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ANÁLISE | Saída de Ernesto Araújo: Bolsonaro nas mãos do Centrão

Ao atacar a senadora Kátia Abreu, Ernesto Araújo tentou sua última cartada para manter-se no cargo de chanceler. Porém, o ministro só conseguiu insuflar ainda mais o centrão contra ele, e acelerar sua remoção. O próprio Araújo acaba de anunciar sua demissão.

segunda-feira 29 de março de 2021 | Edição do dia

Com a cabeça a prêmio, em meio ao processo de destrumpização do governo, Ernesto Araújo escolheu a ofensiva atacando a senadora Katia Abreu (PP-TO) e provocou a reação que Arthur Lira (PP-AL) já havia advertido ao governo Bolsonaro. O primeiro remédio amargo foi aplicado contra Bolsonaro, com o chefe do Itamaraty sendo obrigado a pedir sua renúncia, fruto da pressão do parlamento que se movia para pedir seu impeachment.

A queda de Ernesto Araújo é o mais duro golpe no bolsonarismo desde a demissão de Abraham Weintraub do Ministério da Educação, no ano passado. O agora ex-chanceler, que havia dito que "Trump chegara para salvar o Ocidente", transformara o Itamaraty num dos templos ideológicos de Olavo de Carvalho. Sua saída enfraquece o presidente e o guru, e abre caminho à maior domesticação de Bolsonaro ao Centrão, que segue em sua base de apoio com custos cada vez maiores. Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente da mesma cepa que Araújo, pode ser o próximo; ao menos, sua cabeça já foi pedida por setores do capital financeiro que querem melhores negócios com Biden.

O Centrão fortalece sua mão sobre o governo. O pelotão de fuzilamento da reputação de Araújo atuou no Senado, sob comando de Arthur Lira (presidente da Câmara) e Rodrigo Pacheco (presidente do Senado). A escolha do novo chanceler pode não estar nas mãos de Bolsonaro. O favorito do governo seria o almirante Flávio Rocha, da secretaria de Comunicação Social; mas é um militar da ativa, e pode ser enredado nos problemas que engolfaram Pazuello. O Centrão já adianta suas opções para substituto: os golpistas Michel Temer, Aloysio Nunes ou José Serra. Nestor Forster, embaixador em Washington, Luiz Fernando Serra, embaixador em Paris, e Maria Nazareth Farani Azevêdo, cônsul-geral em Nova York, são outros nomes, ainda que menos prováveis.

Queima de Araújo

A saída de Araújo que já era iminente, tornou-se incontornável, após o ministro acusar a senadora Kátia Abreu (PP-TO), presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, de fazer lobby para os chineses em torno da implementação do 5G no país.

O discurso para a base bolsonarista foi evidente, mobilizando a tropa através do elemento anti-China. Nas redes sociais os bolsonaristas saíram em defesa do ministro, denunciando a intervenção chinesa. Porém, a tática do chanceler só conseguiu insuflar de vez o parlamento contra ele, principalmente o centrão do qual Kátia Abreu é parte. Resta saber agora como prossegue a pressão contra os demais ministros da ala ideológica. Ricardo Salles (Meio Ambiente), Damares Alves (Família), Milton Ribeiro (Educação) também estão mais acuados pelo ímpeto de depuração das alas trumpistas do governo.

Nessa política patrocinada pelos democratas, Araújo até tentou sinalizar ao governo Biden. Ao denunciar o atrelamento da senadora à China, na questão do 5G especialmente cara aos interesses estadunidenses na guerra comercial, o ministro se dirigiu também aos democratas. Araújo buscou ressaltar o componente funcional da política bolsonarista, de subordinação em primeiro lugar à Washington, mesmo para a nova diplomacia de Biden.

Entretanto, este é um elemento a se levar em conta, dentro da perspectiva da futura nomeação de um chefe do Itamaraty. Kátia Abreu, em sua resposta à Araújo, não negou que defendeu que "os certames licitatórios não podem comportar vetos ou restrições políticas", assumindo uma posição mais pró-China, como já havia feito em artigo para a Folha. A ex-ministra da agricultura dos governos petistas vocaliza os compromissos do agronegócio, de pensar pragmaticamente em primeiro lugar nos seus clientes, sendo o maior deles a China.

Ainda alertei esse senhor dos prejuízos que um veto à China na questão 5G poderia dar às nossas exportações, especialmente do Agro, que vem salvando o país há décadas.

Existe uma regra básica do mercado, segundo a qual o cliente sempre tem razão. Quem deseja vender produtos e atrair investimentos deve estar atento às exigências dos clientes e não de governos ou grupos de lobby.

Os Democratas certamente desejam destrumpizar o governo Bolsonaro, destituindo Araújo, porém precisam ponderar o limite que o peso das relações materiais do Brasil com a China vai determinar num novo ministério. Essa é uma variável que a partir da queda do ministro terá peso na escolha de seu sucessor.

O que ressalta mais uma vez as fissuras e disputas no andar de cima e a desagregação do governo Bolsonaro. Nesse momento de debilidade do regime, seria fundamental a emergência da classe trabalhadora como um ator independente de todas essas alas em disputa. Entretanto, Lula e as centrais sindicais atuam uma vez mais para garantir a passividade e a unidade de interesses, perdoando os golpistas e acenando com a via da conciliação para 2022. O fundamental seria erguer uma força dos trabalhadores em cada local de trabalho e estudo para remover não apenas Araújo, mas para se contrapor de conjunto a Bolsonaro, Mourão, militares e todos os golpistas. Uma força dos trabalhadores não para apenas negociar a entrega de vacinas pelas outras nações, mas que impusesse a intervenção estatal nas indústrias farmacêuticas e a quebra das patentes para ampliar a produção e a vacinação de toda a população.




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