RR Donnelley Brasil: imperialismo, Bolsonaro e o sindicalismo revolucionário

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imagem por Victor Coiaba

texto por Juan Chirioca

Qualquer um pensaria que o fechamento de uma fábrica teria de ser anunciado com tempo. Informar os operários, administrativos e o conjunto dos funcionários – inclusive, segundo a lei, o procedimento a seguir seria esse. Mas a realidade é outra e muito diferente.

Na segunda-feira 1º de abril, os trabalhadores da gráfica RR Donnelley chegaram na porta da fábrica para encontrar os portões fechados e um anúncio informando o fechamento das 3 fábricas, em Osasco, Tamboré e Blumenau. Assim, com um simples papel, deixam 970 famílias em uma situação de completa incerteza do que acontecerá no futuro.

“Uma análise meticulosa das finanças da empresa” que tiveram como a conclusão única e possível o pedido de autofalência que justificava o fechamento das fábricas. Uma suposta falência que surpreende quem sabe dos milionários contratos que a multinacional possuía no Brasil com empresas como o Bradesco, a livraria Saraiva e a livraria Cultura, além da impressão de todos os materiais necessários para a prova do ENEM aplicado em todo o país. Esse contrato significou o ingresso de mais de R$ 143 milhões para a empresa norte-americana. A empresa está presente em 40 países do mundo com mais de 600 plantas e declarou no ano passado que teve ingressos superiores aos US$ 7 bilhões. Uma cifra bastante alta.

Aparentemente, tudo indicaria que não foi um acaso, não foi tragédia nem muito menos algo inesperado; pelo menos para os capitalistas à frente da multinacional. Os próprios trabalhadores desconfiam do conjunto do processo: relatam as movimentações suspeitas prévias ao anúncio de fechamento como a contratação de novos seguranças ou o pedido de demissão e transferência de funcionários de alto escalão semanas antes do anúncio de falência.

A princípio, o que poderia parecer uma tragédia do acaso, da crise, ou do “excesso de direitos” dos trabalhadores, na verdade, é uma prática comum do empresariado no mundo inteiro. E não é novidade nas práticas da multinacional Donnelley que, em 2014, na Argentina, também decidiu fechar as portas da gráfica sem nenhum aviso prévio; só uma nota de um dia para outro anunciando aos trabalhadores que não haveria mais futuro. O caso da Pepsico em 2017 também na Argentina demonstra concretamente como operam as patronais de forma criminosa contra os trabalhadores, para não pagar salários nem direitos. Naquele momento e com a fábrica fechada, a multinacional começou importar os produtos para a Argentina a partir da produção da fábrica localizada no país transandino do Chile, demonstrando a insustentabilidade do argumento da falência ou das dificuldades do mercado e que essas medidas são implementadas para atacar os direitos dos trabalhadores e lucrar acima dos direitos e desse trabalho.

Não é à toa que esses exemplos são de empresas multinacionais ligadas a capitais imperialistas, pois esses fechamentos de fábricas só podem ser compreendidos profundamente ao analisar as relações econômicas em nível internacional, onde essas empresas possuem fábricas no mundo inteiro e onde em cada uma delas a multinacional lucra enormemente.

Ainda que não seja possível afirmar com total certeza que o fechamento da RR Donnelley não teria acontecido no Brasil pré-Bolsonaro, não podemos negar que as condições criadas pela consolidação do golpe institucional via eleição do Bolsonaro facilitaram em muito a decisão da patronal imperialista da Donnelley para declarar falência e deixar na rua centenas de operários e suas famílias. A reforma trabalhista, a não existência do Ministério do Trabalho, o STF declarando abusiva qualquer greve contra as privatizações, o ataque contra o imposto sindical, o autoritarismo do judiciário que teve como alvo o PT, mas que pode se voltar contra a organização de base dos trabalhadores, pavimentaram o caminho para que fechar as portas das 3 fábricas no Brasil fosse uma decisão muito fácil de tomar.

Analisando os valores dos contratos da RR Donnelley desde 2011, vemos que o valor total supera os R$ 252 milhões, o que alimenta a dúvida daqueles que suspeitam da veracidade do pedido de falência da multinacional. A suspeita é generalizada entre os operários da Donnelley que, como já mencionamos anteriormente, relatam movimentações anormais que apontam no sentido contrário de uma empresa que está com dificuldades econômicas. Por outro lado, a “análise meticulosa das finanças da empresa” continua no mais absoluto segredo comercial.

Por mais caótico que seja o controle financeiro de uma empresa, a iminência de uma falência, a quebra de uma empresa, não é uma situação que surpreende nem que aparece da noite pro dia. É nesse contexto que a palavra de ordem da abertura dos livros de contabilidade cobra total vigência para desmascarar a farsa burguesa da quebra.

Quando falamos do papel do imperialismo, das intenções do capital imperialista estadunidense que promoveu o golpe institucional no Brasil e o fortalecimento dos métodos autoritários do bonapartismo do judiciário e da operação Lava Jato, não podemos passar batido pelo papel dos sindicatos burocratizados como principal pilar e sustento da dominação imperialista em semicolônias como o Brasil e da dominação burguesa de conjunto nas sociedades atuais. Sendo assim, são os interesses imperialistas que, via Lava Jato, orquestraram as reformas trabalhistas e a reforma da previdência ainda em andamento.

Mas o imperialismo norte-americano consegue atuar através da justiça, porque esta, assim como o conjunto do aparato do Estado do qual faz parte, não é um corpo neutro, que age e opera em benefício do “bem comum” ou do “interesse geral”. A sociedade mesma não é um todo homogêneo e sim uma formação que apresenta profundas desigualdades, uma divisão em classes sociais e, portanto, o Estado opera para impor os interesses das classes dominantes em prejuízo das classes exploradas. Por isso os trabalhadores devem superar a visão da justiça como uma balança que decide sobre a realidade como se estivesse localizada por fora das relações de produção e da relação entre as classes. A justiça então decidirá partindo do princípio da inquestionabilidade do direito de propriedade da burguesia. E ainda que denunciemos a justiça classista a todo momento, é preciso aproveitar todas as frestas que se apresentam para explorar as contradições do Estado e da classe dominante. Até porque a justiça certamente não atua isolada do mundo e da situação em que se dão os conflitos e, portanto, é sensível a dinâmica da correlação de forças entre as classes. Para fortalecer as posições da classe trabalhadora, os esforços, inclusive os que se dão na justiça burguesa, devem estar em função de fortalecer os trabalhadores nos métodos da luta de classe.

Assim, escancarado o caráter de classe da justiça burguesa, a legalidade ou ilegalidade de uma greve ou de uma ação da classe trabalhadora é uma falsa dicotomia. O ponto de partida que lhe dá força à luta dos trabalhadores com seus métodos da democracia operária e da luta de classes é a legitimidade de suas lutas. Questão que é o germe da hegemonia que podem ter os trabalhadores por sobre os outros setores da sociedade. Mais ainda na luta em defesa dos seus empregos, como o caso da Donnelley Brasil, dando uma resposta ao problema do crescente desemprego e das novas e piores condições de exploração no país que se contraponha a implementação dos ataques que estão sendo impostos. Assim, uma luta forte coloca a possibilidade não só de questionar a ilegalidade que a burguesia define para as greves de trabalhadores, mas de transformá-la, e inclusive, abre a possibilidade de conquistar a legalidade e mudá-la. Mas isso dependerá da força da organização dos trabalhadores na luta de classes.

Acertadamente, Leon Trótski afirma que, na época imperialista, os sindicatos não podem mais se manter como organismos neutros na luta de classes. Isso porque os próprios sindicatos viraram um campo de batalha fundamental para que a burguesia consiga manter sua hegemonia na sociedade atual. Assim, os sindicatos ou funcionam para satisfazer os interesses dos capitalistas comandados pelas burocracias ou se transformam em organismos da classe trabalhadora para lutar por um programa de independência de classes.

Essa definição do revolucionário russo tem ainda total atualidade no cenário de crise do Brasil de Bolsonaro, onde o imperialismo tem conseguido impor condições de maior exploração, e a impossibilidade dos organismos da classe trabalhadora serem neutras implica, por exemplo, em que a luta por meras pautas sindicais esteja fadada ao fracasso no país onde às patronais lhe é permitido demitir  as massas trabalhadoras sem pagar nada. A visita do Bolsonaro nos Estados Unidos e ao seu presidente Donald Trump para entregar as riquezas do Brasil, na qual prometeu “um país aberto aos negócios”, mostra que está disposto a criar condições ainda mais favoráveis para a exploração imperialista no Brasil. É com essa lente que é preciso olhar para o papel do sindicato dos gráficos de Donnelley e, em geral, da grande maioria de sindicatos burocratizados do Brasil. E entender a quais interesses atende a política que defende a burocracia.

O objetivo máximo, a mais alta aspiração da ação da burocracia sindical é tentar pela via legal fazer com que os direitos de rescisão dos trabalhadores sejam respeitados” “não sair de mãos vazias”. Quase 1.000 novos desempregados numa economia golpeada pela crise econômica e tudo em nome de respeitar o lucro de um punhado de capitalistas.

Uma completa adaptação aos limites que a classe burguesa estabelece, que são os aceitáveis para a ação da classe trabalhadora organizada. Tentar sem nenhum tipo de garantia, negociar o FGTS na justiça. Ou seja, aceita a derrota imposta pela patronal da Donnelley.

As burocracias nos sindicatos são os agentes da burguesia que combatem a organização dos trabalhadores dentro das seus próprios organismos de base. Por isso a necessidade da luta pela recuperação dos sindicatos como organismos de luta da classe trabalhadora precisa ser encarada e compreendida de forma profunda e em chave revolucionária.

A palavra de ordem da recuperação dos sindicatos não pode ser assimilada como uma luta por uma simples vitória eleitoral sobre a burocracia, mas para desfazer o nó da dominação capitalista nas direções dos sindicatos que se colocam como um corpo separado em relação ao conjunto dos trabalhadores. É preciso virá-los pelo avesso. Uma luta por uma outra moral, por desafogar a democracia operária dentro dos sindicatos. Os trabalhadores decidem em assembleia. A assembleia manda. Um método para fortalecer a organização dos trabalhadores como sujeito político.

Da mesma forma que os companheiros na Argentina também sofreram e passaram pelo mesmo processo criminoso da patronal da Donnelley, que inclusive fugiram da Argentina deixando os trabalhadores na mão, em vez de aceitar a derrota e a falência organizaram e discutiram numa assembleia dos trabalhadores da fábrica e aprovaram pela ocupação das instalações questionando a própria falência e exigindo a abertura dos livros de contabilidade para provar que a empresa não poderia mais funcionar. Logicamente, isso não aconteceu e os funcionários de alto escalão fugiram do país ao mesmo tempo em que foram acusados de corrupção. Hoje, 5 anos depois, a gráfica continua funcionando, mas não é mais RR Donnelley, e sim Madygraf, agora sob controle e gestão dos próprios trabalhadores, demonstrando que uma fábrica sem patrões pode funcionar perfeitamente, mas, sem trabalhadores, não.

No caso da Pepsico na Argentina, os operários demitidos conseguiram colocar a luta em defesa dos seus empregos como uma das principais pautas na opinião pública do país, hegemonizando amplos setores da população que se solidarizou com essa luta. Uma luta que propõe uma outra saída ao problema do desemprego. Pepsico, e os exemplos onde a organização dos trabalhadores e o questionamento a legalidade e à propriedade burguesa avançaram mais profundamente como a Donnelley da Argentina e Zanon, que terminaram com os seus trabalhadores conquistando seu direito ao trabalho e demonstrando que os trabalhadores podem, sim, dirigir o rumo de uma fábrica e que se são capazes disso, podem também dirigir com seus métodos e sua democracia os rumos de um país.  

O fechamento e a falência da RR Donnelley no Brasil podem representar um precedente ou um exemplo do que está por vir e que pode se generalizar numa situação de aprofundamento da crise econômica no país. Por isso a importância da luta desses trabalhadores que tem recebido apoio de outros setores de trabalhadores inclusive dos próprios trabalhadores da antiga RR Donnelley Argentina, a nova Madygraf. Solidariedade que renova as forças dos trabalhadores.

Essencialmente, a grande oportunidade que a situação de uma fábrica abandonada pelos capitalistas é a questão da defesa do emprego, do trabalho e a partir dela dar força nos próprios trabalhadores ao questionamento da inviolabilidade da propriedade burguesa como uma resposta ao desemprego, ao mesmo tempo em que escancara o parasitismo da classe capitalista. No Brasil, pós-golpe, com Bolsonaro na presidência, a urgência da recuperação desses organismos da classe operária como ferramentas da luta política dos trabalhadores é de primeira ordem, sendo o único caminho possível para começar a enfrentar e derrotar a política e os interesses imperialistas no país. Avançando na organização dos trabalhadores de conjunto para fazer com que os capitalistas paguem pela crise, questionando, por exemplo, o pagamento da dívida pública aos banqueiros, colocando a necessidade de expropriação dos bancos e o controle e a planificação democrática do conjunto da economia, contra a anarquia capitalista. Somente com os sindicatos recuperados a fim e defender os interesses dos trabalhadores será possível resolver o problema do desemprego, atacando o lucro capitalista e o caráter intocável da propriedade privada da burguesia.

 

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