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CORONAVÍRUS | Trocas sobre angústias e confiança histórica

Publico conversa com uma colega que se deu após a primeira reunião do Comitê (em constante construção e aprimoramento) Virtual do Esquerda Diário MG. Tamanha intensidade dos intercâmbios que vem surgindo ultimamente, a conversa sequer parece uma troca de whatsapp, mas vejo como uma pequena contribuição à juventude que se questiona em meio a perspectivas tão bárbaras e procura uma resposta para encontrar saída ao reacionarismo e ao conservadorismo no país, que encontramos frequentemente na própria classe trabalhadora.

Lina HamdanMestranda em Artes Visuais na UFMG

sexta-feira 10 de abril de 2020 | Edição do dia

Estamos em um momento de muitas angústias, muitas dúvidas, mas também em que a reação de muitos governantes e empresários internacionalmente em defesa da "continuidade da economia" escancarou quem faz a sociedade funcionar.

É com a noção do que chamo de otimismo histórico que carrego a confiança de que, para não se ver massacrados pela crise sanitária (e seu desenvolvimento em crise econômica, política e social), os trabalhadores, em um futuro breve, ainda indeterminado, vão expandir os exemplos que já começam a surgir esparsamente e tomar para si o controle da resposta que deve ser levada para que nossos salários, nossos empregos, nossa comida, nosso lar, nossa saúde sejam garantidos.

A seguinte troca se deu nesse cenário de questionamentos em que muitos têm a necessidade de pensar o futuro da humanidade. Ocorreu após uma noite de debate online através da primeira reunião da iniciativa de formarmos comitês virtuais do Esquerda Diário em MG para estimular as trocas, a atividade coletiva em tempos de crise, a reflexão política, teórica e estratégica conjunta e a construção, através disso, de uma mídia independente, militante e dos trabalhadores que possa cumprir um papel de ser espaço de sua voz, de suas denúncias, de suas políticas e ações organizadas.

(Convido a todos a conhecer a proposta)

Tamanha intensidade dos intercâmbios que vem surgindo ultimamente, a conversa sequer parece uma troca de Whatsapp, mas vejo como uma pequena contribuição à juventude que se questiona e procura uma resposta para encontrar saída ao reacionarismo e ao conservadorismo no país, que encontramos muitas vezes na própria classe trabalhadora.

Os ventos podem ser outros. Não podemos desacreditar em quem faz o mundo funcionar. Serão eles quem criarão um outro mundo que, agora mais do que nunca, precisa ser o nosso objetivo para o futuro. Um novo tipo de sociedade em que o lucro de alguns não esteja à frente da vida de milhares.

Cabe a nós nos prepararmos com as lições históricas e com o intercâmbio e a organização cotidiana para cumprir um papel para que essa mudança se concretize.

***

- Ei! O que achou?
Anima continuar participando do comitê?

- Ei, Lina! Estou gostando bastante de participar :)

Só queria pontuar uns trem, eu fico um pouco tímida pra falar e meu pensamento tbm foi contemplado na fala de alguns. É mais sobre essas atividades no micro mesmo, dentro de casa, com os trabalhadores autônomos, gente que não sabe lê, etc. Fico pensando tbm no núcleo ao qual me encontro sabe, de um fanatismo religioso, família tradicional defensora dos bons costumes, classe média sem consciência de classe... tipo, com penetrar esse meio, achei legal que alguém disse sobre colocar uns questionamentos, acho que é sobre isso.

Acho legal tbm pra além da obviedade "Fora Bolsonaro", acho que o Rodrigo (não sei se era esse o nome do cara de sexta) falou sobre uma plenária, assembleia constituinte, algo assim, talvez era algo bem diferente mas me fugiu, que era a medida que demos reivindicar para que o Mourão não assuma, etc
Me ajuda a lembrar aí kk

E só reforçando a primeira fala, eu fui a pessoa que saiu excluindo todos os bolsominios das redes sociais, mas deixei, por afetividade e tbm pq acho que ela não postava nada, a Lucinha que cuidou de mim a vida toda e tals e ultimamente toda fake news, e post falando sobre como o bolsonaro é ungido e que é o presidente mais atacado e que as pessoas têm que voltar logo a trabalhar pq quem depende do governo é vagabundo, entre outras atrocidades, vem dos post dela e eu me sinto extremamente falha, mesmo absorvendo conhecimento e tendo meios, etc, fico sem saber o que falar como me posicionar sabe, vez ou outra comento com o link de que é fake news mas não acho que basta.

Da pra falar muito sobre isso, estou me empolgando aqui, mas ela é uma mulher negra, pobre, que mora em um bairro periférico, sem calçamento, distante e tudo mais, não tem o ensino médio completo, é evangélica, acho que é um parâmetro de uma classe, grupo social que pode não estar sendo conscientizado da situação.

Acho que é isso

Saiba que participando dessas conversas eu já tive algumas resposta e não tenho nenhuma urgência tbm

Nem em ser respondida em tudo, etc

- Primeiro, quando se sentir confortável claro, espero muito que você fale, será uma contribuição enorme. Pode ser comigo antes, durante, depois. Fico muito feliz que você tenha "se empolgado" em me escrever. Mas pode ser direto, sem passar por mim também.

Mas, enfim, mais especificamente sobre o que vc coloca sobre essa questão de como chegar nos setores mais oprimidos e massacrados e feitos alienados pela exploração absurda do trabalho, pela igreja, pela religião em geral, pelo moralismo; eu queria localizar três níveis de raciocínio. O primeiro é a necessidade desse trabalho que eu chamo de preparatório, mas que em geral ele aparenta ter um caráter que chamam "de formiguinha". Eu não gosto desse termo, porque ele parece tratar as pessoas quase como que ignorantes e que, se você se esforçar bastante, uma hora elas vão entender e serão iluminadas pela sensatez da esquerda. E, localizando o outro lado da relação, esse tão bem falado "trabalho de formiguinha" faz você, no seu caso particular, se sentir falha.

Agora vejamos isso mais como um trabalho preparatório: durante um ano e meio eu milito com muita força de vontade, ninguém pode negar isso. E eu "convenci" uma quantidade não muito grande de pessoas a terem vontade de fazer algo comigo e com minha organização. Mas quando a realidade muda, a consciência muda. E toda a preparação teórica e histórica que eu fiz e toda a experiência prática coletiva que eu tive e toda politica, mínima que fosse, que eu fiz naquela escola de belas artes me fez estar muito mais preparada pra lidar com o momento agora de crise histórica e em que, não coincidentemente, uma quantidade grande de pessoas aceitou o meu convite de fazer uma experiência conosco. E não aceitou passivamente. Aceitou refletindo e se questionando da ponta do fio de cabelo até o dedão do pé. Porque tem uma mudança de consciência a nível de massas.

Massas de pessoas estão falando o mesmo assunto no mundo inteiro. Massas de pessoas estão questionando o capitalismo, estão pensando sobre o futuro da humanidade - ao mesmo tempo. Isso é o segundo nível da discussão que eu queria colocar, que não pode ser ignorado. A gente precisa se preparar sim, estrategicamente, teoricamente, politicamente, com argumentos, debater, discutir, descordar, trazer mais pessoas pra perto, crescer, tentar melhorar coletivamente a política que vamos defender, falar que o outro tá fazendo merda, vai dar merda, elogiar, moralizar, reivindicar, mudar de opinião, aceitar fazer uma coisa que vc tá com dúvida porque, depois a gente faz o balanço, mas vale mais fazer junto, mais potente, do que sempre separado. Precisamos e é o que estamos fazendo nesse comitê. Tentando cada vez mais chegar a nível de massas com nossas ideias, sim, precisamos.

Mas não dá pra bater cabeça contra uma situação reacionária. Tem um limite que precisa ser visto pra vc não se frustar, não se sentir falha (Num é tbm pra aceitar e ficar parado, aguardando a revolução que ela não vai acontecer sozinha. é só pra ter paciência, sobretudo com alguns setores). Não dá pra ver as massas (que já estão mudando sua consciência) sem perceber que vão ter, claro, variações dentre os setores. Sua origem de classe, seu trabalho, sua religião, sua formação, seu nível cultural, a tradição do país, da sua região, a força do conservadorismo, o nível de industrialização da cidade, se é centro urbano ou não, se tem fronteira com outros países, se a pessoa se relaciona com gente de longe ou não, se tem internet, se tem agua, se mora sozinha.
Milhares de fatores que vão mudar a possibilidade de você conseguir ou não influenciar (ainda mais vocêzinha lá meio sozinha, igual vc colocou) uma pessoa com ideias de esquerda, com ideias revolucionarias!

Se a situação em geral for reacionária, a "vanguarda progressista" é menor. Se a situação muda, as ideias progressistas entram com mais facilidade Mas o que vai definir acima de tudo a mudança dessas pessoas, não vai ser a nossa insistência. Não é pra desistir. É pra continuar colado nessas pessoas precarizadas, massacradas. Serão elas as mais abnegadas para construir até o fim uma nova sociedade. Mas é preciso ter paciência. Porque essas pessoas vão precisar fazer experiência com o Bolsonaro. Igual toda a camada progressista mais jovem vai ter que fazer mais brutalmente experiência com o Lula, com o petismo (apesar de que agora o PT tá aparecendo menos que o Dória), com a esquerda reformista - podemos aprofundar isso também depois.

Na hora que as pessoas começarem a morrer, não tenha dúvida que vai ser uma experiência maior do que todas. Não quero dizer que a saída dessa barbárie será a revolução sim ou sim. Mas as massas vão fazer experiência em velocidades muito aceleradas com seus governos. E, na verdade, um grupo já começou a fazer. Conheço gente muito parecida com a Lucinha que vc citou que claramente começou a questionar o Bolsonaro quando ele fez o discurso no 24 de março. Ali, muitos idosos se sentiram abandonados à morte.

A conscientização cumpre um papel. Mas nada se compara com o medo de morrer. Com o medo de passar fome. Nada se compara com uma geração inteira MUNDIALMENTE saber que sua vida vai ser sim ou sim de qualidade muito inferior a de seus pais. Nada se compara com a experiência que vão fazer com Bolsonaro e com qualquer governo. Não quero dizer que vai ser agora, que vai ser nessa crise do Corona. Pode ser que não. Pode ser que o Bolsonaro ou os militares (com ajuda de parte da esquerda inclusive, como vc bem pontuou com o insuficiente Fora Bolsonaro) não saiam completamente desgastados depois da crise sanitária e pode ser que não se desenvolva no Brasil uma movimentação de trabalhadores e setores precários em luta, com controle operário da produção e serviços (não quero me delongar além da conta, mas tbm acho que vale aprofundar nisso depois) nesse momento agora.

Mas a crise econômica, social e politica que se aproxima (e a taxa estratosférica de desemprego dos EUA nessa crise é um sinal claro disso) vai fazer essa experiência acontecer mais cedo ou mais tarde. Primeiro aqui ou em outros países. As pessoas vão reagir. Os trabalhadores vão reagir. Ninguém aceita a miséria e a barbárie sabendo que não tem nenhuma culpa por tê-la criado. Pode ser que a mudança de consciência de classe nos trabalhadores brasileiros precise da influência estrangeira, da movimentação da classe internacionalmente. Não é atoa que damos muito peso para isso. A história já mostrou: ventos revolucionários se espalham pelo mundo todo. Não há burguesia que consiga impedir de chegar em seu país as notícias de uma vitória de trabalhadores contra os governantes em um outro país (as derrotas também são contagiantes). Pode ser que no Brasil, pelo nível de reacionarismo que tem aqui, isso seja necessário.

Mas pode ser o contrário. Pelo nível de crise política que o Bolsonaro se encontra agora, os trabalhadores brasileiros façam uma experiência com seus governantes muito mais rápida. E rapidamente percebam que a vida tem que estar sob seu controle ou as pessoas vão morrer. E a terceira coisa que eu queria falar mas que vou ter que desenvolver mais depois, pq já tá enorme: não subestime a força de estar organizada. A influência de uma ideia saindo da boca de uma pessoa e da mesma ideia saindo de um partido depois da construção coletiva dessa ideia, pela experiencia histórica que um partido tem (não só em sua existência temporal, mas como experiencia histórica de classe) tem uma diferença inigualável.

Eu falo muito, rs. Sobre a Assembleia Constituinte Livre e Soberana, se vc tivesse feito essa fala hoje na reunião, sério, seria a coisa mais incrível da noite. você fez meu dia. Essa ideia, causava sempre ruído no ouvido das pessoas antes da crise sanitária. Como assim uma constituinte que a população debata e defina as novas regras do jogo de seu próprio país? Impossível. é sempre impossível. até que seja uma questão de vida ou morte. Falamos mais sobre ela amanhã, porque vou dormir agora. :)

- Mara, Lina! Esclareceu muita coisa e quando eu ouvi isso da assembleia constituinte meus olhos brilharam ✨

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