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Ásia Oriental | Um conservador antifeminista ganha as eleições presidenciais na Coreia do Sul

Para alívio de Washington e Tóquio, o vencedor do processo eleitoral foi o conservador Yoon Seok-yeol, ex-promotor anticorrupção do Partido do Poder Popular. Os resultados de 9 de março na Coreia do Sul devem ser lidos no contexto da guerra da Rússia contra a Ucrânia.

Claudia CinattiBuenos Aires | @ClaudiaCinatti

sábado 12 de março de 2022 | Edição do dia

Sem dúvida, o evento que sobredetermina a situação internacional é a guerra da Rússia contra a Ucrânia, na qual as potências da OTAN estão envolvidas, embora não intervenham diretamente militarmente. O conflito de guerra tem alcance global. As sanções que os Estados Unidos e a União Europeia impuseram à Rússia fizeram disparar o preço do petróleo e de outras commodities, alimentando as tendências inflacionárias da economia mundial, que mais cedo ou mais tarde se expressarão na política e no conflito social.

Esta guerra reacionária já entrou em sua terceira semana sem que, por enquanto, a situação no campo de batalha ou as rodadas de negociações tenham criado as condições para um cessar-fogo. A reunião na Turquia entre os ministros das Relações Exteriores da Rússia e da Ucrânia, organizada pelo ministro das Relações Exteriores turco, terminou sem nenhum avanço decisivo. Putin mantém suas exigências máximas e Zelensky ainda se recusa a capitular. Portanto, espera-se que nos próximos dias as cenas de destruição e sofrimento se intensifiquem nas cidades ucranianas.

É nesse contexto que devem ser lidos os resultados das eleições presidenciais de 9 de março na Coreia do Sul, considerando também o Japão, aliado indispensável dos Estados Unidos no cenário estratégico da Ásia Oriental, onde se dá principalmente o confronto com a China.

Para alívio de Washington e Tóquio, o vencedor do processo foi o conservador Yoon Seok-yeol, ex-promotor anticorrupção do Partido do Poder Popular, que na política externa milita pelo aprofundamento da relação com os Estados Unidos e o restabelecimento das relações com o Japão; e em troca ele é a favor de uma linha mais dura contra a Coreia do Norte e a China.

Em nota recente publicada na Foreign Affairs, o atual presidente eleito argumenta que o governo Moon tinha uma visão provinciana do lugar da Coreia do Sul na região e no sistema de alianças dos EUA. Segundo Yoon, a política externa foi adaptada ao objetivo primordial de melhorar as relações com a Coreia do Norte, mantendo uma ambiguidade estratégica nas tensões entre os Estados Unidos e a China, com uma inclinação mais amigável para Pequim.

Em relação à Coreia do Norte, Yoon propõe retornar à estratégia "desnuclearizar primeiro e revisar as sanções depois" para manter o regime de Kim Jong-un e suas aspirações nucleares sob controle. No entanto, essa abordagemparece estar perdendo o sentido para os estados que conseguiram se introduzir no seleto clube das armas nucleares. A Ucrânia pode ser o espelho no qual eles se olham. Após o desaparecimento da União Soviética, Kiev entregou seu arsenal nuclear e hoje é invadido pela Rússia, a potência nuclear que havia prometido garantir sua segurança.

O outro pilar da política externa do próximo governo conservador é dar uma guinada decisiva para o fortalecimento da aliança com os Estados Unidos, o que implica retomar a implantação do sistema antimísseis norte-americano (THAAD) e considerar a adesão ao "Quadrilátero" (Quad), o esquadrão de segurança anti-China formado pelos Estados Unidos, Japão, Austrália e Índia.

Isso soa como música para os ouvidos da Casa Branca, mas também não de todo simples. O futuro governo Yoon terá que fazer um delicado equilíbrio que surge do dilema da posição da Coreia do Sul, que ainda mais do que outros países da região, depende dos Estados Unidos para sua segurança, mas tem a China como seu principal parceiro comercial. Para se ter uma ideia da importância dos laços comerciais com a China, em 2020 a Coreia do Sul exportou US$ 136 bilhões em mercadorias para a China, em comparação com US$ 73 bilhões para os Estados Unidos, seu segundo maior destino de exportação.

Não menos contradições são geradas pelo restabelecimento das relações com o Japão. A Coreia do Sul compartilha com a China uma história de humilhação por parte do império japonês, que se recusa a reconhecer crimes de guerra, incluindo a redução à prostituição de milhares de mulheres a serviço das tropas japonesas.
Provavelmente, como vem acontecendo nos últimos anos, uma coisa é ganhar uma eleição e outra é garantir a governabilidade em sociedades profundamente desiguais e polarizadas. Nisso a Coreia do Sul não foge à regra.

O clima social e político doméstico é difícil. Desigualdade, desemprego na juventude, dívidas familiares astronômicas, preços exorbitantes da habitação e corrupção política no contexto do agravamento da pandemia alimentam o descontentamento e as tendências “antipolíticas”.

A situação pode até piorar com a guerra na Ucrânia. A Coreia do Sul é um importador líquido de energia, o que certamente terá um impacto negativo nos preços.

Essa tensa situação social chegou às telas: Parasita, o premiado filme de Bong Joon Hu, e a série Round 6, mostram como no país de grandes multinacionais como Samsung e Hyundai, milhões de cidadãos vivem em porões inabitáveis ​​e têm de recorrer a pequenas fraudes e à riscos como estratégias de sobrevivência.

Leia mais: Mais de meio milhão de operários em greve na Coreia do Sul: isso não é Round 6

Como se não bastasse, nos últimos anos houve uma forte reação contra o movimento feminista, que surgiu impulsionado por demandas contra a discriminação e a violência de gênero. Esse machismo organizado, que ataca inclusive as mobilizações femininas e pressiona fortemente para reverter políticas que considera discriminatórias em relação aos homens, atrai sobretudo os homens mais jovens. Isso apesar de a Coreia do Sul ser o país da OCDE onde a diferença salarial é maior em detrimento das mulheres e onde o aborto foi descriminalizado apenas em 2021.

Esse movimento antifeminista reacionário, que ataca mulheres e pessoas LGBTIA+, prevaleceu na campanha eleitoral. Yoon aceitou suas demandas, incluindo a possibilidade de remover o ministério da igualdade de gênero. Ele até culpou as mulheres pela queda na taxa de natalidade. Mas isso não é apenas a direita. O atual presidente Moon, que se declarou um "presidente feminista", recuou diante desse movimento, assim como seu candidato Lee.

Yoon, que leva muitos gestos políticos de Donald Trump e da extrema direita, chega com uma ambiciosa agenda neoliberal: promete flexibilização trabalhista, conservadorismo fiscal, redução do salário mínimo e liquidação de limites de jornada de trabalho. Embora com um perfil anticorrupção – foi procurador no caso da ex-presidente Park Geun-hye destituída em 2017 em meio a uma imponente mobilização social – ainda não definiu sua política em relação aos “chaebols”, os conglomerados como Samsung, Hyundai e LG, que são o coração do milagre econômico sul-coreano.

Yoon venceu a eleição por menos do que a margem de erro: apenas 0,7% de diferença com Lee Jae-myung, o candidato do Partido Democrata que tomou a implementação de uma renda universal como eixo de campanha.

Sua base de apoio é muito estreita para legitimar a magnitude do ataque proposto. A rachadura política também é institucional. Ele terá que governar com a Assembleia Nacional controlada por uma supermaioria do Partido Democrata.

Tudo indicaria que, como acontece com os governos não hegemônicos que abundam desde a crise capitalista de 2008, há várias hipóteses de crise política e conflito social no futuro.


Originalmente publicano em La Izquierda Diario Argentina




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