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UNICAMP | Supersalários: Justiça ou privilégio?

A UNICAMP ganhou as capas dos principais jornais de Campinas e do estado de São Paulo na última semana, após a liminar da Justiça que exigiu o corte dos mais de 800 salários que superam o teto do governador Geraldo Alckmin, de 21,6 mil.

terça-feira 11 de agosto de 2015 | 01:49

Os “supersalários” são um debate ao menos desde 2006, com reprovações das contas da universidade por esse motivo a partir de então. A divulgação da lista dos vencimentos de servidores da UNICAMP, correspondente a junho de 2015, revelou altos salários, com centenas ultrapassando os 22 mil reais mensais, alguns casos que passam de 40 mil e outros que chegam a mais de 60 mil. Desde que veio à tona, essa realidade gerou um escândalo e escancarou que existem setores privilegiados nessa universidade, pois esses salários chegam a ser até 30 vezes maiores do que a média recebida pela maioria dos trabalhadores da cidade. Entretanto, longe da preocupação com a transparência das contas da Unicamp ou em respeito aos trabalhadores e à população que a financia, a Folha de São Paulo e o Estadão buscam embasar argumentos por um projeto privatista e de desmonte da universidade pública.

Um debate com os professores: Defesa da universidade pública ou de privilégios?

Na última reunião da Congregação do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, que é o órgão máximo de deliberação para as decisões tomadas entre docentes, funcionários e estudantes desse instituto, foi pautada a questão dos supersalários, a partir de umacarta encaminhada pelos docentes. A carta, assinada por professores titulares e associados das três estaduais paulistas, é destinada aos reitores da UNICAMP, USP e UNESP, bem como aos deputados da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, sendo que a Associação de Docentes da Unicamp revelou que o Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas, CRUESP, se mostrou favorável e em acordo com seu conteúdo. Essa carta coloca um debate sobre a carreira dos docentes e um apelo para que o teto salarial seja revisto, passando a ter como parâmetro o funcionalismo público de outros estados que tomam como referência o limite de aproximadamente 90% do subsídio dos Ministros do STF - o que garante um teto em mais de 30 mil reais.

A argumentação dos docentes está toda versada em relação à “justiça”, que deve ser atribuída aos seus esforços na construção da carreira na universidade pública. Na carta está uma extensa exposição sobre a dedicação à universidade, com somas de anos e especializações que percorrem em seus 20 ou 30 anos de trabalho para chegarem ao topo da carreira. Na reunião da congregação, os professores demarcaram que não apenas é “injusto” o corte dos salários que ultrapassam o teto, mas questionaram o próprio teto, indagaram indignados por estarem nas universidades que mais produzem, no estado mais rico do país e, apesar disso, terem um “salário rebaixado”.

Uma professora expressou sua indignação com a repercussão que está tendo essa discussão, disse que “questões de carreira estão sendo tratadas como se fosse corrupção” e colocou uma falsa dicotomia para resumir a situação, como se de um lado estivesse a mídia oportunista, cúmplice da direita e do projeto privatista, e de outro estivesse “os que de fato defendem a universidade pública”, e como se estes necessariamente devessem estar em defesa dos supersalários (!). Em sua retórica disse ainda que achava “um absurdo” o fato de que a população começou a entrar nos sites da Unicamp para ver quanto recebem os servidores, “como se fossem os casos da Operação Lava-Jato”.

É falsa a contraposição do projeto de privatização do ensino superior público, do qual o PSDB é protagonista em décadas de governo do estado, à defesa dos superslários, colocando ainda um sinal de igual entre esta defesa e a “verdadeira defesa da universidade pública”. É falsa porque defender a universidade pública não é defender privilégios. Com essa manobra argumentativa, assim como toda a discussão acerca da carreira que, apesar de sem dúvidas serem construídas com base em muita dedicação e trabalho, tem por base uma lógica meritocrática, os docentes, além de buscarem uma blindagem diante da opinião pública, também expressam sua posição pela manutenção da ordem restrita e elitista que alicerça as universidades públicas paulistas. Mais que isso, a posição dos docentes quer aprofundar o já contrastante elitismo, pois acham que é rebaixado um teto de 21 mil reais e que o “justo” é subir para mais de 30 mil reais!

Supersalários e o elitismo na UNICAMP

Não à toa o CRUESP é favorável à carta dos docentes e um simpatizante da “causa dos supersalários”. O reitor da UNICAMP, José Tadeu Jorge, além de ser um dos supersalários, alcançou quase 40 mil reais em junho, devido a sua “dupla matrícula” (recebendo um salário como professor e um salário como reitor). As reitorias das estaduais paulistas são, junto aos conselhos universitários destas instituições, os instrumentos mantenedores da ordem de uma universidade de classe, ou seja, são os principais garantidores de que o conhecimento e a produção da universidade (em especial a tecnológica no caso da Unicamp) estejam voltados aos interesses dos capitalistas.

A garantia do caráter de classe da universidade se expressa já desde dentro. Enquanto os professores argumentam sobre as injustiças e dificuldades de se viver com 22 mil reais, a permanência na universidade segue como uma pauta histórica do movimento estudantil, com embates e enfrentamentos para que seja atendida a demanda. A moradia da Unicamp é hiperlotada, blocos inteiros de casas começaram literalmente a desabar pela falta de manutenção e as chuvas sempre trazem “acidentes”, com explosões da rede elétrica que também não recebe manutenção há pelo menos 30 anos. Não existe bolsa estudo para estudantes pobres, estes devem trabalhar em troca do auxílio, muitas vezes “tapando buracos” pela falta de contratações de funcionários. Ou seja, aos poucos estudantes pobres, que fogem a regra e superam o obstáculo do vestibular, a universidade pública oferece muitos limites para sua formação.

Não é só a permanência que reflete o descaso dos dirigentes da universidade com o seu caráter “público”, isso vemos também no abandono velado do patrimônio público, com dezenas de obras inacabadas, prédios de cursos (menos atrativos ao mercado) sem manutenção adequada, com acervos inteiros em exposição levada ao extremo, como o revoltante incêndio na biblioteca do Instituto de Estudos da Linguagem em 2013 e a ameaça cotidiana da biblioteca do IFCH, devido à falta de manutenção da rede elétrica. A justificativa colocada desde sempre é a “falta de verba”, ou, mais recentemente, “pelos tempos de crise econômica”. Entretanto os altos salários são garantidos, significando a mais 200 milhões de reais no orçamento.
O abismo entre os altos salários da burocracia acadêmica e o salário dos funcionários é evidente, e é ainda mais escandaloso quando comparado ao salário (verdadeiramente rebaixado) dos trabalhadores terceirizados. Isso, bem como o avanço da privatização pela via da terceirização não são pontos relevados pelos defensores dos supersalários. Os verdadeiros defensores da universidade pública devem questionar o porquê parte significativa de sua estrutura é constituída por esse regime de trabalho desumano.

O elitismo da universidade não está apenas em suas desigualdades internas, mas, sobretudo, na imensa maioria da população que está fora dela. A UNICAMP e a USP também se destacam por serem universidades sem políticas de cotas raciais, no país com a maioria da população negra, o que se expressa na entrada de pouquíssimos jovens negros em seus cursos, e a sua larga presença nos trabalhos precários terceirizados.

Por uma defesa real da universidade pública

Ao contrário do projeto restrito e privatista que a burguesia brasileira intenta para as universidades públicas, estudantes e trabalhadores (funcionários e professores) devemos sair em uma defesa real da universidade pública. Essa defesa deve disputar uma universidade que tenha sua pesquisa e ensino voltados às necessidades e resoluções dos problemas sociais. Seu conhecimento deve ser produzido e usufruído pela classe que a sustenta, a classe trabalhadora. A permanência aos estudantes deve ser garantida e sem contrapartida, os direitos dos trabalhadores devem ser respeitados, bem como todos os trabalhadores que nela estão serem efetivados com salários justos, e iguais para trabalhos iguais. Também seus rumos devem ser ditados pelos setores que a constroem cotidianamente, a partir de um governo dos estudantes, funcionários e professores, proporcionalmente ao peso que têm cada categoria, e não através de uma burocracia privilegiada e aliada às empresas e aos governos, como acontece nos conselhos atuais. É fundamental que haja mais financiamento, por isso o defendemos em nossas lutas pela educação, mas para esse outro projeto de universidade e não para assegurar privilégios.




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