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TRIBUNA ABERTA | Reservatórios de SP estão mais baixos agora do que no ano anterior à crise Hídrica de 2014

Se houver poucas chuvas no verão, 2019 poderá ter uma crise de abastecimento ainda pior que em 2014 e 2015. Leia mais nessa primeira parte do dossiê da crise hídrica.

sábado 30 de junho de 2018 | Edição do dia

(Foto / Arquivo 2014: Luis Moura/Estadão Conteúdo)

Água e Conflitos

Figura 1 Charge de Francisco Campos, do Prêmio do Ano Internacional do Planeta Terra (Unesco)

A questão dos conflitos envolvendo disputas em torno da posse e distribuição da águas mostra-se como um tema de grande importância, mas que mesmo assim várias vezes permanece em segundo plano ou mesmo oculto nos meios de comunicação.

No plano internacional, poucas vezes se divulga que muitas das áreas altamente disputadas e pautadas por longos e violentos esforços por seu controle (inclusive buscando expulsar dali seus habitantes e povos) apresentam-se como importantes reservas de água. Como por exemplo a Faixa de Gaza e Cisjordânia, que correspondem a regiões de importantes aquíferos (Aquífero Costeiro e Aquífero da Montanha).

Nos vastos territórios dos países de terceiro mundo tem se registrado uma silenciosa corrida entre as principais potências dos países centrais e grandes corporações a fim de adquirir posse e controle de áreas de nascentes e/ou de alto potencial para exploração dos aquíferos e fontes de água. Sendo muitas vezes tais áreas desconhecidas como portadoras destes atributos especiais pelos povos e governos dos países da periferia, mas conhecidas pelos minuciosos e atualizados levantamento de dados dos setores dominantes da economia global.

Apesar da centralidade do tema em muitas questões, ele permanece em grande medida a margem do debate – sendo lembrado em geral somente em situações de falta de água.

No Brasil, o tema das águas recebeu bastante destaque entre 2014 e 2015. Sérios problemas de abastecimento no sul-sudeste (em especial em São Paulo) em áreas populosas e não habituadas a este tipo de problema contribuíram para a evidência dada ao assunto. A crise hídrica ganhou manchetes e destaque no cotidiano. O tema, porém, passou a ser deixado em segundo plano pela grande mídia após o retorno das chuvas e restauração parcial dos reservatórios. Mesmo com atualmente os reservatórios do Sistema Cantareira de SP com menos água (48,3% do volume total, contra 56,3% em Junho de 2013) do que no período equivalente no ano que antecedeu o agravamento da crise.

Naquele período de crise mais forte a cobertura dos veículos da mídia de maior visibilidade atribuiu a responsabilidade dos problemas à condições climáticas consideradas como pouco comuns, que fugiriam das medias e da normalidade. Estaria havendo uma diminuição brusca e anormal das chuvas, que não teria precedente e portanto não teria tido como ter sido prevista. Retornando as nuvens de chuvas, o problema estaria encaminhando-se para ser resolvido e não mereceria assim a mesma atenção de antes.
Recentemente, o tema retomou as manchetes – com as pressões para privatização da CEDAE (Companhia Estadual de Águas e Esgotos) no Rio de Janeiro. Dentre os discursos, estaria que as águas e o saneamento privatizadas gerariam um abastecimento hídrico melhor e mais eficiente.

Cabe, porém, nos fazermos uma série de questionamentos. A crise hídrica está de fato superada? A diminuição das chuvas era de fato imprevista, e agora que elas aparentemente retornaram o problema estaria resolvido? E realmente, foram somente as condições naturais as responsáveis pelas dificuldades? Ou as decisões políticas e os interesses escolhidos para serem favorecidos pelas políticas públicas também tiveram um peso importante para o agravamento da crise hídrica?

As Bases Naturais da Crise Hídrica

O primeiro questionamento que cabe ser discutido com mais detalhes é uma das afirmações repetida muitas vezes pela grande mídia. Aquela de que a queda na quantidade de chuvas registradas entre 2013 e 2015 foram algo totalmente fora da média conhecida e totalmente imprevisível - uma fatalidade da natureza, que não poderia se imaginar que ocorreria.

Como um possível ponto de partida para a discussão, nos parece interessante realizar um resgate do que já foi estudado e pesquisado referente aos ciclos das chuvas no Brasil. Um trabalho interessante de ser lembrado é um estudo do professor Santanna Netto, da UNESP de Presidente Prudente, sobre a dinâmica das chuvas no Estado de São Paulo.

No trabalho citado, o professor procurou realizar um resgaste da variação na quantidade de chuvas no estado paulista ao longo do século XX e do começo do século XXI. Os resultados obtidos mostram que dificilmente se encontra um ano em que a quantidade de chuvas mostra-se próxima da média. O professor registrou uma grande variação ao longo do tempo das quantidades de chuvas anuais, sendo frequente encontrar tanto registro de anos com chuvas bastante acima ou abaixo da média.

Figura 2 – gráfico do professor Satanna Neto, ilustrando variação das chuvas em São Paulo ao longo do tempo.

Mais do que isso, o trabalho do professor Santanna aponta que as mencionadas oscilações não são totalmente aleatórias mas que apresentam um certo tipo de padrão no tempo. O trabalho demonstra que a trajetória das chuvas no estado é pautada pela alternância com ciclos de alguns anos de chuvas acima da média, seguidos de outros de alguns anos de chuvas abaixo da média. Registra-se alternância de intervalos de 3 a 8 anos de chuvas mais fortes seguidos por outros períodos de duração similar de chuvas mais escassas

Aponta ainda que a cada cerca de 30 anos mostram-se tendências de terem registros de sequências de intervalos de anos especialmente destoantes, alternando alguns anos de quedas bruscas da quantidade de chuvas anuais seguidos de outros com registro de picos de chuvas muito acimas da média. Cita-se como exemplo os pulsos de alguns anos com chuvas extraordinariamente expressivas seguidos por outros de estiagens especialmente severas que se seguiram a 1905, 1938 e 1983

O gráfico elaborado pelo professor para ilustrar a variação das chuvas ao longo das décadas em verdade lembra muito aqueles dos aparelhos de eletrocardiogramas, usados pelos médicos para registrar as variações das batidas dos corações de seus pacientes (ver figura 2).

Um ponto importante que pode se retirar de dados como os apresentados, é que as médias das chuvas anuais assim não oferecem a melhor referência para se realizar políticas públicas. Os diversos alertas antecedendo a crise hídrica de múltiplos pesquisadores e técnicos alertando que as decisões tomadas estavam se baseando em concepções equivocadas e de curto prazo não foram suficientemente levados em consideração.
Haverá certamente no futuro um novo período de alguns anos de quantidade de chuvas bastante abaixo da média. Adotar a opção de operar o sistema no limite poderá ter novas e talvez mais graves consequências, se os avisos continuarem não sendo levados em conta. Com as reservas atualmente baixas, já no próximo verão se houver poucas chuvas poderá se ter uma nova situação de falta de água até mesmo mais grave que a de 2013-2014.

Essa recusa em aceitar tais alertas podem ter muito haver com mudanças nos modelos e políticas públicas de uso das águas, em especial a pressão para privatização dos serviços de saneamento e abastecimento hídrico.

A variação natural somente notada no longo prazo das chuvas, e a necessidade de tomar medidas também de longo prazo para lidar com essa situação, entra em conflito com a pressão para planejamentos cada vez mais baseados em retorno financeiros de curto prazo. Essa logica esta ligada a abertura de capital dos serviços de abastecimento de água, e a opção de privatiza-los tende a tornar esse conflito maior.

Os ritimos e tempos da natureza e das águas não se adaptam a lógica da geração do maior lucro possível a curto prazo, e ignorar isso pode trazer graves consequência para o abastecimento público.

Trata-se de uma contradição que em muito pode ajudar para entender o agravamento dos problemas de abastecimento, e as possibilidades de piora na situação no futuro. Esse tópico, das mudanças das políticas públicas e sua relação com os rítimos naturais, será discutido e aprofundado na segunda parte do texto do Dossie da Crise Hídrica.




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