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Volta às aulas presencial: algum governo de fato se importa com a opinião dos estudantes?

Odete AssisMestranda em Literatura Brasileira na UFMG

quarta-feira 10 de fevereiro de 2021 | Edição do dia

Fevereiro começou dominado pelo debate sobre a volta às aulas presencialmente em diversas cidades do país. Governos que antes diziam se apoiar na ciência para combater o negacionismo bolsonarista e defender a necessidade de ficar em casa, agora estão na linha de frente da defesa de que o melhor é que alunos, professores e trabalhadores da educação retornem para as escolas. Jogando sujo para desqualificar a luta dos professores, como os de São Paulo, que contra a imposição autoritária de João Dória estão em greve pela vida.

Por trás desse discurso buscam esconder como a realidade é que sua estratégia capitalista de administração da pandemia não deu certo. Sem testagem massiva, sem reconverter a produção, sem organizar racionalmente a quarentena, estamos em uma segunda onda ainda pior que a primeira. Como justificar, então, que agora é possível voltar às aulas, enquanto hospitais voltam a colapsar? Enquanto falta insumos para produzir vacinas e trabalhadores da saúde tenham que entrar em greve para que todos sejam vacinados, como foi na luta dos Hospital Universitário da USP? Qual a matemática por trás dos índices de contaminação que permite retornar presencial mesmo com mais de mil mortes por dia?

Demagogicamente Bolsonaro, governadores e as instituições que sustentam esse regime do golpe, como o STF, o Congresso e a mídia burguesa, agora fingem preocupação com a educação e o futuro das crianças e jovens brasileiros. Justificam que a volta presencial é necessária e que as escolas estariam preparadas. Alguém consegue acreditar que os mesmos governos capitalistas que deixaram faltar oxigênio nos hospitais durante uma pandemia, podem ter preparado de fato as escolas para receber os estudantes e educadores? Qual a fórmula mágica para explicar como as escolas que antes sequer tinham água ou papel higiênico, agora, sem nenhum investimento real, sem sequer ouvir a comunidade escolar, estejam preparadas para retornar com segurança? Essa fórmula só tem sentido na irracionalidade dos capitalistas.

O EAD foi um verdadeiro fracasso, não tem como negar. As grandes coorporações como Google, Microsoft e Zoom se aproveitaram ao máximo para lucrar com o ensino remoto. Mas a realidade é que 4 milhões de alunos, o equivalente a toda população do Uruguai, teve que abandonar suas aulas em 2020. Isso sem contar aqueles milhares que não foram contabilizados, porque formalmente cumpriram o mínimo exigido, mas na prática não aprenderam absolutamente nada. Nem aqueles milhares que seguiram estudando, mas seguem com sua saúde mental devastada, com ansiedade, depressão, stress, com medo da covid, de perder algum ente querido, de ficar desempregado, de ter seu salário cortado pela metade, de não saber o que esperar do amanhã.

A verdade é que nenhum governo quis saber de fato o que nós pensamos. A verdade é que o MEC fez uma falsa consulta, depois de muita campanha dos estudantes pelo adiamento do ENEM, mas decidiu ignorar a opinião da parcela que conseguiu votar e fez a prova de forma ainda mais excludente. Fez com que o vestibular, que todos os anos deixa milhares de fora das universidades, agora fosse ainda mais elitista, pois mais da metade dos inscritos sequer conseguiu fazer a prova.

A verdade é que os governos capitalistas que aprovam a reforma trabalhista, a carteira verde amarela, a reforma da previdência e todos os ataques que beneficiam os patrões, que buscam assentar cada dia mais esse regime golpista governado por uma extrema direita racista, machista e lgbtfobica, jamais vai se preocupar com a educação de sua juventude. Pois o futuro que nos reservam é o da uberização do trabalho, é o futuro no qual a produção do conhecimento só tem sentido se for para garantir seus lucros e não para resolver os problemas da humanidade. Onde a ciência não é para vencer uma pandemia que assola o mundo inteiro, mas para criar um aplicativo que pode aumentar o grau de exploração de um único trabalhador, enquanto milhares não tem emprego.

Essa é a miséria que nos reserva o capitalismo. E contra essa miséria, nós precisamos nos organizar, precisamos lutar para ser ouvidos e fazer valer nossa decisão. Para decidir sobre como, quando e de que forma vamos voltar às aulas, algo elementar que deveria ser decidido democraticamente pelos estudantes, professores e toda comunidade escolar e universitária, pensando junto com os trabalhadores da saúde e os cientistas. Para com isso questionar também o conteúdo que nos é ensinado, o porque nossas escolas e universidades funcionam assim, o porque a sociedade se organiza assim e quem de fato pode transformá-la. Me arriscaria dizer o medo do que a busca por essas respostas pode provocar é hoje um dos principais motivos que faz com que nenhum governo - dos negacionistas, aos reformistas - se arrisquem a de fato a ouvir o que pensamos sobre o retorno presencial das aulas.




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