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MÚSICA | Rock, cooptação e a juventude proletária

Aonde o som se fez carne e revolta, hoje movimenta produtos musicais pra lá de luxuosos. A conversão dos clássicos do rock em mercadorias dotadas de “bom gosto" e sofisticação, coexiste com a ansiedade de fãs brasileiros para possíveis shows ao longo de 2015.

terça-feira 14 de abril de 2015 | 00:00

Alguns jornalistas já estão falando de uma possível vinda ao Brasil de habitantes do Olimpo rockeiro: Rolling Stones e The Who devem passar pelo país este ano. Aqueles que sacam minimamente das transformações musicais e comportamentais da segunda metade do século XX, facilmente reconhecem no rastro de guitarras destroçadas por Pete Towshend e no rebolado de Mick Jagger, gestos inseparáveis dos explosivos legados musicais que exprimem a rebelião juvenil dos anos sessenta. Mas se hoje em dia rock e rebeldia não são em boa parte sinônimos, o que toda esta documentação elétrica do século passado pode significar para os jovens? O caroço deste angu aumenta de tamanho quando a mesma questão é posta especificamente para a juventude proletária do Brasil.

Sabe-se que hoje guitarra, baixo e bateria não somam necessariamente formas de questionamento quanto aos fundamentos morais da sociedade burguesa. A expressão “rock neoconservador" no Brasil, já nos dá uma ideia sobre a visão política de alguns músicos assumidamente liberais (ainda que alguns deles nunca tenham lido uma página de John Locke). Estando boa parte do rock muito caro e bastante perfumado, jovens trabalhadores canalizam a sua energia transgressora e suas formas de contestação para outras praias musicais. De acordo com o testemunho de alguns professores, é recorrente encontrar numa sala de aula das redes públicas de ensino garotos que encaram o rock com desprezo e o classificam como sendo “música de playboy". Ainda que isto não possa ser generalizado, afinal existem hoje bandas de rock que, optando politicamente pelo underground, questionam o Estado capitalista e as convenções sociais (o que por sua vez justifica a existência de garotos rockeiros nas mesmas escolas públicas), o comentário destes adolescentes não deixa de ser pertinente. Um claro rancor de classe se manifesta quando o jovem brasileiro de origem operária não encontra no rock aburguesado suas vivências e angústias. Outros territórios musicais como o funk e o rap exprimem com intensidade o universo social destes jovens (ainda que isto não revele necessariamente uma posição política de esquerda).

Se o rock torna-se pouco atraente para alguns segmentos juvenis, paralelamente uma verdadeira onda conservadora procura sequestrar do rosto rockeiro sua fisionomia rebelde. O que observa-se de uns anos pra cá são as mais diferenciadas estratégias reacionárias empenhadas em cooptar as estruturas musicais do rock para torná-las inofensivas e domesticáveis. É no mínimo preocupante quando a constituição estética do rock, pautada numa pulsão rítmica que expressa sensualidade e revolta, é apropriada e consequentemente neutralizada por músicos advindos tanto de igrejas cristãs fundamentalistas quanto do velho comercialismo (este último estabelece a produção em série de bandas). Estes fenômenos atuais são necessidades políticas da burguesia: tenta-se bloquear, no rock ou em qualquer outra manifestação artística, a saudável rebeldia que permite ao jovem questionar a sociedade estabelecida.
Obviamente que não podemos considerar o rock e as suas inúmeras derivações estilísticas que culminam em outros gêneros como sendo necessariamente o trabalho de “heróis revolucionários“. Uma problemática ambiguidade comercial condicionou historicamente a produção rockeira. Porém, de Chuck Berry aos Sex Pistols, de Frank Zappa ao Nirvana, existe no trabalho de inúmeros músicos um inegável valor de antítese. Tal valor culminou, no caso de alguns artistas, numa consciência política de caráter contestador. No momento em que os rockeiros acompanharam o processo de radicalização dos movimentos culturais e políticos de juventude (sobretudo durante as décadas de sessenta e setenta), encontramos nos shows e na mercadoria do disco, dispositivos que permitiram a intensificação das pesquisas musicais e a revelação de uma posição política anti-establishment. Este giro progressista não poderia ser tolerado pela indústria. Neste sentido é perfeitamente possível desconfiar hoje da conversão de rockeiros “feios, sujos e agressivos“ do passado em deuses da atualidade. Mais uma vez o fator da neutralização impõem-se enquanto ofensiva ideológica da classe dominante.

Do antigo rádio do vovô ao novo iPhone do guri, o rock conseguiu se comunicar com várias gerações, dos mais diferenciados países. A insatisfação, as frustrações e os hormônios da garotada de origem proletária encaixaram-se em vários momentos com a energia derivada do rock. Em termos políticos o rock aproximou-se em algumas circunstâncias das lutas operárias. Dentro do furacão punk,com todas as suas confusões ideológicas, era comum encontrar no final dos anos setenta componentes políticos advindos do marxismo e do anarquismo. A banda Crisis, por exemplo, possuía relações com o trotskismo na Inglaterra. No Brasil, jovens trabalhadores formaram e ainda formam bandas de rock a partir das mais variadas referências musicais. A violência da estética punk, assim como a densidade do blues, geram empatia entre aqueles que sentem no lombo o que é a mais valia. O fato de muitos garotos não se identificarem com o rock nos leva a buscar os motivos disso no lado elitista do gênero e em suas formas de cooptação.

Seria empobrecedor reduzir a educação musical da garotada unicamente ao dado ideológico. O importante também é conhecer música: tanto Mozart quanto Beatles, tanto Villa Lobos quanto Noel Rosa, são fundamentais para o desenvolvimento da sensibilidade musical. Mas visto que a música tem um valor inestimável no modo de expressão das ideias dos jovens, valorizemos no rock e em todo e qualquer gênero musical o fator da rebeldia: isto sem dúvida acentua as qualidades revolucionárias da juventude apontadas por Trotski.


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