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Donald Trump fez isso. Não contente com a perigosa escalada militar na península coreana e os retweets contra os muçulmanos, o presidente norte-americano dobrou a aposta.

Claudia CinattiBuenos Aires | @ClaudiaCinatti

quarta-feira 13 de dezembro de 2017 | Edição do dia

Em 6 de dezembro, desde a Sala de Recepção Diplomática da Casa Branca, Trump reconheceu formalmente Jerusalém como a capital do Estado de Israel, uma decisão que despertou a crítica de quase todos os líderes mundiais, com exceção evidentemente de Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro israelense que milita na extrema direita do espectro sionista. Esta estratégia de polarização recarregada poderia ter efeitos incendiários no Oriente Médio com repercussões no Ocidente.

Como em outras questões, a Casa Branca está dividida em relação a esta decisão. Enquanto o vice-presidente Michael Pence apoia, os secretários de Defesa e de Estado, J. Mattis e R. Tillerson, consideram que a jogada é arriscada e, na balança, poderia trazer mais custos do que benefícios.

Ainda que a mudança da Embaixada não seja imediata, com este anúncio Trump abandonou a política que os EUA sustentaram durante 7 décadas: manter a embaixada em Tel Aviv, assim como o fazem os 86 países com representação diplomática no Estado de Israel, como um gesto diplomático de não dar por encerrado o status de disputa da cidade de Jerusalém, ainda que nos fatos se reconheça a ocupação dos colonos israelenses na parte árabe da cidade desde 1967, a qual ainda se somou cerca de 200 mil colonos nos últimos anos.

Em seu breve discurso, como era esperado, Trump disse que sua administração estaria apenas atribuindo status legal ao óbvio: que Israel historicamente tratou Jerusalém como sua capital, pois é a sede do parlamento e das principais instituições governamentais e que para os EUA, que tem uma aliança de caráter estratégico com o Estado sionista, e seria apenas uma formalidade a que impede os EUA de manter sua embaixada em Tel Aviv. De fato o Congresso norteamericano votou uma lei em 1995 ordenando a mudança imediata da embaixada para Jerusalém, reconhecida como a “capital indivisível” do Estado de Israel, ainda que deixando uma válvula de escape ao executivo para postergar esta decisão. Desde então, a cada 6 meses os sucessivos presidentes vinham firmando uma espécie de “perdão” para estender este prazo. Trump utilizou este recurso em junho deste ano, mas desta vez decidiu romper com os usos e costumes da política exterior norteamericana.

Por que agora?

Existem várias hipóteses, mas nenhuma excludente. Aqui mencionaremos as três mais plausíveis:

A primeira aponta para a política doméstica. Foi a primeira razão que Trump deu em seu discurso. Disse quase textualmente que a maioria dos presidentes que o antecederam fizeram a promessa eleitoral de mudar a embaixada norteamericana para Jerusalém, mas que ele era o único disposto a cumprir. O momento pode ser oportuno.

Ainda que a economia e as altas na bolsa acompanhem o magnata, o apoio de Trumo se reduz a um magro 35%. Em 1 ano de governo é pouco o que pode mostrar a sua própria base eleitoral, que é a que de fato o interessa. Com exceção da reforma tributária, uma conquista para o 1% mais rico do país, os polêmicos projetos do presidente tem sido derrotados no Congresso, inclusive com votos de senadores e representantes de seu próprio partido, como ocorreu com a falida tentativa de acabar com a reforma da saúde de Obama, conhecida como Obamacare.

A Casa Branca está imersa na crise conhecida como Russiagate, que parece não ter um desfecho à vista. E mais, o ex-assessor presidencial Michael Flynn admitiu seus contatos extraoficiais com diplomatas russos e anunciou sua disposição em colaborar com a investigação do FBI.

A mudança da embaixada para Jerusalém é um tema muito popular para os setores da direita cristã e os falcões pró-israelenses que são parte do núcleo duro de eleitorado do Trump, entre os quais se encontra Sheldon Adelson, o rei dos cassinos que contribuiu com nada menos que 25 milhões de dólares na campanha presidencial republicana.

A segunda hipótese se relaciona com a mudança de estratégia na política norteamericana para o Oriente Médio. Diferente de Obama, que negociou à frente de um grupo de outras quatro potências o acordo nuclear com o Irã, a política de Trump é conformar uma espécie de “aliança sunita” contra o regime iraniano, o que tende a exacerbar o enfrentamento entre sunitas e xiitas, que corre o risco de tornar alta a temperatura da guerra fria regional entre Arábia Saudita e Irã.

No caso do Irã, Trump aplicou uma tática que vem caracterizando sua administração que significa tomar semi-medidas: não repudiou absolutamente o acordo nuclear com o regime dos aiatolás, mas tirou a garantia do cumprimento dos compromissos pactuados. Mas as mensagens simbólicas, que compõem em grande medida a diplomacia, podem ter consequências reais. A situação é de alto risco, em particular desde que o quase decretado fim da guerra civil na Síria permitiu que o Irã e a Rússia como aliada saíssem como um dos ganhadores, estendendo sua influência através do regime de Bashar al Assad.

A crise no Líbano, com a renúncia logo desmentida do primeiro-ministro Saad Harari que feria de morte o acordo confessional que pôs fim à guerra civil nesse país e que hoje estabelece um equilíbrio delicado de poder com o Hezbollah, prenuncia os contornos catastróficos que podem tomar este conflito. A ninguém escapa que por trás da jogada de Hariri está a monarquia saudita.

A terceira hipótese tem a ver com a situação do conflito palestino-israelense no novo contexto do Oriente Médio, determinado não apenas pela estratégia norteamericana mas também por uma mudança de paradigma na monarquia da Arábia Saudita desde que o príncipe herdeiro Mohammad bin Salman tomou as rédias do reino.

É sabido que Jared Kushner, genro e assessor de Trump, está negociando há quase 1 ano com os líderes amigos do Oriente Médio um novo “plano de paz” para o conflito palestino, e que encontrou um grande aliado no príncipe Salman, disposto a romper com a política exterior tradicional de seu país, que vinha sendo usar a causa palestina para encobrir sua aliança com os EUA e, indiretamente, sua tolerância com o colonialismo israelense.

Segundo alguns analistas, o príncipe Salman levou ao conhecimento do titular da Autoridade Nacional Palestina, Mahmud Abbas, os delineamentos deste novo plano que seria o mais favorável a Israel de todos apresentados até agora e liquidaria qualquer aparência de autodeterminação nacional palestina, consagrando o status de apartheid.

Ainda que a liderança nacional palestina há tempos já tenha vendido sua alma ao diabo norteamericano-israelense, e a política do Hamas não tenha sido uma saída progressiva, o povo palestino não renunciou a seu direito democrático elementar de autodeterminação nacional e segue enfrentando a colonização do Estado de Israel.
Esta decisão poderá desatar uma nova Intifada? Não se pode responder com certeza, mas vendo os antecedentes de provocações semelhantes, tem todo o potencial para fazê-lo.

Segundo a lógica imperialista de Trump, reconhecer a ocupação do Estado de Israel e seu caráter exclusivamente judeu, simbolizada pelo reconhecimento de Jerusalém como sua capital, permitiria num programa máximo avançar na “solução de dois Estados” e em discurso, pela primeira vez Trump mostrou apoio a esse modelo.

O “modelo de dois Estados” tem sido um programa imperialista por décadas. E não há qualquer indicação de que Trump será mais capaz que seus antecessores para fazer com que a proposta se materialize.

Pelo menos um suposto “processo de paz” poderia dar cobertura política à incipiente frente anti-iraniana em que está tanto Israel como Arábia Saudita

Por fora do reino das hipóteses, a realidade é que a política de Trump arrisca inflamar ainda mais a região. Isso já é percebido por seus aliados no ocidente e no mundo muçulmano, inclusive em setores do establishmentsionista. E faz tempo que o que ocorre no Oriente Médio repercute no Ocidente em forma de atentados brutais que, por sua vez alimentam o racismo e a xenofobia. O recrudescimento da opressão imperialista e colonial é a receita perfeita para o incêndio.

Tradução: Thais Oyola




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