×

GRÉCIA | Tsipras aplica corte de pensões e aumento de impostos para alcançar acordo

O governo do Syriza enviou nesta segunda-feira uma nova proposta ao Eurogrupo, contemplando o corte nas pensões, uma reforma nas aposentadorias e um aumento de impostos aos gregos. Estas profundas concessões, que significam atravessar várias das “linhas vermelhas” estabelecidas pelo próprio Syriza, foram qualificadas como uma “boa base” pelo Eurogrupo.

André Barbieri São Paulo | @AcierAndy

terça-feira 23 de junho de 2015 | 01:40

Embora não se chegasse a um acordo definitivo sobre o desembolso da última parcela do “resgate” de 7,2 bilhões de euros, que habilitaria a Grécia a fazer frente ao pagamento de 1,6 bilhão de euros ao FMI no dia 30 de junho, as autoridades européias se mostraram confiantes em conseguir um acordo sobre a base da última proposta do primeiro ministro, Alexis Tsipras.

A oferta de Tsipras é elevar progressivamente – até 2025 – a idade de aposentadoria para 67 anos, em contraposição aos 62 anos propostos anteriormente, eliminando gradualmente qualquer tipo de “aposentadoria antecipada”, benefício da qual gozavam mães solteiras com filhos menores de idade. Atenas espera poupar 350 milhões de euros entre 2015 e 2016 com esta medida. Para já, a penalização para quem se aposente antecipadamente é de 16% do valor recebido.

O plano prevê basicamente o incremento de todos os impostos na área de Seguridade Social. Haverá aumento na taxação para o Fundo de Garantia de 3,9%, aumentando também o imposto sobre as pensões complementares, de 3% para 3,5%.

Dentro das medidas mais controversas, está a eliminação paulatina (até 2018) dos subsídios aos aposentados, e sobe de 4% a 5% o imposto sobre os aposentados ao sistema de saúde, e de 0% a 5% para as aposentadorias complementares.

Esta verdadeira reforma das aposentadorias feita pelo Syriza é um duro golpe em um setor já profundamente atacado pelo governo anterior do PASOK-Nova Democracia e um dos que mais esperanças nutriam no discurso sobre o fim da austeridade do Syriza.

Esta é uma concessão de Tsipras ao argumento das instituições financeiras, segundo as quais a Grécia teria “um dos sistemas de pensões mais generosos do mundo”. Como explicamos aqui, a verdade é que uma porção mais a metade dos pensionistas gregos recebem 665 euros ao mês, menos do que o salário mínimo.

Enquanto a taxa de desemprego na zona do euro se manteve entre 10% e 12%, na Grécia chega a 26% (mais da metade dos jovens não possuem emprego). 36% das famílias gregas têm pelo 1 desempregado, o que faz com que um grande número de pessoas dependam das pensões dos avós para sobreviver.

Outro ajuste vem na área das metas fiscais: Tsipras finalmente aceita a meta imposta pelos credores, de 1% de superávit primário (isto é, antes do pagamento dos juros) em 2015 e 2% no ano que vem, 3% em 2017 e 3,5% em 2018. Esta proposta é maior do que o próprio Eurogrupo pedia, e significa que o orçamento social deverá diminuir para poupar gastos necessários ao pagamento da dívida externa. “A resposta do governo grego às requisições das instituições acerca das metas fiscais é absoluto e completo,” assegurou o próprio Tsipras.

Juntamente com a reforma do imposto sobre o valor agregado e a redução dos gastos militares, Atenas espera poupar 8 bilhões de euros entre 2015 e 2016.

As três instituições que formam a Troika: Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o FMI, disseram aos líderes que a proposta grega é uma "boa base para mais conversas que devem acontecer com elevada intensidade".

"É necessário um trabalho absolutamente intenso”, acrescentou o presidente do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem, que quer convocar para quarta-feira à tarde uma nova reunião “em que se possa anunciar resultados".

Merkel afirmou que "este procedimento é apoiado por todos. Nos reuniremos na quinta-feira e na sexta-feira para uma cúpula ordinária e esperamos que até lá as três instituições possam dar sinal verde a um compromisso com a Grécia e possam apresentá-lo ao Eurogrupo".

A Grécia cada vez mais longe do “fim da austeridade”

Ainda que a Alemanha e as instituições financeiras não tivessem “conseguido tudo”, ficou evidente que faltou muito pouco para ter rompido todas as “linhas vermelhas” impostas pelo Syriza. Praticamente nada resta das promessas eleitorais que fizeram o Syriza triunfar em janeiro.

(documento com a assinatura de Tsipras, no Eurogrupo de hoje)

Em abril, o governo grego já havia postergado o aumento do salário mínimo para o futuro, e descumpriu a promessa de recompor as negociações coletivas entre os sindicatos e as empresas. Para conseguir o dinheiro necessário para pagar ao FMI a parcela de 1,4 bilhão de euros em maio, destravou os limites para as privatizações, dando como exemplo a privatização ao capital chinês do maior porto da Grécia, o Pireu. Descumpriu a promessa de aumentar o orçamento da saúde e da educação, recebendo como resposta a primeira greve contra o governo desde janeiro, por parte dos trabalhadores da saúde.

Pagando mais de 7,5 bilhões de euros ao BCE e ao FMI, abandonou praticamente todas as linhas vermelhas ao conceder uma draconiana reforma das aposentadorias.

A pressa dos credores e da Alemanha em “aproveitar o momento” e arrancar um acordo ainda esta semana mostra que estão fortalecidos para extorquir uma nova reforma trabalhista do governo grego, a última linha vermelha do Syriza.

Como debatemos em distintas oportunidades, este fortalecimento contínuo das posições chantagistas da Troika não poderia deixar de ser diferente, já que o programa do Syriza se baseou desde o início na ilusão de conseguir melhores termos de negociação para continuar pagando a dívida, num acordo “benéfico para os sócios europeus e para a população grega”.

As dezenas de greves gerais e os diversos protestos de milhares de pessoas contra a austeridade não convenceram o Syriza (nem mesmo sua ala esquerda, que se reduziu ao papel de “opositora fiel” ao governo de Tsipras, uma ala crítica num governo de conciliação de classes) a quebrar a paz social exigida pela Alemanha e a desenvolver a luta de classes e a organização dos trabalhadores gregos, somando solidariedade internacional, contra a imposição do pagamento de uma dívida fraudulenta que esgotou a economia nacional: o país perdeu 26% de seu PIB, 28% da população está desempregada e mais da metade das famílias no país depende da verba aposentatória para sobreviver.

Uma catástrofe social, que não teve no Syriza um organizador do combate de massas para que a crise não fosse paga pelos trabalhadores, como está sendo.

A estratégia do Syriza serviu de canal para fortalecer as pressões da Alemanha na Grécia e desarmar os trabalhadores para responder contundentemente à imposição dos ajustes.

Resulta difícil considerar realista um programa que se proponha superar a crise gerada pelos próprios capitalistas sem afetar seus interesses. Esta simples verdade, a impossibilidade de conquistar uma “economia a serviço do povo” sem enfrentar e superar o capitalismo é um dos principais debates que se colocam hoje para a esquerda mundial.

A única saída progressista frente às chantagens da Troika é romper todos os acordos e compromissos com o FMI e o BCE, declarar o não pagamento da dívida e avançar em medidas anticapitalistas como a nacionalização dos bancos e a expropriação dos monopólios gregos (que lucram com a dívida nacional) sob controle dos trabalhadores, para atender às necessidades mais urgentes da população trabalhadora.




Comentários

Deixar Comentário


Destacados del día

Últimas noticias