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Schwarz: Tese de Trótski transforma visão de países periféricos como quintal do mundo

Roberto Schwarz

Schwarz: Tese de Trótski transforma visão de países periféricos como quintal do mundo

Roberto Schwarz

Roberto Schwarz é doutor pela Universidade de Paris 3, foi professor de teoria literária e literatura comparada na USP entre 1963 e 1968 e professor de teoria literária na Unicamp entre 1978 e 1992. Autor, entre outros livros, de "Ao Vencedor as Batatas" (1977), "Um Mestre na Periferia do Capitalismo: Machado de Assis" e "Sequências Brasileiras" (1999). Reproduzimos abaixo sua coluna de opinião na Folha de São Paulo do último domingo que expressa a visão do autor sobre Trótski e sua tese do desenvolvimento desigual e combinado.

A tese do desenvolvimento desigual e combinado, de Leon Trótski, propõe um golpe de vista abrangente do ritmo irregular e planetário do capitalismo e, ao ressaltar as conexões dos países periféricos com o centro, muda o estatuto da sua condição de quintal do mundo.

O ritmo irregular e planetário do capitalismo escapa a nossos hábitos mentais, aprisionados na estreiteza nacional, na miopia de classe, na rotina das disciplinas acadêmicas e, também, nos esquemas do marxismo dogmático.

Ao colocar o acento nas descontinuidades do progresso, ou seja, nos seus deslocamentos súbitos, nas retomadas onde menos se espera, nas recombinações paradoxais com o atraso, sem esquecer os retrocessos, Leon Trótski (1879-1940) procurava fazer justiça à complexidade do processo real, que é contraintuitiva.

Sob este aspecto, a sua tese do desenvolvimento desigual e combinado do processo histórico era uma simples constatação de fatos pouco observados. Entretanto, pela crítica ao senso comum, às certezas da evolução linear e das localizações estáveis, ela era também um programa de desautomatização do espírito, instado a livrar-se de ideias feitas.

Tratava-se de exercitar um golpe de vista abrangente, internacionalista e aberto para o livre jogo do capital e da luta de classes, contrário à preguiça da visão corrente. À sua maneira, uma recomendação de genialidade, se não for muito pedir (com risco de escorregar para o chavão por sua vez). Se fizermos abstração da política —que, no caso, era o principal— havia afinidade com as audácias da arte moderna, que também justapunha o que o espaço histórico, o tempo e a normalidade separavam.

O interesse dessa posição para os países periféricos salta aos olhos. Uma vez ligada por dentro ao progresso dos países centrais —o seu polo oposto—, a condição de quintal do mundo muda de estatuto e ganha uma saliência inédita, tornando-se parte representativa e polêmica da atualidade, com direito à palavra.

A transformação é vertiginosa. De vestígios de um passado em vias de extinção, pitoresco no melhor dos casos, esses países relegados passam a problemas modernos, instâncias dramáticas do presente desigual e combinado do mundo.

Tornam-se provas vivas do que, décadas depois, no âmbito do desenvolvimentismo em crise, se chamaria desenvolvimento do subdesenvolvimento ou reposição moderna do atraso, formulações que em um primeiro tempo chamariam à revolução, mas depois colocariam em xeque o sinal positivo do futuro (e talvez o otimismo revolucionário de Trótski).

No plano da cultura, situações que pareciam condenar intelectuais e artistas à marginalidade irremediável agora os trazem à primeira linha do debate sobre o rumo perverso tomado pela modernização. Também no plano da ação política e econômica, a articulação ao que é novo desbloqueia —para bem ou para mal, frequentemente para mal— a paralisia anterior.

Os graus de liberdade de políticos e homens de negócio, agora muito mais descolados de seu povo, se é que isto ainda existe, aumentam. Não obstante, o salto nacional à frente, possibilitado talvez pela ligação estratégica ao polo avançado, que funciona como uma alavanca, não desaparece do horizonte.


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