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ELEIÇÕES EUA | Trump, Sanders e o populismo à la americana

Nesta segunda com o “caucus” de Iowa se inicia oficialmente a corrida para a Casa Branca com o largo processo das primárias republicanas e democratas.

Claudia CinattiBuenos Aires | @ClaudiaCinatti

terça-feira 2 de fevereiro de 2016 | 01:00

Nesta segunda com o “caucus” de Iowa (caucus é o sistema de eleger delegados em dois estados [Iowa e Nevada], na etapa das eleições primárias ou preliminares na qual cada partido decide quem irá receber a nomeação desse partido para a presidência) se inicia oficialmente a corrida para a Casa Branca com o largo processo das primarias republicanas e democratas. As etapas seguintes serão em New Hampshire em 9 de fevereiro, depois a esperada “super terça” em março e as convenções partidárias.

Há menos de um ano atrás, depois dos dois mandados de Obama (um afroamericano com nome não ocidental) a eleição presidencial da principal potência mundial parecia que seria decidida pelo mais alto grau do establishment: as dinastias Clinton e Bush. Isso era lido como um sinal de volta à normalidade depois das consequências da Grande Recessão e as derrotas imperialistas no Afeganistão e Iraque.

Porem a situação deu um giro. A irrupção de candidatos que, à falta de uma categoria precisa são chamados de “populistas” por parecerem como exteriores às elites tradicionais, está causando turbulências no cenário politico. O surgimento do Tea Party em 2009, quase como produto da crise capitalista e metáfora da decadência norte-americana, foi uma antecipação dessa “revolta populista”, filha de uma polarização que se expressou pela direita em uma base social de classe media raivosa contra os impostos, as ajudas estatais aos setores mais pobres, os sindicatos, os imigrantes e os direitos democráticos como o aborto e o matrimônio igualitário. E pela esquerda, na luta pelo aumento do salário mínimo à U$15 a hora, contra a violência policial e o racismo (Black Life Matters), as greves de professores, entre outros. Estas são continuidades não lineares de movimentos das últimas décadas: o movimento antiglobalização de Seattle, o movimento antiguerra e mais recentemente o Occupy Wall Street.

Um bando de “forasteiros” como o multimilionário Donald Trump à cabeça, rouba a cena, pela direita, do candidato predileto do establishment republicano, o ex governador Jeb Bush. Enquanto que pela esquerda, Bernie Sanders empacou as etapas iniciais da campanha de Hillary Clinton, que como era de se esperar não desperta nenhuma paixão e está anos luz do entusiasmo que milhares de jovens expressaram na primeira campanha do presidente Obama. Inclusive Sanders poderia surpreender com alguma vitória em Iowa ou New Hampshire. A luta parece que já está garantida, falta ver os resultados.

Comparativamente, a crise é mais limitada no partido democrata. O “socialista” Sanders já anunciou que chamará voto em seu partido seja quem for o candidato, e por isso mesmo, pode atuar como contenção dos setores mais de esquerda e progressistas na base democrata que veem com receio Hillary.

Porem é um pesadelo para o partido republicano, fragmentado entre um setor conservador tradicional e moderado, que desde décadas apoia o consenso de “centro” porém perdeu base partidária, e uma ala radicalizada à direita que vai desde o Tea Party até candidatos como Trump, um reacionário que cultua o “politicamente incorreto”, seja o racismo, a xenofobia, a homofobia, ou a misoginia e defende aprofundar a polarização social e as fissuras políticas e culturais.

As pesquisas para as primárias republicanas até agora favorecem a ala radical: Trump tem 39% das preferências. Ted Cruz tem 34%, para quem não se recorda, é o senador partidário do Tea Party que deu batalha durante 21 horas seguidas para derrubar a reforma do sistema de saúde de Obama. Em terceira está Marco Rubio com 13% e muito atrás Jeb Bush que arranha apenas 4%.

A estrela de Trump segue em ascensão. Sua última, foi o boicote ao debate na Fox News, o que expressa, segundo quase todos analistas, de que seria o ganhador entre os republicanos.

Dificilmente o partido republicano, um dos dois partidos da burguesia imperialista, aceite passivamente Trump ou Cruz como candidatos à presidência. O que com razão muitos consideram a receita mais eficiente para outra presidência democrata. Entretanto, o efeito de suas candidaturas é levar o debate politico à extrema direita, introduzindo debates como a proibição da entrada de muçulmanos no país, ou a expulsão de imigrantes hispânicos.

Não parece plausível que esses candidatos, sejam de extrema direita ou de esquerda, ganhem a presidência. Porem já é um fato que levaram novamente ao primeiro plano a crise dos partidos tradicionais e a profunda polarização social e politica.

Com suas diferenças, é a versão norteamericana da mesma crise que afeta o “extremo centro” na Europa, onde confluem as variantes moderadas dos partidos conservadores e socialdemocratas e que colocaram em crise a alternância. Esta crise se nutre da conclusão de que se tratam de duas cabeças de um mesmo partido que representa por igual os interesses da classe capitalista. O que por sua vez alimenta a “antipolítica” e o surgimento de variantes mais extremas como a Frente Nacional na França, ou a renovação “pela esquerda” da liderança do Partido Trabalhista britânico com Jeremy Corbyn.

Quiçá as últimas eleições presidenciais de 2012 que reelegeram Obama (e as de 2008) ofereçam algumas dicas das mudanças profundas que estão por detrás desses movimentos eleitorais. Além dos fatores econômicos, políticos e culturais, a mais importante sem dúvidas é a demografia.

A “coalizão social” informal que deu o triunfo a Obama estava composta por jovens, mulheres, afroamericanos, imigrantes (hispânicos e asiáticos), classe media progressista e assalariados (com rendas abaixo de U$50.000), concentrados nos centros urbanos. Enquanto o voto republicano se concentrou majoritariamente nos setores de homens brancos, com rendas superiores, maiores de 65 anos, e nos setores tradicionais da direita cristã principalmente nas áreas rurais e suburbanas.

O cálculo demográfico salta à vista: enquanto a base eleitoral que tende a votar nos democratas está em expansão (os latinos já são mais que 10% do eleitorado) a base eleitoral tradicional republicana está em retrocesso. Isso explica em grande medida a reeleição de Obama, apesar da desilusão com seu primeiro governo, e das chances do partido democrata, apesar de Hillary Clinton ser uma das expressões do establishment da burguesia imperialista.

O partido republicano tem que perfurar sua base eleitoral, o que até agora parece ilusório. Trump, Ted Cruz, e o Tea Party são o resultado da soma dos medos desta base conservadora branca e religiosa (WASP por, White, Anglo-Saxon and Protestant, como se conhece).

Há que ver novos fenômenos como a simpatia que gera Sanders, que se autodefine como “socialista” ou a eleição em Seattle da trotskista Kashma Sawant, que fez da luta pelo aumento do salário mínimo uma das bandeiras de sua candidatura, antecipam o surgimento pela esquerda de movimentos alternativos ao bipartidarismo republicano-democrata, a arma política mais eficaz do imperialismo norte americano.




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