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sexta-feira 13 de fevereiro de 2015 | 07:00

As matrículas nas universidades do estado de São Paulo começaram neste fevereiro e a sensação comum entre os estudantes recém-chegados é o medo. A incerteza está estampada em cada ingressante, mas a angústia maior é sentida pelas mulheres que passarão, a partir deste ano, à vida universitária. Enormes medo e angústia são explicados pela intensa repercussão das denúncias e depoimentos colhidos pela “CPI dos Trotes” desde dezembro de 2014, na Assembleia Legislativa de São Paulo, como o vídeo divulgado nesta semana pelo portal da EPTV.

Universidades como a USP, Unicamp e PUC estão no centro das notícias diariamente, devido às revelações chocantes feitas por estudantes veteranos, principalmente dos cursos de medicina, evidenciando uma rotina de estupros, brutalidades e torturas nos trotes.

A chegada à universidade concentra expectativas nos jovens, sobretudo num país em que apenas cerca de 18% da população está no ensino superior. Essa expectativa é ainda mais intensa quando se trata das universidades públicas (e até mesmo das “particulares de elite”, como a PUC), visto que se trata de um “privilégio meritocrático”, já que o vestibular é um obstáculo concreto à ampla maioria da juventude. É instalado desde a porta de entrada na universidade um sentimento de superioridade que encontra um largo caminho a trilhar para se consolidar, através da estrutura hierarquizada dessas instituições, na qual o trote é apenas uma das faces. Relatos dos estudantes de medicina da UNICAMP mostram um regime interno no curso de subordinação e humilhação entre professores, residentes e os chamados “estudantes internos”, em descredencia na hierarquia, em que os próprios atendimentos à população nos hospitais-escolas são prejudicados.

Torturas e milhares de casos de estupro velados

Os relatos de estudantes “revelaram” que as “festas” de “recepção” são repletas de violência em seus mais distintos níveis, com assédio moral, humilhação, agressões físicas e todo o tipo de “testes” horripilantes, como a obrigação de “nadar” em uma piscina com fezes, urina e vômito, ou a imposição às garotas de fazerem sexo com bananas, como relatado por jovens da PUC-Campinas. A integração almejada pelos ingressantes é transformada num pesadelo no qual sua integridade física e moral são esmagadas. O mais corriqueiro se mostra como o uso da força para que os ingressantes bebam álcool, muitas vezes os levando à inconsciência e, no caso das mulheres, às garras dos estupradores.

Na USP o período das matrículas começou já sob a nuvem cinza dos estupros da faculdade de medicina, ainda negligenciado pela direção e pelo reitor, Zago, numa tentativa desesperada de proteger a imagem da instituição e empurrar a dor e lagrimas de mais de 143.000 mulheres, que são expostas ao ano a esses atos dilacerantes, para debaixo do tapete da reputação da universidade, bordado a fio de ouro. Na UNICAMP as denúncias antes abafadas saem à tona e também escancaram a conivência da direção e reitoria. É colocado sob as costas das mulheres a culpa, como se ser sedada e estuprada por até 8 homens fosse um “exagero” ou “intenção” de auto projeção por parte das estudantes para tomar a postura “inquisitória” e “demonizadora” contra a universidade- Como afirma Zago e o alto escalão da burocracia universitária.

Mulheres e oprimidos a frente, contra a impunidade e conivência

Existe um sentido lógico entre para a recusa das direções universitárias em admitir tamanhas atrocidades e a reprodução cotidiana da violência feita por estudantes das mesmas. Se desde o trote vemos o estímulo à hierarquização e submissão, é, também, cotidiana a opressão imposta a alguns setores dentro da universidade- As mulheres, as negras e negros e os LGBT*s. As estudantes mães que não têm direitos garantidos, como creche, as funcionárias e professoras que, além da ausência destes direitos, tem seus “postos” e serviços submetidos a hierarquia dos cargos, currículos e pesquisas em relação aos homens, ou, ainda mais explícita é a situação das mulheres terceirizadas, pobres e negras, que são tratadas como lixo às vistas nuas em cada metro quadrado das faculdades e institutos. Numa jogada safa, os reitores são porta vozes da defesa da imagem da universidade e dos estudantes homens, numa manobra evidente para colocar exclusivamente nos agressores às atribuições dos feitos e tirar de si a culpa por cada ação nefasta. As burocracias universitárias querem esconder suas bases sustentadoras das opressões em todos os níveis.

O curioso é que estas mesmas burocracias universitárias, encurraladas pelas denúncias crescentes na mídia nacional e internacional, passam a dizer quem têm responsabilidade e criam as comissões de averiguação. Já permeadas pela conivência e impunidade, estas comissões não são capazes de dar respostas às vítimas do trote.

É preciso a organização das mulheres, dos LGBT*s e demais estudantes violentados pelos trotes para uma resposta efetiva, como o exemplo dado por estudantes da UNESP – Marília que organizaram um grande festival contra as opressões, envolvendo estudantes, artistas e intelectuais em repúdio ao “rodeio das gordas” em 2011. Ou a exemplar organização dxs trans da UNICAMP em resposta às pichações transfóbicas nos banheiros. É tarefa das entidades estudantis tomarem para si a defesa de cada estudante oprimido, em aliança com os ativistas, e o combate às direções e reitorias que inventam saídas falsas como forma de blindagem. Já agora, no calor das matrículas, é fundamental a construção de recepções contra os trotes, contra a violência e a impunidade que buscam manter as reitorias.




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