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União Soviética na Segunda Guerra: e a luta de classes? Um debate com o podcast História Cabeluda [Parte 3]

Noah Brandsch

União Soviética na Segunda Guerra: e a luta de classes? Um debate com o podcast História Cabeluda [Parte 3]

Noah Brandsch

Nesta terceira parte do artigo, vamos passar pelo processo revolucionário que se ascendeu, tanto na Europa quanto na periferia do capitalismo, após a derrota dos nazistas em Stalingrado e da contra ofensiva soviética. Sobre o papel da URSS, vamos abordar o que foi ocultado pelo podcast: as políticas e manobras completamente traidoras da burocracia stalinista nos diversos PCs para conter esse processo revolucionário a qualquer custo, desde o desarmamento do proletariado até os pactos com o imperialismo. Não vamos deixar de falar também do papel que os imperialismos “democráticos” cumpriram em massacrar esses processos. E, no final, abordaremos brevemente o papel dos trotskistas e da Oposição de Esquerda durante todo esse processo da Segunda Guerra. Este artigo serve para pensarmos, também, em como a guerra é parteira de revoluções, e em um momento em que explodem as tensões na Ucrânia com a invasão russa e o armamento imperialista da OTAN, conhecer a história é fundamental para que possamos tirar lições e ter uma política revolucionária consequente para a derrocada do capitalismo.

A contra ofensiva dos Aliados e a dissolução do Comintern:

A derrota de Hitler em Stalingrado enfraqueceu o regime interno dos nazistas, tanto na Alemanha quanto nas ocupações do Leste europeu, Itália, França e África. Isso significou, na prática, diversos ascensos proletários em todos esses países contra a ocupação nazi, abrindo o maior processo revolucionário do século XX. Era um momento em que o movimento de massas entrava em cena de forma independente e capaz de pesar fundo na balança da história. Se definimos que esse foi maior inclusive que o da Primeira Guerra, por que não houve nenhuma Revolução Russa durante a II Guerra? Bom, a falência estratégica e a traição do stalinismo podem explicar…

Após a derrota dos nazistas na cidade de Stalingrado em fevereiro de 1943, onde já se iniciava uma contra ofensiva soviética, e com as sucessivas derrotas do Eixo no Norte da África, perdendo de vez para os aliados em 16 de maio do mesmo ano e dando espaço para a ocupação aliada pelo Sul da Península Itálica, é um momento em que o III Reich de Hitler começa a desabar. Com a iminência cada vez maior dessa derrota hitlerista, a medida de Stálin e do PCUS é dissolver, no dia 15 de maio, a III Internacional Comunista, erguida por Lênin e pelos bolcheviques em meio à Guerra Civil Russa em 1919 para expandir a revolução.

Para Stálin, a dissolução do Comitern seria fundamental para “desmentir” a ideologia hitlerista de que o desejo da URSS era “bolchevizar a Europa”, além de “facilitar” o trabalho dos povos e campos progressistas em todos os países “amantes da liberdade” na luta contra o fascismo, segundo entrevista que o próprio deu à correspondente da agência britânica ’Reuters’, deixando com que Churchill recebesse a notícia da dissolução do Cominern com entusiasmo. Nas palavras de Stálin:

A dissolução da Internacional Comunista é apropriada e oportuna porque facilita a organização do ataque comum de todas as nações amantes da liberdade contra o inimigo comum - o hitlerismo.
A dissolução da Internacional Comunista é apropriada porque:
a) expõe a mentira dos hitleristas no sentido de que "Moscou" pretende intervir na vida de outras nações e "bolchevizá-las". Daí em diante, um fim está sendo colocado nessa mentira;
b) expõe a calúnia dos adversários do comunismo dentro do movimento trabalhista no sentido de que os partidos comunistas em vários países supostamente agem não no interesse de seu povo, mas em ordens de fora. Um fim também está sendo colocado nessa calúnia;
c) que facilita o trabalho dos patriotas (no original o seguinte é marcado fora: em todos os países, unindo todos os povos amantes da liberdade como um. ed Dimitrov, Diário) nos países amantes da liberdade para unir as forças progressistas de seus respectivos países, independentemente de partido ou fé religiosa, em um único campo de libertação nacional - para desdobrar a luta contra o fascismo;
d) facilita o trabalho dos patriotas de todos os países para unir todos os povos amantes da liberdade em um único campo internacional para a luta contra a ameaça de dominação do mundo pelo hitlerismo, abrindo caminho para a futura organização de uma sociedade de nações sobre a sua igualdade.
Penso que todas estas circunstâncias conjuntas resultarão num reforço adicional da frente única dos Aliados e de outras nações unidas na sua luta pela vitória sobre a tirania de Hitler. Eu sustento que a dissolução da Internacional Comunista é perfeitamente oportuna porque é exatamente agora, quando a besta fascista está exercendo sua última força - que é necessário organizar o ataque comum dos países amantes da liberdade para acabar com essa fera e livrar os povos da opressão fascista. [1]

Para além de, nas palavras, Stálin estar defendendo a mais ampla união com qualquer partido político (inclusive com as burguesias mais imperialistas, como os EUA) na luta contra o fascismo, reafirmando as concepções anti-marxistas de “democracia vs. fascismo” (que foram abordadas também na Parte 1), o real interesse, tanto da burocracia quanto do imperialismo, era de sufocar qualquer mobilização independente dos trabalhadores com o vácuo que poderia se abrir na derrota de Hitler. Ou seja, nesse momento onde revolução e contra-revolução ficam face a face, o real interesse era manter a contra-revolução em prol dos privilégios da burocracia de um lado, e da ordem capitalista de outro. Nesse momento, inclusive, há uma desaceleração do avanço soviético sob a ocupação nazista, para que a derrota não se dê de forma rápida o bastante para o desenvolvimento de uma revolução nos locais em que os nazistas perdiam, consolidando o poder do Exército Vermelho sob tutela da burocracia em cada avanço do território do front Oriental.

Essa medida de dissolução do partido internacional da revolução, nem mencionada pelo podcast, é o ápice da teoria do “socialismo em um só país”, que abandona, agora formalmente, os anseios pela revolução mundial em troca da manutenção dos privilégios de uma burocracia nos marcos dos Estados nacionais. Como veremos, os Aliados (me refiro aqui às potências imperialistas) tiveram um papel central em defender a contra-revolução nesse momento, papel esse que os PCs da agora ex III Internacional também cumpriram.

Revoluções do pós guerra traídas pelos PCs e sufocadas pelos Aliados:

Apesar de dissolver o Comintern, a linha stalinista seguia nos PCs. A auto-organização dos trabalhadores contra a ocupação nazista, com comitês de fábrica e destacamentos armados para auto defesa, verdadeiros embriões para o desenvolvimento de sovietes, aumentava na medida em que a derrota de Hitler estava mais iminente. Como já disse, um vácuo no poder poderia se abrir com uma rápida derrota nas regiões ocupadas pelo nazismo, somando-se às penúrias da população que sofria com o regime nazi-facista, dando um espaço para a classe trabalhadora que vinha surgindo como um sujeito independente. Se abria uma situação revolucionária no centro do capitalismo.

Itália:

Nas cidades industriais do norte da Itália, como Milão, Turim e Gênova, começa uma resistência anti-fascista no final de 1942. Nas fábricas e nas centenas de greves se desenvolvem conselhos de trabalhadores, que lutavam contra a exploração e exigiam indenizações para os trabalhadores afetados pela guerra, tanto pelo regime fascista quanto pelas bombas aliadas. Esses conselhos desenvolveram destacamentos armados de operários para autodefesa contra o Estado burguês e as milícias fascistas, chegando a conformar um exército de mais de 300 mil trabalhadores, conhecidos como Partisans. A burguesia italiana, completamente amedrontada com a força do proletariado italiano e incapacitada de sufocar as mobilizações através do fascismo, foi obrigada a ceder certas medidas para tentar “abafar” e desviar o proletariado. Por isso, na metade de 1943, a burguesia italiana destitui Mussolini e forma um Estado “democrático” liderado por Badoglio (do partido da Democracia Cristã), ainda que provisório pelo calor dos acontecimentos. Nesse momento, as tropas aliadas da Inglaterra e EUA chegam na península itálica pelo Sul e vão avançando até a metade do país, e a Itália muda de lado. A partir daí, a Alemanha nazista invade o Norte da Itália para tentar manter seu poder na região e evitar tanto o avanço dos Aliados, mas fundamentalmente conter qualquer revolução.

Contra a ocupação nazista, os operários protagonizam uma verdadeira batalha, com uma greve nacional de mais de 1 milhão de trabalhadores que exigiam a liberdade aos presos políticos e o fim da guerra, e a formação de dois Comitês militares nacionais (CLN e CLNAI) para coordenar as ações dos partisans; além disso, os trabalhadores capturaram Mussolini que tentava fugir do país, o fuzilaram e o penduraram de cabeça para baixo em praça pública, rendendo fotos que inspiram os movimentos anti-fascistas até hoje. Nas batalhas, os operários diziam “Os alemães tiveram uma derrota decisiva em Stalingrado; nós, trabalhadores, queremos fazer de Milão a Stalingrado da Itália”. Ao Norte ficou a ocupação nazista, e nas outras regiões ficou o governo de Badoglio aliado aos Aliados, que “combatiam” a ocupação nazista. O PCI (Partido Comunista Italiano) era direção majoritária do proletariado no momento, apesar das difíceis condições de militância sob o regime fascista, sua política foi a de conformar um novo tipo de “Frente Popular” (que, como vimos no primeiro artigo, levou as revoluções do pré guerra ao túmulo) com o governo burguês, em nome da “Unidade Nacional contra o nazismo”, integrando as milícias operárias à Guarda Nacional de Badoglio; além de garantir aos Aliados que, uma vez derrotado os nazistas, e autoridade sob a Itália ficaria sob seu controle, e não dos operários que tinham eles sim combatido ferozmente Hitler e Mussolini. Como foi aprofundado em outras partes dos artigos, com uma direção burguesa, o proletariado fica desarmado para realmente combater o nazi-fascismo. Vejamos o discurso de Togliatti, líder do PCI, em 1944:

"Hoje não se coloca aos trabalhadores italianos o problema de fazer aqui o que se fez na Rússia [revolução de 1917] (...) devemos garantir a ordem e a disciplina na retaguarda dos exércitos Aliados.” [2]

Somado a isso, os exércitos Aliados que entraram na Itália com uma invasão rápida, ficaram parados na região central da península sem se movimentar, esperando que a ocupação nazista do Norte derrotasse a classe operária (que seguiu a política do PCI de compor o governo burguês), e evitando uma derrota rápida dos nazistas que desse espaço a uma revolução. Após a derrota dos trabalhadores, os Aliados tomaram a Itália e restauraram a democracia burguesa. A política stalinista do PCI era para conter as mobilizações dos trabalhadores da Itália que poderiam protagonizar uma revolução.

Essa política dos Aliados de conter revoluções se deu antes mesmo da ocupação na Itália. No Norte da África, ocupada pelas tropas do Eixo, também se vivia uma enorme onda de luta de classes, e a luta dos povos africanos contra o colonialismo europeu era algo que poderia desencadear uma gigantesca onda revolucionária. Nisso, as tropas Aliadas ocupam militarmente o Norte da África, para, por um lado, conter a luta de classes (tendo uma política de ocupação e repressão bem parecida com a dos nazistas, inclusive não destituindo os generais hitleristas que reprimiam as mobilizações da classe trabalhadora), e por outro, fazer parte do plano militar de combater o Eixo pelo front do Sul.

Para saber mais sobre a revolução na Itália: A 75 AÑOS . Cuando las masas italianas derrotaron al fascismo

Para o artigo não ficar muito longo, nos centramos mais na experiência italiana, porém vamos passar brevemente por outros processos:

França:

Na França, o proletariado que tem a histórica tradição da Revolução Francesa, da Comuna de Paris e que, como foi falado na Parte 1, protagonizou diversas lutas contra o fascismo em 1935 (apesar de serem derrotados pela política do PCF, a vanguarda dos proletários que lutaram não foi exterminada fisicamente, como foi na Espanha, por exemplo), se levanta contra a ocupação nazista (com o trotskismo tendo grande influência em vários setores, inclusive), e que formam milícias operárias que tomam parte do poder do Estado, controlando indústrias e territórios, após derrotar o governo colaboracionista de Vichy. A política do PCF foi semelhante à da Itália, de integrar as milícias operárias ao novo governo burguês, até que as tropas estadunidenses e inglesas bombardeassem a França, matando diversos civis inclusive em zonas onde os trabalhadores estavam sob controle, e desembarcassem na Normandia no chamado Dia D, em que os Aliados tomam conta do país, abortando a revolução na França.

O PCF, entretanto, chegou a compor o governo imperialista e burguês da França em 1945 com seu principal dirigente Maurice Thorez, e, após a revolução vietnamita que expulsou o imperialismo japonês ao final da guerra, o governo francês, com conivência do PCF, bombardeou e ocupou a Indochina novamente. Além disso, o PC Indochinês de Ho Chi Minh acordou tal ocupação com o PCF por uma suposta “soberania” formal do Vietnã, e também foi central em reprimir os comitês de fábrica dos operários e a vanguarda trotskista. [3]

Grécia:

Na Grécia, talvez um dos casos mais emblemáticos, o proletariado já vivia desde 1936 uma sangrenta ditadura militar, do ditador Metaxas, que caiu pela a ocupação nazista em 1941. Já a partir daí, começam a se desenvolver grupos armados no campo contra a ocupação nazista, enquanto o PC grego (KKE) se preocupava em fazer uma “frente nacional” com a burguesia. À medida em que a ocupação nazista aumentava, o proletariado nas fábricas, camponeses organizados em guerrilhas, estudantes e setores da pequena burguesia aumentam sua resistência. A auto-organização dos trabalhadores configura um verdadeiro exército, mesclando-se com diversas greves gerais em todos os setores e pelo país inteiro. As milícias de operários e camponeses gregos vão libertando as zonas da Grécia inteira, e fazendo o que chamavam de “cinturões vermelhos” ao redor das cidades para defendê-las dos nazistas. Além disso, dentro do exército grego, os trabalhadores criam organizações antifascistas para atuar no Oriente Médio. A política do KKE, que controlava boa parte do movimento, era de “usar todas as forças para a unidade nacional”, sem nenhum distinção de classe na luta que se dava contra a ocupação nazista, e contra a própria burguesia grega. Em 1943, com a contra ofensiva soviética aos nazistas e após a dissolução da III Internacional, o KKE afirma que:

“O KKE apoia por todos os meios a luta pela libertação nacional e fará tudo o que esteja em suas mãos para que as forças patrióticas se unam na Frente Nacional que mobilizará o povo inteiro para expulsar o invasor estrangeiro e para obter a libertação nacional junto com os nossos grandes Aliados” [4]

Segundo o próprio Churchill, as forças Aliadas tinham o interesse de, após derrotar os nazistas, restaurar a ditadura de Metaxas. A política do KKE, ditada pela burocracia de Moscou mesmo com a dissolução da Internacional, era a mesma dos outros PCs no momento: evitar a revolução para garantir os interesses da burocracia privilegiada. Stálin e Churchill fizeram um acordo, em abril de 1944, para que, após a retirada das tropas alemãs, o território grego fosse entregue aos britânicos. Entretanto, diferentemente da Itália e da França, não serviu apenas tentar integrar as milícias operárias ao governo burguês para afundar a revolução, mas foi necessário diretamente desarmar e reprimir militarmente os trabalhadores para que não tomassem o poder, exterminando mais de 13 mil trabalhadores dentre os quais cerca de 600 eram militantes trotskistas da IV Internacional que tiveram um papel central nesse processo grego, como Stavros Verukhis; a GPU soviética, inclusive, com um forte papel nessa perseguição. Em 1945, o KKE negociou diretamente com o ministro das relações exteriores grego, apoiado pelos britânicos, para dissolver as milícias operárias (EAM e ELAS), no tratado que ficou conhecido como Tratado de Varkiza. Esse papel diretamente contra revolucionário do KKE pode ser expresso no depoimento de Dimitris Anagnostopoulos, ex-militante do do partido que viveu nos anos 70 no Brasil:

“– Eu fuzilei trotskistas! (...) Ele perguntara ao oficial o que eram “trotskistas”. Colaboradores contrarrevolucionários dos ingleses, respondeu seu superior. Dimitris me disse que, na hora e por longo tempo, seguiu se perguntando por que contrarrevolucionários a serviços dos ingleses morreriam de braço erguido, de punho cerrado, cantando a Internacional que eles…. também cantavam!” [5]

Esse papel também pode ser expresso em um vídeo dos trabalhadores gregos sendo obrigados pelo KKE e pelas forças britânicas a deporem suas armas após terem praticamente tomado o poder:

O podcast nem cita esse caso grego em que o KKE e a burocracia da URSS foram ativos na contra revolução. Talvez por que o KKE seja um dos partidos mais reivindicados pelo PCB hoje, partido o qual o apresentador do podcast faz parte?

Para saber mais afundo sobre a revolução e contra revolução na Grécia, ver: Trotsky y los trotskistas frente a la Segunda Guerra Mundial

Iugoslávia, Polônia e outros:

Citando brevemente, na Iugoslávia houve um caso que fugiu do controle das burocracias de Stálin, em que o processo de luta de classes foi tão intenso que obrigou a direção stalinista do Partido Comunista Iugoslavo, de Josef Tito, a expropriar a tomar o poder e burguesia. Nessa região, próxima à Grécia, Stálin também havia negociado que seria área de influência inglesa, entretanto, tal medida não se concretizou justamente pela expropriação da burguesia. A tomada do poder por uma direção não revolucionária, ou seja, por uma direção que foi empurrada a tomar o poder, deu origem a um Estado operário burocraticamente deformado. A efervescência da classe trabalhadora iugoslava na luta contra a ocupação nazista fez com que, inclusive, a Iugoslávia fosse por um tempo o país das burocracias do Leste Europeu que tinha mais liberdade relativa de organização entre os trabalhadores. Tal revolução que saiu do controle de Stálin gerou um racha entre ele e Tito, em que o primeiro inclusive tentou assassinar o segundo.

Na China, a burocracia do PCCh tentava conter ao máximo a luta de classes com seu programa de “Frente Única Anti Japonesa", de não expropriação de latifúndios “aliados” e de “revolução antifeudal e anti-imperialista, preservando os capitalistas nacionais”. Ali, foi também obrigada pelas massas a tomar o poder e se colocar contra o Kuomitang (Partido nacionalista da burguesia chinesa). [6]

Não nos esqueçamos, também, da política do PCB no Brasil de apoiar o “aliado contra os fascistas” Getúlio Vargas, de “evitar agitações e mobilizações”, de “apertar os cintos” para não desestabilizar o governo na luta contra o fascismo, como fiz Prestes em seus discursos da época. Essa política do PCB foi feita em um momento que a classe operária brasileira vivia sucessivas ondas de greves.

Na Polônia, com o trotskismo sendo linha de frente, comunidades judaicas, organizadas militarmente, como a ZOB (Organização Combatente Judaica), se levantaram contra a política de extermínio dos nazistas, no processo que ficou conhecido como Gueto de Varsóvia, em 1943. Além disso, para combater a ocupação nazista, os trabalhadores se organizaram em seus locais de trabalho formando conselhos, assim como nos outros processos, e destacaram grupos armados de trabalhadores, formando um exército que ficou conhecido como Armia Krajowa, e que chegou a fazer uma insurreição em Varsóvia em 1944, esperando que o Exército Vermelho, que estava ao lado, auxiliasse na tomada do poder. Entretanto, o Exército Vermelho não interferiu na insurreição, deixando com que os nazistas dessem um banho de sangue nos trabalhadores. Após a derrota dos trabalhadores, o Exército Vermelho ocupa a região.

Esse processo na Polônia se liga a um outro fator, em que, conforme a URSS vai derrotando os nazistas no Leste Europeu, o Kremlin vai instaurando governos que foram chamadas de “democracias populares”, nas quais a propriedade privada era preservada, porém com um controle político e militar do Exército Vermelho. O avanço da URSS vai formando essas “democracias populares” até chegar em Berlim, onde a Alemanha é repartida em 4, entre ingleses, estadunidenses, franceses e soviéticos. Tal medida de repartição da Alemanha também foi fundamental para sufocar a revolução que se desenvolvia dentro do coração do nazismo.

Para além de citar brevemente os Partisans, o podcast nem se atreve a tocar nesses processos revolucionários que ocorreram na guerra e no pós guerra, e muito menos mencionaram o papel diretamente contra revolucionário do stalinismo e da burocracia da URSS.

Após os tratados de Yalta e Potsdam e o início da Guerra Fria, a burocracia do Kremlin se viu obrigada a expropriar a burguesia dos países do Leste Europeu. Entretanto, foi uma expropriação vinda de cima, com o controle do Exército Vermelho e sem a auto-organização dos trabalhadores, dando origem a diversos Estados operários burocraticamente deformados que serão espoliados pela URSS, e protagonizarão diversas revoluções políticas no futuro, como Berlim em 1953, Hungria em 1956 e Tchecoslováquia em 1968.

Crimes de guerra dos Aliados:

Além do que já foi mencionado da política dos Aliados (deixando a URSS de lado, nesse caso) em impulsionar a contra revolução, afinal, são potências imperialistas e capitalistas, essas burguesias cometeram verdadeiros crimes de guerra para manter a contra revolução. Como já foi mencionado, os Aliados bombardearam a França e o Norte da Itália matando diversos civis, no momento em que o proletariado ganhava força como sujeito independente derrotando as forças nazistas. Na Alemanha, a Inglaterra e os EUA protagonizaram bombardeios nas cidades industriais de Hamburgo, Colônia, Berlim, e principalmente Dresden, nessa última despejando 4.000 toneladas de bombas e matando mais de 25.000 civis, em fevereiro de 1945, um momento em que Eixo já havia praticamente perdido a guerra; essas cidades eram o polo de concentração do proletariado alemão, que estava organizado enfrentando o nazismo em armas. Na Argélia, em 1945, após a derrota dos nazistas, os trabalhadores começaram a lutar contra a ocupação imperialista dos Aliados; nesse momento, a França promoveu um massacre aéreo de 40.000 argelinos. E, no dia 6 e 9 de agosto de 1945, os EUA lançam as duas bombas atômicas em Hiroshima e Nagazaki, matando 200.000 civis imediatamente, além das consequências posteriores da radiação; tal bombardeio foi feito também em um momento que a guerra já estava decidida, e que o proletariado japonês se colocava contra a monarquia imperial do Eixo. Essas são questões que a mídia burguesa e a historiografia liberal não colocam; e os stalinistas, quando colocam, nunca é no sentido de enxergar tais medidas como parte de um processo de contra revolução, afinal eles também são contra revolucionários, e não conseguem enxergar a história pela via da luta de classes… caso contrário não seriam stalinistas.

O coroamento da contra revolução: os tratados de Yalta e Potsdam:

Após afundar as revoluções do final da guerra, em um papel diretamente contra revolucionário, o coroamento da aliança entre o imperialismo ocidental e a burocracia soviética foi a divisão da Europa em zonas de influência. Essa divisão foi acordada nos tratados de Yalta, na Criméia, em fevereiro de 1945, e Potsdam, na Alemanha, entre julho e agosto do mesmo ano. É importante enxergar que, nesse momento final da guerra em que a derrota do Eixo estava iminente, a burguesia dos Aliados, a burguesia Alemã e Italiana, e a burocracia soviética (atuando também através dos PCs nos diversos países), estavam unidos e centrados em evitar a revolução de qualquer forma!

Nos tratados, foram decididos, entre outras coisas em relação à reparação de danos, repartição da indústria e do exército alemão etc., a divisão da Europa em zonas de influência. Vejamos o mapa:

Nos países que ficaram sob influência soviética em que ocorreram processos revolucionários, como na Polônia, o Exército Vermelho ocupou o território mantendo a propriedade privada, mesmo que tenha sido obrigado a expropriá-la posteriormente, como já foi explicado. Em outros, como a Grécia, Itália e França, em que o proletariado se ergueu em armas, foram submetidos à influência do imperialismo e à reestruturação da propriedade privada. A Iugoslávia, como já foi mencionado, segundo os acordos, deveria ficar sob influência britânica, assim como a Grécia; porém, o proletariado foi tão forte na resistência contra o nazismo que obrigou o PCI de Tito a expropriar a burguesia. A Alemanha foi dividida em quatro, e posteriormente em dois, dividindo o forte proletariado alemão, inclusive fisicamente, com a posterior construção do muro de Berlim em 1961. Vale ressaltar que o ângulo que trazemos aqui no artigo não é apontar que “se a França, Itália e Grécia fossem do bloco soviético, a URSS estaria em vantagem na Guerra Fria”, mas sim afirmar que: essas revoluções no centro do capitalismo, em um momento de imensa debilidade dos outros imperialismos, com o Exército Vermelho a um passo para ajudar contra qualquer processo contra revolucionário, poderiam ter sido a derrocada definitiva do capitalismo, caso os PCs e a III Internacional fossem de fato marxistas, leninistas e revolucionários; ou seja, caso fossem de fato comunistas.

Depois do papel traidor do stalinismo, o lado Ocidental da Europa ficou livre para enterrar de vez a possibilidade de uma revolução naquele momento, com o imperialismo estadunidense desembolsando cerca de 14 bilhões de dólares (o que equivaleu cerca de 7% do PIB americano durante 4 anos) para a reconstrução da Europa, no chamado Plano Marshall, de 1948 a 1952; e o lado Oriental, sob controle do Exército Vermelho e da burocracia soviética, sem uma auto-organização dos trabalhadores, fortalecendo o stalinismo e prolongando a restauração capitalista pela própria burocracia (como ocorreu de fato entre 1989-91 com a dissolução da URSS). Vale lembrar, também, que a URSS foi parte central para a criação da ONU em outubro de 1945, que foi fundada para “estabelecer a paz e a estabilidade mundial”, e que durante todo esse período foi central para justamente isso: preservar e conservar a estabilidade do capitalismo e do imperialismo mundial, com a OMC, a DIT, o FMI, o Conselho de Segurança e outros.

Dinheiro desembolsado para o Plano Marshall

Pergunto aqui, qual a visão dos apresentadores do podcast sobre a divisão da Europa e o aborto da maior onda revolucionária do século passado? Será que também foi uma estratégia brilhante de Stálin?

Sobre esses tratados:
Segunda Guerra Mundial: la Conferencia de Yalta y el reparto del mundo
HISTORIA DE LA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL. La conferencia de Potsdam: el reparto del mundo entre los ganadores de la guerra

Breves considerações de um debate sobre a URSS:

Durante os três textos, buscamos trazer à tona e fazer um debate sobre as traições da política stalinista da III Internacional, fazendo alianças com o imperialismo para sufocar revoluções. Entretanto, tais traições não significam que a burocracia soviética não entrava em conflito com as burguesias imperialistas, ou que tal burocracia seja uma burguesia. Obviamente, esses conflitos existiam, tanto no pré guerra, com os planos ingleses para a invasão da URSS, quanto durante a guerra, com o plano dos Aliados de deixar que Alemanha e URSS se trucidassem no front Oriental, e no pós guerra, com o desenvolvimento da Guerra Fria. Esses conflitos se devem ao fato central de que o Estado soviético é um Estado operário, ou seja, diretamente antagônico aos Estados capitalistas do resto do mundo. Justamente por ser antagônico, e pelo nível de interligação do capitalismo mundial, essas duas classes, ou esses dois modelos de sociedade, não podem conviver sem que uma derrube e triunfe sobre a outra. Para uma revolução sobreviver, ela precisa necessariamente se expandir, utilizando o Estado Operário já formado para servir de ponto de apoio ao proletariado internacional. A burocracia, nesse caso, é um elemento que surge da degeneração de uma revolução e da formação de um Estado Operário, principalmente, no caso da Rússia, pelo seu isolamento e atraso econômico; essa burocracia se apoia sobre as bases do Estado Operário e da planificação econômica para garantir seus privilégios materiais, e, para sobreviver, precisa evitar a expansão da revolução, e conforme vai se estruturando como burocracia, atua conscientemente para barrar a revolução. Esse processo, entretanto, é insustentável, e leva inevitavelmente a dois caminhos: ou a expansão da revolução, ou à restauração do capitalismo pelas mãos da própria burocracia, como previa Trótski, e como ocorreu em 1989 - 91.

Portanto, apesar de a burocracia ser um elemento contra revolucionário de um Estado Operário, continua sendo um Estado Operário, ou seja, não é um Estado capitalista, ao contrário do que defenderam correntes da própria IV Internacional e que depois romperam, como Mário Pedrosa. Esse debate é fundamental pois, para que não se desenvolva uma burocracia em uma revolução, ou uma linha que a reivindique desde hoje (reivindicando as traições do passado!). É fundamental um combate consciente a esses elementos, como fizeram os “trotskistas” com a formação da Oposição de Esquerda.

Trotskismo?

No final do podcast, o apresentador Gustavo Gaio faz perguntas ao entrevistado, a primeira delas é sobre o papel de Trótski “foi contra revolucionário agente da CIA ou não?”, e quando vai responder a pergunta, o entrevistado diz que não sabe dizer sobre uma atuação ou não de Trótski e dos trotskistas desse processo da Segunda Guerra Mundial. Pois bem, então, vou falar brevemente sobre alguns elementos, defesas e atuações da IV Internacional:

Talvez o primeiro elemento seja, justamente, a fundação da IV Internacional em 1938. Frente às inúmeras traições da III Internacional desde o início da burocratização (Revolução Chinesa de 1927, linha do “terceiro período”, Frentes Populares e outras políticas que foram abordadas no primeiro artigo), a Oposição de Esquerda, chamados de “trotskistas” pelo próprio stalinismo, mantiveram-se firmes em resgatar o legado revolucionário dos bolcheviques, visando construir um partido revolucionário que conseguisse fazer com que o proletariado respondesse de forma independente à uma das maiores crises dessa Era: a Segunda Guerra Mundial. Como escreve Trótski no documento de fundação da IV Internacional, o Programa de Transição, aprovado no I Congresso em Paris:

A IV Internacional já surgiu de grandes acontecimentos: as maiores derrotas do proletariado na História. A causa dessas derrotas é a degenerescència e a traição de velha direção. A luta de classes não tolera interrupção. A III Internacional, após a II, está morta para a revolução. Viva a IV Internacional !

A partir disso, as várias correntes do trotskismo atuaram com uma perspectiva revolucionária, desde os processos revolucionários do pré-guerra, de colocar o proletariado contra as suas burguesias nacionais e a burguesia invasora, não contra o proletariado dos outros países. Talvez um dos casos mais emblemáticos seja o caso francês, em que militantes da IV Internacional panfletavam clandestinamente no interior do exército alemão, para colocá-los contra seus oficiais nazistas, e aliados dos soldados franceses, que nada mais eram do que o proletariado enviado pela burguesia para morrer em uma guerra que não era sua. Em outros países, como na Grécia e Vietnã, em que o trotskismo tinha força considerável, a atuação foi no sentido de, com o acirramento da luta de classes proporcionado pela guerra, direcionar o proletariado auto-organizado para a tomada do poder, ao contrário do que fez o stalinismo, que nesses processos reprimiu diretamente a vanguarda operária e da IV Internacional.

Outro elemento também que o podcast diz é que “não sabe se Trótski apoiaria ou não a URSS em uma possível invasão”. Claramente, nunca leu Trótski (e admite isso), pois o autor da Teoria da Revolução Permanente, desde 1932 com o perigo do nazismo na Alemanha, o que defenderia caso fosse algum dirigente da URSS:

“[...] Por isso, posso explicar mais livremente qual deveria ser, a meu ver, a atitude do governo soviético em caso de um golpe de Estado fascista na Alemanha.

No lugar dos dirigentes soviéticos, assim que recebesse por telégrafo a notícia de tal evento, eu ordenaria uma mobilização parcial. Quando se encontra face a face com um inimigo mortal e a guerra resulta necessariamente da lógica da situação objetiva, é prova de estupidez imperdoável dar a seu adversário tempo para se instalar solidamente, reforçar-se, concluir alianças, garantir ajuda necessária, estabelecer um plano geral de agressão - não somente a oeste, mas também a leste - e deixar, assim, crescer um perigo considerável.” [7]

Ou seja, frente a uma invasão nazista, Trótski defenderia com força a mobilização do Exército Vermelho para a defesa do Estado Operário, afinal, a própria defesa e organização do Exército desencadearia um processo de luta de classes, ameaçando a burocracia stalinista e possibilitando o desenvolvimento de revoluções.

O mesmo se estende para os países coloniais, como coloca Trótski no Programa de Transição:

“[...]Certos países coloniais ou semicoloniais tentarão, indubitavelmente, usar a guerra para se livrar do jugo da escravidão. No que lhes concerne, a guerra não será imperialista, mas emancipadora. O dever do proletariado internacional será ajudar os países oprimidos em guerra contra seus opressores. Esse mesmo dever estende-se também à URSS ou a outro Estado operário que possa surgir antes da guerra ou durante. A derrota de todo governo imperialista na luta contra um Estado operário ou um país colonial é o mal menor.”

Para saber mais sobre a atuação do trotskismo na Segunda Guerra:
O trotskismo e a Segunda Guerra Mundial. Quem foi Martin Monath?
A luta do trotskismo contra o nazismo na Segunda Guerra Mundial: o caso francês
El mundo colonial y la segunda guerra imperialista
Entrevista a Al Richardson
Prefacio de los Congresos de la IV Internacional (II tomo)

Essa foi a última parte de um artigo de três partes, debatendo com um podcast que, como pudemos desenvolver aqui, oculta a luta de classes e o papel nefasto que cumpriu o stalinismo na luta por uma revolução e uma sociedade sem classes. Nesse momento, em que uma guerra explode na Europa, um centro do capitalismo, em que se reatualiza a definição de Lênin de um período de crises, guerras e revoluções, precisamos tirar lições estratégicas e conhecer a história para jogarmos, sim, na lata de lixo da história, a tradição do stalinismo, que defende todas essas traições mesmo que de forma “mascarada” e ocultando-a, como faz o PCB, por exemplo.

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FOOTNOTES

[2TOGLIATTI, Palmiro, La política di Salerno. Aprile-dicembre 1944, Editore Riuniti, Roma, 1969, pp 10-11. Tradução e parênteses meus.

[3Para saber mais sobre esse processo do Vietnã, leia ALBAMONTE, Emílio; MAIELLO, Matías. Estratégia socialista e arte militar. Edições Iskra, janeiro de 2020. Capítulo 6 - Estratégia Militar e Objetivos Políticos. Parte 2: A Extensão da Guerra Popular Prolongada.

[4Citado por Kedros, op. cit. P. 409, según lo recoge del dirigente comunista y partisano de Yugoslavia Svetozar Vuklamanovich – Tempo, “Ueber die Volksrevoluton in Griechenland”. 1950. P. 38.

[6Para mais: ALBAMONTE, Emílio; MAIELLO, Matías. Estratégia socialista e arte militar. Edições Iskra, janeiro de 2020. Capítulo 6 - Estratégia Militar e Objetivos Políticos. & Revolução Chinesa

[7TROTSKY, Leon. A luta contra o fascismo: revolução e contrarrevolução. Editora SUNDERMANN, 2019. pág. 30.
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Noah Brandsch

Estudante | Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo
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