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Uber trata como descartáveis não só seus motoristas, mas também seus funcionários internos

“No ano passado, durante a pandemia foi feito um desligamento em massa (...), do nada, o sistema parou de funcionar. Todos foram desligados.” relata uma ex-funcionária da empresa. Por detrás da cara “moderna” e “descontraída” das chamadas “startups” o que vemos é a mesma receita da precarização do trabalho. Por que não se fala sobre isso?

Bianca Rozalia JuniusEquipe do podcast Peão 4.0 e militante do MRT

sexta-feira 2 de abril de 2021 | Edição do dia

As chamadas "startups" ou “empresas unicórnios”, como a Uber, Ifood, Google, Amazon e uma série de outras empresas da área de tecnologia, são consideradas empresas “inovadoras”, mostradas no mundo corporativo como grandes exemplos do futuro do trabalho e da economia. Em suas propagandas, adoram realçar o caráter supostamente “descontraído” do ambiente de trabalho, mas a realidade é muito diferente: todo esse discurso de descontração esconde uma prática de demissões constantes, assédio moral, jornadas extensas, desvio de função… Ou seja, nada de novo sob o sol da exploração capitalista.

Demissões constantes

Exemplo disso é a Uber. Como se não bastasse a maneira absurda como a empresa trata os motoristas de app em todo o mundo (que sequer considera como trabalhadores), os próprios funcionários internos da empresa são tratados também como descartáveis, como nos relata T., ex-funcionária da empresa:

“No ano passado, durante a pandemia, foi feito um desligamento em massa. Todos os trabalhadores estavam em suas casas e do nada, o sistema parou de funcionar. Todos foram desligados... Inúmeros funcionários entram com processo judicial após sair da empresa por conta do despreparo, má gestão e precarização do trabalho ali feito.”

A mesma precarização… só que em inglês

Também é prática comum dessas empresas esconder a precarização com palavras estrangeiras, conforme T. aponta sobre a chamada “task force”, que na realidade é apenas um nome “gourmetizado” para o famoso desvio de função:

“Na Uber eles fazem um trabalho chamado ‘task force’. Quando uma área está sobrecarregada, você é formalmente obrigado a ir para esta área, recebe um treinamento rápido e fica por dias e meses fazendo aquela função SEM RECEBER O MESMO QUE A ÁREA RECEBE.”

Empresas antirracistas e feministas?

Como já apontamos neste outro texto e no último Podcast Peão 4.0 - Mulheres Negras e Marxismo, é prática comum de empresas como essa fingirem em suas propagandas e em suas redes que se importam com a luta negra e feminista. Fazem um discurso de “representatividade”, dizem criar políticas de “inclusão”, mas nada disso é o que se dá na realidade:

“A Uber tem um "projeto" chamado Women at Uber que diz propor diálogos entre mulheres e lutar por direitos iguais e oportunidades. Nunca houve isso na empresa. Você não vê mulheres negras e trans em cargos de liderança. Essa iniciativa foi mais uma maneira de chamar atenção da mídia."

Além disso, a empresa dá pouquíssima atenção para casos de violência sexual e assédio que ocorrem nas corridas, e o setor que cuida disso é um dos mais precarizados:

“O canal de entrada da Uber para motoristas e passageiros que sofrem violência sexual, assédio, todo o tipo, é chamado de ‘IRT’, é o setor com o menor salário. Diariamente as pessoas atendem casos de mulheres que sofreram assédio sexual, estrupo, violência, ouvem todo aquele relato, precisam fazer uma ‘investigação’ baseado no relato da pessoa, banir, sem ter o menor preparo para aquelas situações. Inúmeros funcionários da Uber tem problemas psicológicos agravados por conta desta situação.”

“Por que tamanha discrepância se fazia parte da mesma empresa?”

Nas propagandas, a Uber e essas empresas quando mostram os locais de trabalho sempre mostram escritórios incríveis, equipados com todo tipo de coisa, com ambientes “descontraídos”, comida à vontade. Entretanto essa é a realidade apenas de um restrito setor da empresa. Entre os cargos mais altos e mais baixos há enorme discrepância:

“Na Uber Brasil com sede em SP tinham dois prédios principais, um chamado COE (que é Center of Excellence) e o Office. Existe uma diferença imensa entre os dois prédios no trato com os funcionários. No Office, ficavam os cargos mais altos, consequentemente os salários mais altos. Poucos negros. Que eu tinha conhecimento, era apenas uma mulher negra que trabalhava na recepção. Era fornecida diariamente refeição, da melhor qualidade e à vontade. E os chamados "snacks" , nesse prédio havia geladeira com todos os tipos de bebidas, da melhor qualidade, incluindo cervejas e vinhos. Doces importados, veganos, toda a variedade inimaginável do bom e do melhor. No COE, após muitos questionamentos do por que não havia este benefício, foi feita a proposta e colocaram, mas nunca houve almoço. Eram sucos tipo maguary, salgadinho torcida, salada de frutas, que nunca comportava a quantidade de funcionários. Por que tamanha discrepância se fazia parte da mesma empresa? O Office sempre fez uso do convênio Omint, enquanto o COE tinha um convênio do Bradesco com co-participação. No COE frequentemente havia problemas estruturais no prédio. Um dia o ar condicionado parou de funcionar, em pleno verão, um prédio com centenas de pessoas. Os de cargos mais altos foram embora, enquanto o restante teve de ficar, e ofereceram sorvete para os funcionários...”

Essa reestruturação do capitalismo em formas “inovadoras” de exploração, exige também que a classe trabalhadora crie novas formas de luta e enfrentamento contra a negação de direitos, ainda mais aprofundada pela pandemia de Covid-19. Não por acaso no mundo todo vemos os trabalhadores destas empresas se organizando para lutar contra essas condições, como os trabalhadores da Amazon dos EUA que estão travando uma enorme luta contra a empresa para que possam ter seu próprio sindicato, assim como os trabalhadores da Alphabet, dona da Google, que conseguiram conquistar seu sindicato no início deste ano, e são grandes exemplos para pensarmos essas lutas hoje.
É inaceitável que esse tipo de situação siga ocorrendo, como pretendem as empresas para que continuem com essa exploração. Como T. aponta, é preciso "incentivar que as pessoas falem sobre o que está passando, sobre seu ambiente de trabalho. Nós vendemos nossa força de trabalho, exigimos direitos e não podemos nos enganar por discursos liberais nem nos acuar".

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