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CULTURA | V de Vingança [part. I] Lembrem, lembrem do 5 de Novembro!

sábado 5 de novembro de 2016 | Edição do dia

A Graphic Novel V de Vingança de Alan Moore e David Lloyd, começou a ser pensada em 1981, e foi publicada paulatinamente dividida em 3 tomos. Quando da publicação pela DC Comics em 1988, Moore escreveu uma introdução (que acompanharia o texto nas edições posteriores) sob o temor do crescimento do conservadorismo. Margareth Thatcher já estava em seu 3 mandato, tabloides especulavam sobre a criação de campos de concentração para pessoas portadoras de AIDS, câmeras de “segurança” se espalhavam pelas cidades, e Moore manifesta sua intenção de deixar a Inglaterra, que se tornava um ambiente mais e mais hostil.

Não é de nosso interesse aqui analisar em termos rígidos a “ascensão do fascismo” no ambiente da História em Quadrinho, tampouco enaltecer as ideias anarquistas. Mas sim, a partir desse material refletir sobre a gradual perda de direitos coletivos e crescimento do conservadorismo, como aconteceu na Inglaterra na década de 1980 e estimulou o trabalho de Moore e Lloyde, como também acontece no Brasil hoje. Guardando as diferentes proporções no ponto de vista que na Inglaterra era preciso quebrar o Estado de Bem Estar Social e derrotar os trabalhadores.

O primeiro Tomo – A Europa Depois do Reino – se dedica a apresentar a situação da Inglaterra, pós 3 Guerra Mundial, que foi de proporções nucleares, onde em disputa as potências haviam destruído a África, em 1988. Diante da caótica situação que se seguiu com a inexistência de governo e catástrofe climática, emergiu ao poder na Inglaterra, um governo de caráter fascista em 1992. Logo começaram a controlar tudo, o passo seguinte foi dar sumiço a pessoas “diferentes”, primeiro os negros e paquistaneses, em seguida os brancos, ligados a grupos radicais e também os homossexuais.

A jovem Evey depois de perder, aos 11 anos, sua mãe devido a precariedade nas condições de vida e seu pai, aos 12, para o regime, por ele ter feito parte de um grupo socialista na juventude, foi obrigada a viver em péssimas condições em um albergue. A história em si tem início a partir de 1997, mais precisamente no dia 5 de novembro, quando aos 16 anos Evey, em busca de melhorar minimamente sua condição de vida, decide se prostituir. Precisamente nesse dia V faz sua primeira aparição, e começa seu grande espetáculo salvando-a dos homens do Dedo [1], para em seguida, em companhia da jovem, assistir a explosão das casas do parlamento acompanhada de fogos de artificio, formando um grande V pelos céus de Londres.

V – um Rei do século XX, um bicho papão, uma ovelha negra da família – marcou profundamente sua aparição, os aparelhos de “manutenção da ordem”, Olho[2], Ouvido[3] Nariz[4] e a Cabeça[5], perceberam por todos os meios a agitação causada, pelas câmeras de segurança que o gravaram em sua entrada triunfal atacando os homens do Dedo que ameaçam Evey, também pelas conversas telefônicas onda a população estava agitada comentando sobre o acontecido, e a pressão da Cabeça para que o Nariz investigue e descubra a identidade desse misterioso homem que sempre ri. Não se pode deixar de mencionar a Boca[6], onde era transmitida, via rádio, a Voz do Destino[7], como meio de comunicação oficial do governo, que tentou dissimular o acontecido dizendo se tratar de uma demolição planejada.

O 5 de novembro faz referência ao dia de Guy Fawkes, data que marca o dia em que ele foi pego no porão do Parlamento com uma grande quantidade de explosivos. Ele era um extremista católico que foi recrutado por um grupo que conspirava para explodir o Parlamento e matar o Rei James I., pela sua perseguição aos católicos do país. O grupo alugou uma casa que compartilhava parte de seu porão com o Parlamento, e encheu esse porão de pólvora. Fawkes foi escolhido para iniciar o fogo, com plano de escapar quinze minutos antes da explosão, mas estava preparado para morrer por sua causa, caso precisasse ficar. No entanto o plano foi traído, Fawkes foi pego, em seguida torturado, e executado em frente ao Parlamento em 31 de janeiro de 1606.

A Galeria das Sombras, morada de V, e também de Evey a partir de então, era um reduto de beleza, emanava cultura em diversos níveis, algo completamente ausente do mundo distópico em que se passa a história. Aparece na estante da biblioteca de V livros diversos, incluindo “O Capital” de Karl Marx, “Utopia” de Thomas Morus, “A Divina Comédia” de Dante Alighieri, Obras de Shakespeare, e muitos outros, inclusive “Mein Kampf” de Adolf Hitler. Ainda se vê o cartaz de filmes diversos “Os Assassinatos da Rua Morgue” (1932), “Road to Morocco” (1942), “Son of Frankenstein” (1939), “ White Heat” (1949).

O título da obra não é à toa, há uma vingança envolvida, à medida que a história avança vai ficando claro. A primeira que merece destaque é a contra Lewis Prothero, o locutor da Voz do Destino, que fala em nome do governo. Ele outrora foi o responsável pela administração do Campo de Readaptação (Concentração) de Larkhill, e seu destino após sequestrado por V, foi ver sua preciosa coleção de bonecas queimar, o que certamente o fez se importar muito mais do que ver pessoas queimando outrora, o resultado do processo foi seu enlouquecimento, “mamãe, mamãe” era tudo que conseguiu dizer quando foi deixado na porta da nova Scotland Yard.

Como descrever o sistema de governo sobre o qual se vivia? O Líder – Adam Susam – o determinava, sem nenhum pudor, como fascista, a sobrevivência da “raça nórdica”, dizia ele, dependia da força e da união, em sua lógica distorcida força e união exigem uniformidade, e consequentemente abafar as súplicas por liberdade. V, por outro lado, em conversa com a Justiça (de forma bem teatral simbolizada por uma estátua) lamenta como um amante, a traição dela para com homens de uniforme e lhe presenteia com uma caixa em formato de coração, que na verdade contêm uma bomba. Tenho explodido o símbolo da antiga amante, a Justiça, saúda sua nova amante, a Anarquia que vinha acompanhada das chamas da liberdade.

Uma vez mais é hora de vingança. Com ajuda de Evey dessa vez, contra o pervertido Bispo Tonny Lilliman que também havia trabalhado em Larkhill. A jovem serviu de isca para o pedófilo, que teve como destino comungar de uma hóstia envenenada.

Os símbolos que aparecem nas cenas onde V realiza sua vingança são: Um “V” num círculo, com clara semelhança ao símbolo de anarquia, bem como lembra a dramática marca do Zorro. Também é deixada uma Rosa, uma “Violet Carson”, uma rosa híbrida criada pelo cruzamento de uma “Madame Leon Cuny” com uma “Spartan”, é descrita como uma flor colorida, com creme ou prata por sob as pétalas, e tem um arbusto robusto e espalhado, não se trata de uma flor ordinária.
Outra vingança se segue a mais uma pessoa que trabalhou em Larkhill, Délia, a médica que conduziu os experimentos com humanos no Centro de Reabilitação (concentração). Ela reconheceu a rosa deixada no local de morte do bispo, e sabia que V viria buscá-la, e ele o fez, trouxe uma rosa, dessa vez para ela. Deixou para que fosse encontrado o diário dela sobre as condições de vida e os experimentos realizados em Larkhill.

O Sr. Finch, um investigador do nariz com destaque na história, em posse do diário tentou traçar e entender o desenrolar da história de Larkhill, onde as pessoas “sumidas” viviam em péssimas condições e passavam por uma série de experimentos, no qual a grande maioria não escapava com vida, sendo o próprio V um desses experimentos. Que em sua atuação buscou, entre outras coisas, sua vingança contra aqueles que o tiraram do seu lar, o trancaram em uma sela, e mataram paulatinamente todos daquele lugar, com seus experimentos.

E assim se conclui o Tomo Um, e feitas as devidas apresentações, a história tem seu desenrolar no Tomo Dois – Esse Vil Cabaré, que sera apresentada na segunda parte desse texto.

O 5 de novembro tem profunda importância no contexto da HQ, e a homenagem prestada a Guy Fawkes pelos autores da obra. Eventos de destacada importância na história acontecem nesse dia (em diferentes anos). Por isso publicamos a primeira parte desse texto exatamente nesse dia. A segunda parte fica para o dia 9 de novembro, data em que acontece o desfecho final na HQ.

Notas:
[1] Dedo = Polícia comum, que faz o trabalho de rua
[2] Olho = Polícia encarregada da vigilância das pessoas, e manter o controle das câmeras de segurança, como também seu arquivo.
[3] Ouvido = Política encarregada das escutas telefônicas.
[4] Nariz = Política encarregada das Investigações.
[5] Cabeça = Liderança do Regime.
[6] Boca = Meio de comunicação oficial, o Rádio que transmitia a Voz do Destino.
[7] Destino = Computador que guiava a atuação da Cabeça. Cuja voz era reproduzida pelo rádio, mas que também determinava inclusive as homilias do bispo, por exemplo.

Referências:
V de Vingança – Roteiro de Allan Moore e Arte de David Lloyd
V de Vingança, Guia de Referências – Anotações sobre a HQ feitas por uma classe de graduação em Pesquisa Literária, sob a direção do Dr. James Means, da Universidade Estadual do Noroeste da Louisiana, em 1994. Disponível em: <<http://www.mortesubitainc.org/misce...> > Acesso em: 20 de Out. 2016


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