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CHINA | Tianjin: o “Chernobyl industrial” chinês?

A China é a terra dos acidentes industriais. Os acidentes mineiros fatais e as catástrofes industriais são uma constante de tal forma que a população, de alguma maneira, tem se acostumando com a desgraça. Mas a enorme explosão em Tianjin comoveu a nação.

Juan ChingoParis | @JuanChingoFT

sexta-feira 21 de agosto de 2015 | 00:00

Na quarta-feira passada, 12 de agosto aconteceu na cidade chinesa de Tianjin uma enorme explosão que devastou a cidade e deixou centenas de vítimas e feridos. As explosões em um depósito onde eram guardados produtos químicos perigosos mataram 114 pessoas, entre elas 53 bombeiros e sete policiais. Outras 65 pessoas continuavam desaparecidas até o dia de hoje. Frente a este desastre industrial, as autoridades chinesas fecharam 40 sites e centenas de contas em redes sociais com o argumento de que fomentavam o pânico das consequências das explosões na zona industrial de Tianjin. Porém, esta medida não tem conseguido calar as vozes críticas: os fóruns e as redes sociais mais populares têm se convertido em plataformas para compartilhar e comentar imagens das explosões e sentimentos de preocupação sobre a ameaça de contaminação química.

No domingo 16, o general Shi Luze, chefe do estado maior da região militar de Pequim – a capital chinesa encontra-se a 140 kilômetros desta cidade – se viu obrigado a reconhecer que no armazém de mercadorias perigosas onde se originaram as explosões havia centenas de toneladas de cianeto de sódio, um composto químico que se usa em atividades de mineração e é enormemente tóxico para a saúde em caso de ser inalado ou ingerido. Dessa forma, este alto escalão militar de Pequim dava plausibilidade às quantidades que já haviam sido apontadas na imprensa chinesa desde quinta: 700 toneladas deste composto químico, 70 vezes mais que a quantidade permitida.

Em vista das dimensões que está adquirindo a catástrofe, com dezenas de mortos e desaparecidos e o risco de contaminação química numa cidade de 15 milhões de habitantes como é Tianjin, o primeiro ministro chinês Li Keqiang se deslocou no domingo à Zona de Desenvolvimento Econômico e Tecnológico (TEDA) do município para expressar as condolências do Governo pelas vítimas, em nome do presidente Xi Jinping. Porém, isto não tem calado a crescente indignação com o poder central.

Os acidentes industriais são consubstanciais do modelo chinês

O drama de Tianjin é só uma face do modelo de crescimento chinês: neste país o desenvolvimento industrial se dá ao custo de um brutal desastre ambiental e social.

Desde sua abertura econômica no final dos anos 1970, junto com a abundante mão de obra barata, a China ofereceu às empresas transnacionais outra grande vantagem: nenhuma restrição em matéria ambiental de maneira a atrair as empresas e atividades mais contaminantes. Como disse Richard Smith, do Institute for Policy Research and Development de Londres em um recente trabalho que demonstra amplamente a destruição ecológica em curso: “Aço, carvão mineral, alumínio, cimento, produtos químicos e petroquímicos, revestimento metálico, curtido de couro, plásticos, pinturas, fibras sintéticas e produção têxtil, tingimento de pano, produção de papel assim como a reciclagem de baterias de automóveis e da eletrônica: a maioria das indústrias tóxicas e que poluem o ar, frente às crescentes restrições ambientais nos EUA e na Europa, se mudaram para a China depois de 1980. 70% do lixo eletrônico mundial se descarrega na China”.

Esta abertura vai bem em conjunto também da construção de projetos de infraestrutura cada vez mais faraônicos (hidroelétricas, aeroportos, sistemas ferroviários, estradas, metrôs, sistemas de esgoto, novas indústrias, novas casas, arranha-céus, novas cidades, novos portos, etc. alcançando níveis e superando inclusive as principais potências mundiais que por sua vez construíram este estoque em mais de um século), uma grande parte dos quais a China não necessita para o atual nível de sua produtividade de trabalho, assim que significa um enorme desperdício de recursos que a China deverá pagar, como mostra sua astronômica dívida. Ao mesmo tempo, este boom de investimentos se caracterizou desde o início pela superprodução e poluição desenfreadas.

Este último, só é possível porque na China, as leis ambientais são violadas sistematicamente pelas indústrias estatais e privadas, em conivência com os funcionários do governo em todos os níveis. Como demonstra uma pesquisa de Raymond Fisman e Yongxiang Wang do Bureau Econômico Nacional de pesquisa dos EUA, as empresas com conexões políticas de alto nível têm níveis mais elevados de acidentes de trabalho e taxas de mortalidade. Assim, em seu trabalho “The mortality cost of political connections” [“O custo em Mortalidade das conexões políticos”], os dois autores mostram que se uma empresa chinesa tem ex altos cargos na junta diretora, é provável que sofra maiores taxas de mortalidade quando se produzem acidentes de trabalho. Comparam os resultados antes e depois da nomeação dos altos funcionários da junta. Os dois investigadores também encontram que nos lugares onde o histórico de segurança no trabalho joga um papel importante na promoção dos funcionários, a taxa de mortalidade é geralmente baixa, de acordo com sua pesquisa. A conclusão: as conexões políticas na China podem atuar como um esquema de extorsão para proteger as empresas das leis de segurança industrial com grandes benefícios para as empresas individuais, ainda que sob um custo social terrível.

Ainda que seja prematuro fazer um juízo sobre o devastador desastre em Tianjin, os moradores suspeitam que as conexões políticas desempenharam um papel chave nas permissões que davam a companhia Ruihai International Logistics, dona do depósito onde se iniciou a explosão. Todos os olhos se dirigem até seus proprietários, aparentemente ligados ao Partido Comunista (PCCh). A imprensa chinesa no exterior chegou a sugerir que o proprietário majoritário da empresa poderia ser o sobrinho de um ex membro do comitê permanente do Birô Político, o mais poderoso corpo político da China.

A credibilidade do PCCh em questão

No marco da continuidade das quedas das ações e da rápida “rarefação” do clima econômico, como demonstram as duas desvalorizações sucessivas da semana passada, um novo escândalo de corrupção pode sacudir a cúpula do PCCh com potencialidades de gerar um clima conflituoso ao seu sistema de domínio.

A novidade é que as questões ambientais tocam cada vez mais em setores da classe média urbana que tendo aceitado todas as virtudes do crescimento econômico não se preocupavam por seus custos sociais e ambientais. Sobre este setor social conservador se baseava o regime reacionário e anti-operário do PCCh até o momento. A explosão em Tianjin é um amargo despertar em sua falsa ilusão.

Como disse o diário francês Le Monde: “ Os pequenos proprietários da classe média urbana representam na China as únicas pessoas que jamais se atreveram a manifestar na rua em massa depois da repressão ao movimento democrático de Tiananmen em 1989. Mas em Ningbo, Dalian, Xiamen, Kunming, e também recentemente em Shanghai, dezenas de milhares deles nos últimos anos têm desafiado o temido aparato policial chinês para protestar contra o perigo de projetos petroquímicos instalados às portas de suas cidades. O acidente de Tianjin tem demonstrado que seus temores de Apocalipse industrial eram mais que justificados. No Weibo, o Twitter chinês, um dos textos que tem marcado os espíritos explica como Tianjin rompeu para os chineses, ‘a ilusão de viver em um país normal’”.

Ontem, não por casualidade, se produzia a destituição do chefe da Administração da Segurança do Trabalho, Yang Dongliang, por acusações de “grave violação da disciplina e da lei”, um eufemismo que designa a corrupção. As autoridades evitam relacionar esta sanção com a catástrofe de Tianjin, mas Yang Dongliang foi até maio de 2012 vice-prefeito da metrópole. Ademais, os comentaristas e usuários das redes sociais recordaram que sua carreira começou nas empresas estatais de petróleo e mais tarde seguiu na indústria química de Tianjin. A segunda-feira esteve marcada pelo fato dos trabalhos nos escombros na cidade.

Tudo isso mostra que a dimensão dos danos e os protestos da população converteram o acidente em uma prova para a cúpula da burocracia stalinista encabeçada pelo chefe de Estado e do partido, Xi Jinping. O timing e os cargos desta destituição é uma maneira de manter um laço com a campanha anti-corrupção deste último. Desta maneira, Pequim tenta desviar a crescente cólera até um bode expiatório, tratando de que este acidente industrial não se converta em um “Chernobyl industrial” chinês (em referência ao acidente nuclear na Ucrânia que em 1986 desnudou o mito da fortaleza da ex URSS). A burocracia do PCCh é bem consciente do que está em jogo: “Para as autoridades, a linha vermelha que não se deve cruzar, é que a população comece a desmembrar a trama de responsabilidades entre os membros do partido, os burocratas, os gerentes de empresas públicas ou mistas” que a catástrofe de Tianjin começa a deixar às claras. Isto poderia fazer com que os questionamentos ao sistema se ampliem cada vez mais.




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