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PLEBISCITO NA COLÔMBIA - ANÁLISE | Vitória do “Não” em plebiscito desata crise política na Colômbia

O rechaço ao acordo entre o governo de Santos e as FARC provocou uma séria crise política e uma conjuntura complexa politicamente e pouco previsível. Aqui realizamos uma primeira análise do terremoto político.

segunda-feira 3 de outubro de 2016 | Edição do dia

Se impôs por um margem muito estreita a recusa aos termos do acordo final assinado há alguns dias pelo governo de Juan Manuel Santos e a cúpula das FARC.

A derrota é um duro golpe político para o presidente que vai além do questionamento ao acordo. De fato, seu governo fica severamente debilitado. Paralelamente, o ex-presidente Uribe, cabeça da oposição direitista, emerge fortalecido e se transforma no inevitável interlocutor, senão árbitro, de uma renegociação. Por outro lado, é uma derrota política também para as FARC e os setores de esquerda envolvidos no acordo e que tinha aceitado a proposta de plebiscito de Santos.

Em distintas notas viemos seguindo o processo de “paz”. Aqui abordaremos alguns elementos para uma primeira análise do terremoto político em que o inesperado resultado implica.

O “Não” nas urnas

Só um terço dos votantes votaram em um país onde a tradição do abstencionismo eleitoral reflete os estreitos limites deste regime da “democracia para ricos”. A leve vantagem do “Não” (50,2% dos votos contra 49,8% do “Sim”), apenas 53.000 votos sobre um total de quase 13 milhões de votos, expressou a enorme polarização social e política no país, que aparece virtualmente dividido ao meio entre ambos polos.
O triunfo urbano do “Não” poderia refletir uma maior mobilização conservadora das camadas médias, sobretudo nas cidades e em regiões tradicionalmente de votantes de Uribe, como Antioquia (sua capital é Medelim) ou em Casanare, enquanto que o predomínio do “Sim” em muitas áreas rurais se apoiaria em setores camponeses e populares mais diretamente afetados pelo conflito armado.

O rechaço reflete também uma virada política à direita que vem avançando na América Latina, ao mesmo tempo que o descalabro dos projetos progressistas e nacionalistas, com a ascensão ao governo de Macri na Argentina, o golpe institucional que deu poder a Temer no Brasil e o aprofundamento da crise venezuelana, onde aumenta a pressão do imperialismo e da direita regional para impor uma “transição pós-chavista”.

Nesta situação, o governo de Obama também sofre um revés, que apostava em conseguir com a “pacificação da Colômbia” uma das poucas conquistas em política exterior que poderia entregar a seu substituto na Casa Branca. Se bem o giro à direita latino-americano confirma a recuperação de influência estadunidense na região, sua doutrina geral de política exterior de “centro” combinando negociação e pressão, inclusive militar, se enfrenta na Colômbia com uma nova e inesperada dor de cabeça que ainda que possa ser curada, se soma às enrascadas e fracassos políticos no Oriente Médio e em outras partes do globo que Washington vem colhendo.

A vitória do “Não” demonstra também que as divisões nas alturas, com sua dinâmica própria, podem terminar em efeitos negativos para o que os setores dirigentes esperam. Perdendo percepção a respeito dos humores e tendências que influenciam no conjunto social, o “erro de cálculo” de Santos se voltou contra ele como um boomerang...guardando as diferenças, um tipo de “efeito brexit” tropical.

Santos transformou o processo de “paz” na chave de seus planos políticos. Selado o acordo final, não estava obrigado a recorrer ao expediente plebiscitário, pois era juridicamente suficiente conseguir o aval do Congresso e da Corte Constitucional. No entanto, em meio a crescentes dificuldades econômicas e enfrentando uma forte baixa em sua popularidade, buscou neste mecanismo a forma não só de legitimar o acordo, como também de revalidar o conjunto de sua política e dar um golpe categórico ao uribismo [apoio à Álvaro Uribe, ex-presidente]. Com isto se colocou em risco, pois redobrava a aposta sem medir bem a situação. O plebiscito – um mecanismo bonapartista – foi uma manobra para recuperar força política e avançar em seus planos de conjunto que deu errado.

Santos não tomou em conta que depois de quatro anos de tortuosas negociações, a expectativa no processo de “paz” tinha ido diminuindo enquanto o persistente rechaço uribista ganhava audiência. Tampouco mediu o descrédito de seu próprio governo nem o descontentamento com a situação econômica e social.

Pesou o ódio à guerrilha que o próprio Santos, assim como Uribe e o conjunto do mundo político burguês e a imprensa, foi semeando nestes anos, fazendo das FARC a culpada da violência de mais de meio século com suas terríveis sequelas, quando na verdade a responsabilidade histórica recai primordialmente no Estado, suas forças militares, seus “auxiliares” paramilitares e os cartéis do narcotráfico. A política de anos da própria guerrilha ajudou isto, com seus métodos distantes das necessidades e da experiência do movimento operário e de massas, quando não com ações reacionárias e desumanas como os sequestros da “pesca milagrosa”, as represálias contra a população civil, incluindo massacres de povoados, e outras coisas que fizeram pouco crível sua conversão pacifista.

Todo este rechaço foi arrastado pela oposição uribista com a “vassoura” do “Não”. Assim, a jogada de Santos terminou explodindo na sua cara. Não foram suficientes para evitar isso nem o amplo apoio imperialista e de setores decisivos da classe dominante, nem a colaboração do progressismo (como o Polo Democrático Alternativo) da esquerda reformista (o PC colombiano, Marcha Patriótica e outras forças) e as direções de sindicatos e movimentos sociais que fizeram parte da campanha pelo “Sim”.

Uma séria crise política e a busca de um novo pacto

O fracasso no plebiscito, caso para o qual o governo tinha confessado não ter um “Plano B”, causou um terremoto político que afeta o regime de conjunto. Ao calor dos resultados, tanto desde o governo, como desde a oposição e as FARC adiantaram declarações conciliadoras.

Santos ratificou que o cessar de hostilidades bilateral seguirá vigente e que seguirá "buscando a paz até o último minuto" de seu mandato. Convocou "todas as forças políticas, e em particular as que hoje se manifestaram pelo ’Não’, para abrir espaços de diálogo". Já na manhã de hoje (segunda), o senador uribista Everth Bustamente, declarou que o rechaço "deveria ser interpretado pelo governo e pelas FARC como a necessidade da revisão de vários pontos da negociação", enquanto que o ex-vice-presidente Francisco Santos explicou que "o acordo pode ser melhorado entre todos, hoje a Colômbia diz às FARC que queremos que este acordo continue e vamos dar todas as garantias".

Por sua vez, Timoshenko, principal comandante guerrilheiro reafirmou que “as FARC mantêm sua vontade de paz e manteremos unicamente o uso da palavra como seu meio de construção", reiterando "ao povo colombiano que sonha com a paz, que conte conosco, a paz triunfará".

Já para segunda se preparavam os primeiros contatos entre o uribismo e o governo em busca de um “pacto político” que permita reconduzir o processo. A “Embaixada”, ou seja, o imperialismo norte-americano, a ONU e os “governos amigos” (começando pelos da União Europeia e de Cuba que foram mediadores das negociações) se moverão também.

Uribe, que reafirmou que “queremos contribuir a um grande pacto nacional”, adianta suas pretensões para modificar o acordo: que as sanções aos chefes das FARC incluam a prisão; que não possam ser eleitos; que os bens e recursos da guerrilha paguem os custos da reparação e reconstrução; entre outros.

Nestes marcos, qualquer renegociação implica modificar à direita os termos acordados com as FARC, recortando ou anulando várias das garantias da “justiça transicional” ou das modalidades de desarme, reintegração à vida civil e participação política como partido legal que haviam assinado. Os comandantes guerrilheiros se verão frente à pressão para fazer mais concessões como preço para refazer o acordo e deverão convencer suas bases a aceitá-las. Esta é uma das principais razões que possivelmente compliquem a resolução da crise.

De fato, estão em questão os ritmos e pautas para colocar em marcha a fase de concentração, desarme e desmobilização da guerrilha para a qual a ONU, o governo e as Forças Armadas por um lado, e as FARC de outro, aceleravam os preparativos.

Os objetivos profundos do plano burguês para a “paz”

Uribe e Santos compartilham o objetivo central dos diálogos de “paz” desde o ponto de vista burguês: obter a “rendição negociada” da guerrilha e acabar. Discordam nos termos para impor para isso. Enquanto Santos optou por uma fórmula mais “de centro”, palatável para a direção das FARC, Uribe, apoiando-se em uma ala burguesa e latifundiária ferozmente anticomunista e que teme se ver prejudicada, opina que as concessões à guerrilha são excessivas e que é possível pressionar muito mais para aprofundar esta rendição negociada e deixar mais claro quem ganhou a guerra.

No fim das contas, as necessidades políticas próprias de ambos são contraditórias mas os objetivos estratégicos são convergentes entre as duas alas burguesas que representam. Para começar, compartilham o programa neoliberal e a defesa das “conquistas” burguesas e latifundiárias acumuladas em longos anos de guerra interna às custas do povo, algo que o acordo Final na verdade não ameaçava.

O Plano Colômbia, financiado pelos Estados Unidos investiu durante os últimos 15 anos cerca de 10 bilhões de dólares em assistência econômica e militar, sendo decisivo no fortalecimento do Estado colombiano e na potencialização de suas Forças Armadas até encurralar a guerrilha. A cúpula política e militar do país e o imperialismo assumiram que não era possível erradicar as FARC só por meios militares, era necessária uma saída política, ou seja, negociada. A guerra levada adiante com generosa ajuda imperialista criou as condições para a negociação em Havana. Agora, rebatizado como "Paz Colômbia," este plano continua e se ampliará a cerca de 500 milhões de dólares em 2017, o que dá ideia da importância que tem para Washington a consolidação da Colômbia como um de seus principais agentes econômicos, políticos e militares na região.

Os setores fundamentais da burguesia e o imperialismo que apoiam o plano de Santos jogam nesta via o melhor modo de consolidar e lavar a cara da ordem de dominação política mediante uma “reconciliação nacional” que feche as profundas cicatrizes de meio século de extrema violência social e política; com isso, abrir os territórios até agora sob controle guerrilheiro ao investimento nacional e estrangeiro em mineração, petróleo, pecuária e agronegócio; e finalmente, projetar a Colômbia como ator regional com mais peso nos assuntos continentais.

Um impasse que deixa o acordo em suspenso e sujeito à rediscussão

De todas as formas, a situação colombiana entrou em uma conjuntura complexa politicamente e pouco previsível, ainda que a variante menos provável por agora parece ser a retomada dos combates. Indubitavelmente, nos próximos dias haverão novidades abundantes para seguir atentamente em meio à incerteza que este impasse provoca. Também será ocasião de discutir o balanço do apoio político ao “processo de paz” e seu plebiscito, outorgados pela maior parte da esquerda, assim como as alternativas desde o ponto de vista dos interesses dos trabalhadores, camponeses, negros e povos originários da Colômbia.




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