de Zanon cortamos a ponte Neuquén-Cipolletti. Foi um corte total desde a manhã até a tarde, mostrando a decisão de aprofundar as medidas se não chegavam as respostas. Depois de dez horas de negociação queriam nos impor as cláusulas de produtividade e limitar o direito de greve. Nesse dia tivemos uma discussão forte porque cometemos o equívoco de permanecer durante muitas horas dentro da Casa de Governo sem sair para informar nem para escutar os companheiros que estavam do lado de fora. Reclamávamos por um direito que nos correspondia: o pagamento dos salários, e a patronal tentou introduzir a discussão da produtividade.  Isso abriu novamente uma discussão dentro da Comissão Interna. Nossa posição dentro da Interna foi que não podíamos assinar essa ata. Isso aconteceu no meio das pressões dentro da Casa de Governo e aí aprendemos que os tempos, em cada negociação, devem ser conduzidos pelos trabalhadores e não pelos funcionários do governo. Esse aprendizado indispensável foi graças à crítica feita pelo meu partido, no meio da interminável negociação desses dias.


Teve uma nova discussão, alguns companheiros e algumas correntes de esquerda falavam que mesmo assim deveríamos assinar a ata pois o conflito já estava desgastado. Nós, junto com alguns delegados, colocávamos que não, que não íamos assinar nada sem convocar a assembleia que era o órgão de decisão soberano e o controle indispensável contra a burocratização. Discutimos que íamos a ter uma assembleia na fábrica e só depois iríamos responder.


Nos reunimos em assembleia e decidimos rechaçar as cláusulas e endurecer as medidas, e a resposta chegou pelo telefone, a empresa cedeu. A greve venceu. Com esse fato se demonstrava que o atraso no pagamento de salários não era por causa da suposta crise (a partir do sindicato demonstramos que era uma mentira, porque no segundo semestre de 2000 tinham lucrado 10 milhões de pesos) mas eles queriam quebrar a unidade e organização dos trabalhadores para aumentar ainda mais seus lucros às custas de uma maior exploração. Mas mais uma vez viramos o jogo. Durante essa difícil greve, dois companheiros, que eram chefia, somaram-se à luta e depois cumpririam um papel muito importante na nossa gestão operária. Eles eram Carlos “Manotas”  Saavedra e Miguel Papathyphonos, el “Papa”.


Também foi a primeira ruptura importante da nova Comissão Diretiva do sindicato. Uma das principais referências nesse momento, Néstor San Martín, que era o secretário adjunto do SOECN, esteve praticamente ausente durante a greve. Quando depositaram os salários ficamos sabendo que ele tinha recebido integralmente, ou seja, tinha resolvido por fora com a patronal. A indignação dos companheiros foi generalizada, por isso não pôde botar o pé na fábrica novamente e teve que ir embora. Mesmo que fosse um dirigente importante, o segundo do sindicato, ele traiu, a fortaleza do ativismo e a base e o peso das assembleias permitiram que fosse um golpe menor e conseguimos superar rapidamente.


Avançamos no programa


Vencemos o conflito. Mas nas discussões nas assembleias chegamos na conclusão de que não podíamos seguir fazendo tantas coisas só para cobrar os salários e começamos avançar num programa de ação. Frente às provocações permanentes da empresa decidimos ir até o final na questão. Colocamos que queríamos ver os livros de contabilidade, que se realmente tinham a crise que eles afirmavam, a fábrica passasse à mãos da província, que os trabalhadores sabíamos como fazê-la funcionar.


Começamos pesquisar quanto era gasto e de onde chegavam a matéria prima. Os custos e de onde vinham as peças, quanto material era produzido, qual o valor de venda, para onde era exportado, quem comprava. Passo a passo começamos a descobrir os valores milionários que ganhava Zanon. A partir disso frente a cada proposta da patronal, seja de demissões ou suspensões, começamos a exigir que mostrasse os livros de contabilidade.


No entanto, não foi tão simples pois quando começamos a colocar essa perspectiva abriu-se um debate na fábrica. Alguns companheiros questionavam que o que a gente propunha era ilegal, pois a fábrica é propriedade privada e os patrões não iam aceitar. Logicamente que eles não iam aceitar, mas nós questionávamos eles de volta e perguntávamos “o que aconteceria se os donos de Zanon decidissem amanhã: não é mais conveniente para mim, vou pegar meu dinheiro e vou embora? Que proposta temos para conservar nossos trabalhos?” Seguramente a resposta da  burocracia seria: negociemos a indenização. Essa nunca seria nossa saída, porque defendíamos os postos de trabalho e estávamos dispostos a fazer o que fosse necessário para os garantir. Por outro lado a empresa obteve créditos e subsídios do governo provincial, que saíram dos impostos que paga a população. Ou seja, os capitalistas obtêm seus lucros se apropriando do trabalho alheio e ainda se beneficiam dos recursos do Estado, que são negados ao povo em saúde, educação e moradia.

 

Nós, os operários de Zanon, buscávamos colocar a fábrica à serviço dos próprios trabalhadores e o povo. Por isso, não só íamos pedir solidariedade aos outros trabalhadores, mas também levamos uma proposta que unisse as reivindicações; começamos a falar sobre a necessidade de um “plano de obras públicas para construir moradia popular, escolas e hospitais, controlado pelos trabalhadores”, tanto pelos operários da UOCRA e pelos desempregados que precisavam de trabalho, como por docentes e trabalhadores da saúde. E essa proposta tomou corpo na demanda de “estatização de Zanon sob controle operário” Essa é a perspectiva que nos colocamos. Desde os primeiros momentos utilizamos o Programa de Transição dos trotskistas: se a patronal disse que está quebrada tem que abrir os livros de contas da empresa, chega de segredo comercial. Levantamos também a estatização da fábrica e que a produção seja utilizada para um plano de obras públicas a serviço da população.


A nova Comissão Interna

 

Em 2001, o ano seguinte da recuperação do Sindicato, renova-se a Comissão Interna de Zanon. Andres “Chaplin” Blanco (um companheiro que entrou em nossas fileiras desde o começo e atualmente é dirigente do PTS), um dos delegados eleitos dessa Interna e que depois seria eleito secretário adjunto do SOECN em 2 oportunidades, conta como e por que é eleita a nova Comissão Interna:


“Os companheiros que integravam a nova Comissão Diretiva do sindicato podiam ter sido também comissão interna de Zanon, porque os estatutos do grêmio o permitiam. Mas foi discutido uma política de constituir uma nova Comissão Interna. Fomos discutindo por setores. No porcellanato nos candidatamos: Juan Billet, o companheiro “Rulo” Lucero, Fabio Oliva, Fabián, mais três companheiros e eu. Entre todos estes nomes fomos designados representantes do setor, Juan Billet e eu.

A Comissão Interna eleita representava a todos os setores. O “Colo” Cristobal Dario e Francisco “Paco” Morillas de esmaltes; “Cepillo” Riquelme de atomizadores e moinhos; Juan Orellana de seleção e “Chiquito” Reyes de movimentação. Fizemos discussões profundas, porque era uma Comissão Interna que tinha que manter acesa a chama da conquista das ruas, de que não voltasse a ser uma fábrica “normal”, que voltasse para dentro das quatro paredes da planta.


Uma data foi proposta: abril de 2001, que coincidiu com o conflito dos “34 dias”. As eleições foram feitas na barraca que estava do lado de fora. Elegemos nossa Interna do lado da estrada. Os companheiros da Comissão Diretiva do sindicato, ainda que participavam do conjunto das assembleias, sempre nos propunham que fossemos nós quem dirigisse, para que tivéssemos contato direto com os companheiros e nos fazer conhecidos na base.”


O conflito se estendia, não se via solução rápida e tínhamos que manter os companheiros empolgados, fazendo atividades e mantendo o fundo de greve. Mariano Pedrero, advogado do Sindicato Ceramista, Julio Araneda, Carlos Acuña e eu fomos para Buenos Aires para fazer um fundo de greve. Nessa viagem tivemos uma entrevista com o secretário geral da CGT, Hugo Moyano, e foi uma experiência concreta onde conhecemos profundamente o que é a burocracia sindical. Foi muito chocante, não só não contribuiu com um peso sequer, mas ele disse “não fode, fechem por $200 e voltem trabalhar”. Aí percebemos que esses dirigentes não defendem os interesses dos trabalhadores, mas os dos patrões. Por isso, precisamos expulsá-la de nossas organizações.

Quando acabou o conflito dos “34 dias” começamos a fazer um seguimento da produção pois víamos que saía muito material, saíam caminhões e caminhões carregados, mas cada vez que tínhamos reuniões com a patronal argumentavam problemas econômicos, então decidimos controlá-los. Nos colocamos na porta com um caderno e controlamos quantos caminhões saíam, com o que e quanto material. Tudo isso para poder denunciar que a patronal estava fazendo um esvaziamento que era falso, que não vendia. Junto com isto, fizemos denúncia após denúncia na Subsecretaria do Trabalho: não tínhamos material para segurança, as máquinas não tinham manutenção e saía uma grande quantidade de caminhões por dia. Esse passo que demos, um controle operário na prática, foi muito útil depois, quando colocamos a fábrica em funcionamento sob nossa própria gestão.


Novos estatutos para um sindicato classista


No ano 2005, uma vez que conseguimos consolidar tanto a gestão operária quanto o sindicato, nos voltamos para a discussão da reforma dos estatutos do SOECN. Isso sempre tinha sido uma bandeira que compartilhamos desde o PTS com a agrupação Marrom. Essa discussão se deu quando já estavam incorporadas todas as correntes políticas que ingressaram na gestão operária, ainda que não fizeram grandes contribuições.


Por isso retomamos as discussões com os companheiros sobre qual estatuto propor para que existisse uma verdadeira democracia sindical e tivéssemos independência do Estado e das suas instituições. Que tudo fosse resolvido nas assembleias e que os membros da direção que não cumprissem ou traíssem, pudessem ser trocados quando a base decidisse numa assembleia com maioria simples. Decidimos que fossem eleitos delegados por setor em todas as fábricas e que tivesse um comitê de delegados do sindicato que se reunisse todos os meses e levasse o mandato. Essas reuniões e as da diretiva tinham que ser abertas à base. Outra coisa que discutimos foi o problema de que a cota sindical era descontada compulsoriamente e retirada pelas empresas. Propus que teríamos que voltar a como era no começo nos sindicatos, quando os trabalhadores pagavam todos os meses a cota para o dirigente ou delegado de forma voluntária.


A luta por recuperar os sindicatos não pode avançar separada da luta pela transformação profunda destes, até quase apagar suas características atuais. Se propor a dirigir os sindicatos da forma que são atualmente, sem querer transformá-los, é se adaptar a uma organização que só inclui uma pequena fração da classe operária, que em geral está em melhores condições relativas do que o resto. Trata-se aqui de recuperar as comissões internas, os comitês de delegados e os sindicatos na perspectiva de que virem uma alavanca para a criação de organizações de luta mais amplas, onde exista espaço para companheiros e companheiras que normalmente ficam fora dos limites da organização sindical, como são os contratados, os desempregados, os trabalhadores informais, etc. Precisamos recuperar os sindicatos para renová-los, promovendo novas camadas de dirigentes trabalhadores.


O parte central, que percorre todo o novo estatuto, é a ruptura com a herança peronista nos sindicatos, ou seja, com a conciliação de classes. Isto envolve tanto seus princípios gerais como seus artigos específicos. Começando da base de que a sociedade está dividida em classes e que a classe operária é internacional, nos pronunciamos contra o sistema capitalista de exploração e opressão, na luta por libertação. Os artigos com mais destaque são os que estabelecem que todo dirigente liberado das tarefas no seu local de trabalho deve receber o mesmo salário que na sua fábrica; a rotatividade dos dirigentes, contra a reeleição indefinida, estabelecendo que depois de 1 mandato devem voltar aos seus postos de trabalho; é fixada a incorporação proporcional das minorias na Comissão Diretiva, o que não admite nenhum sindicato na Argentina – inclusive o da ATEN, um sindicato reconhecido pela sua democracia interna, reconhece só a primeira minoria mas de forma completamente limitada; e também, é incorporado o reconhecimento da assembleia como organismo soberano de decisão.


Desde o PTS essa discussão foi tomada como prioritária e fundamental. Não foi uma invenção nossa mas nos baseamos nos exemplos históricos. Para isso recebemos a ajuda de nosso companheiro Titín Moreira, militante trotskistas desde os anos 70, tomando a experiência de outros sindicatos, como a da UGT espanhola dos anos 30 e a da CGT peruana, cujo estatuto foi redigido por Carlos Mariategui.


A recuperação do SOECN foi a antecipação da recuperação de outros organismos sindicais de distintos grêmios, um sintoma de que tinha começado uma experiência dos trabalhadores com a burocracia sindical e de que, ali onde fosse possível, surgiriam novos setores opositores. Com desigualdades, esse processo molecular se expressou na recuperação de sindicatos como o SOECN, ou na comissão provisória de ATE-Rio Turbio; em algumas fábricas por meio da recuperação das Comissões Internas como Jabón Federal, em docentes como em vários SUTEBA ou na UNTER de Rio Negro; no corpo de delegados de Metroviários; na chapa de oposição em Alimentação, que naquela época, no ano de 2004, era a Azule Branca, de onde depois iria surgir a Bordô como o setor mais combativo que obteve o 25% dos votos e ganhou nas principais fábricas enfrentando a burocracia menemista de Daer. Também teve o surgimento de delegados combativos em muitos grêmios, no novo comité de delegados conquistado por uma chapa anti-burocrática no Estaleiro Rio Santiago, assim como também em ativistas de setores não sindicalizados. Esse fenômeno anti-burocrático, que teve um novo momento importante na luta dos operários de Kraft em 2009, com referências no “sindicalismo de base”, do qual o PTS fizemos parte com muita representatividade em importantes grêmios do movimento operário industrial.


O fato de transformar os estatutos, adotar um programa de independência de classe e anticapitalista e nos considerar parte de uma classe operária internacional são questões elementares para que os sindicatos se transformem em instrumentos da luta de classes. Tanto os estatutos da burocracia como a Lei de Associações Profissionais do Estado, que regulam todos os sindicatos, são formas que fabrica e perpetuam burocratas, que imobilizam os trabalhadores para limitá-los a reclamações pontuais e reivindicativos, exclusivos da classe operária sindicalizada. Por isso a recuperação dos sindicatos envolve sua completa transformação, no caso contrário, existe uma adaptação, que é o que acontece com os processos de novas direções, como acontece com alguns partidos de esquerda que acabam se adaptando aos estatutos, às leis e a velhas práticas e não mudam praticamente nada. Muitas vezes esses sindicatos se perdem, a burocracia retoma a direção e é como se nada disso tivesse acontecido. Fica como pequenas anedotas. Assumir a direção do sindicato e mudá-lo totalmente vai deixando sinais que servem de bandeira para o conjunto dos trabalhadores. Mas ainda hoje, com o grau de precarização e de atomização da classe operária, é necessário levantar um programa pela unidade das fileiras operárias que transcenda os sindicatos da forma que são hoje e abra suas portas ao povo trabalhador, aos explorados e oprimidos. Por exemplo, em Neuquén é impossível pensar um sindicato que não tenha política para o povo mapuche ou para os familiares dos mortos por bala perdida que sofrem a repressão da juventude nos bairros pobres. Nesses setores explorados e oprimidos existe uma força social enorme, por isso, os organismos recuperados pelos trabalhadores tem que buscar essa aliança estratégica para impor as demandas, tanto no terreno defensivo como para passar à ofensiva no futuro com os métodos da classe operária, ou seja, com a luta de classes.

O SOECN ser um sindicato democrático vai se refletir na sua política de coordenação e na sua forma de funcionamento como “Conselho de Fábrica” para a gestão operária e também, no que os dirigentes cobram o mesmo qualquer outro trabalhador, e não tem outros ingressos ou privilégios especiais. Mas também na sua forma democrática de funcionar, no fato de que as reuniões da Comissão Diretiva são abertas à base e aos ativistas. É tão radicalmente distinta das outras que o primeiro que fizemos foi abrir as portas aos trabalhadores desempregados. Por exemplo, os delegados dos desempregados do MTD organizavam reuniões junto com os delegados de Zanon para planificar tarefas e políticas comuns. Todas essas ações que levamos à frente foram feitas com contradições e polêmicas mas foram resolvidas democraticamente em assembleias. O SOECN é um sindicato que supera os limites “gremiais” corporativos na perspectiva da luta política comum entre trabalhadores e desempregados, estudantes, mapuches, etc. Com a conquista do sindicato, conseguimos uma pequena instituição combativa, não só para reforçar nossa própria luta, mas para colocá-la a serviço dos trabalhadores e setores populares.


Nós, do PTS, lutamos por uma direção revolucionária em todas as organizações do movimento operário e por liberdade, no seu interior, de todas as tendências reconhecidas pelos trabalhadores. Desde essa perspectiva estratégica é que lutamos por recuperar e transformar o Sindicato Ceramista e, depois, dezenas de Comissões Internas, comitês de delegados, seccionais e sindicatos país afora.


Lênin falava que uma política sindicalista, em última instância é uma política burguesa, pois só se limita a negociar com os capitalistas o preço de nossa força de trabalho.


Por isso, lutamos para que os sindicatos se transformem em sindicatos militantes, ativos, que não só lutem pelas suas demandas próprias e pontuais, mas que possam ir além e gerar uma alternativa para o conjunto do povo trabalhador. Os objetivos que se coloca um sindicato recuperado, seu programa, são importantes como luta não só para agitação em campanhas eleitorais ou em ”dias de festa”, mas para que seja tomado pelas grandes organizações de massas.


O poder político e suas instituições limitam, regulamentam e controlam nossos sindicatos com um alto grau de intervenção estatal. Por isso nós, além de denunciar a Lei de Associações Profissionais, colocamos a necessidade de que nossos sindicatos sejam independentes do Estado, das burocracias sindicais e dos partidos patronais.


Em cada luta parcial, temos que ir buscando o objetivo de forjar uma força social poderosa e organizada que defenda os interesses dos trabalhadores e do povo até o fim, para que as crise sejam pagas pelos capitalistas. É nesse sentido que lutamos pela recuperação dos sindicatos e por cada posição de luta nas organizações operárias.

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