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SANDERS DESISTE DA CORRIDA | Requiem para um sonho (social democrata)

Apenas um mês atrás, muitos socialistas defendiam que Bernie Sanders poderia ganhar as internas democratas e a presidência dos EUA. Hoje, ele suspendeu sua campanha. O que vem depois?

quarta-feira 8 de abril de 2020 | Edição do dia

Enquanto os Estados Unidos chega a 12,000 mortes de coronavírus e dezenas de milhões estão desempregados, Bernie Sanders abandonou as primárias democratas.
Sanders mobilizou uma quantidade de apoio estonteante, levantando 180 milhões de dólares, mais do que todos os outros candidatos democratas juntos, com pequenas doações de pessoas da classe trabalhadora: professores, enfermeiros, trabalhadores da Amazon, e outros. Ele recebeu apoios de sindicatos chave e teve um apoio massivo entre pessoas jovens. Sua campanha representou um giro à esquerda massivo que permitiu com que um auto-proclamado “democrata socialista” recebesse um amplo apoio.

Um número inimaginável de pessoas que sofrem com empregos de salários baixíssimos e sem seguro de saúde colocaram suas esperanças em Sanders. Tudo isso desabou hoje.

Bernie Sanders abandonou a corrida

Isso acontece depois dele perder dez estados na Super Terça, assim como bem como todos os tambores na grande mídia exigindo que Sanders desistisse e se alinhasse atrás de Joe Biden. Neste ciclo eleitoral parecia que Sanders poderia ganhar a nominação democrata. Suas propostas como Seguro de saúde para todos (Medicare for all) e universidade pública gratuita estiveram no centro dos debates do Partido Democrata. Muitas das suas políticas tiveram altas pontuações continuamente. Parecia que o establishment do Partido Democrata teria que mudar para a esquerda, pelo menos na retórica, para acompanhar Sanders. Depois da vitória esmagadora de Sanders em Nevada, ele parecia imparável. A revista Jacobin defendeu em um título: “Agora é o partido de Sanders.”

Mas agora, nós estamos em meio a uma pandemia. As perspectivas parecem sombrias com pessoas morrendo pelo COVID-19 e muitos estão sofrendo para colocar comida na mesa, muito menos pagar aluguel, devido ao desemprego de massas. Pessoas que haviam depositado suas esperanças em Sanders estão provavelmente sentindo desespero e desgosto. Mas nesta crise, nós não podemos nos desesperar: nós precisamos aprender com isso para lutar pelo socialismo.

O Partido Democrata vs. Bernie Sanders

Muitos criticaram Sanders por não ter desistido mais cedo, argumentando que pessoas haviam colocado sua saúde em risco para votar nas primárias Wisconsin, assim como na Flórida e em outros estados. Ohio e Nova York adiaram suas datas de primárias. Estas críticas foram repetidas em múltiplos canais de notícia pagos, que são adversários de longa data de Sanders. O establishment político e a Suprema Corte estavam felizes em realizar as eleições, colocando uma enorme pressão em Sanders para que desistisse.

O acontecimento era previsível deste a Super Terça, quando, após a retirada e o apoio de todos os outros candidatos do establishment, Joe Biden ganhou vitórias imponentes em dez estados. Após a Super Terça, Elizabeth Warren, a única outra candidata progressista na disputa, desistiu e não apoiou Sanders. Muitos suspeitam que se Warren tivesse desistido antes da Super Terça, o resultado poderia ter sido bastante diferente. Mas Warren se mostrou uma apoiadora leal do establishment do Partido Democrata.

Tudo isso aconteceu em uma rápida sequência e não foi um acidente. Existiram semanas de ataques midiáticos contra Sanders e informes demonstram que o ex-presidente Barack Obama e outros contataram candidatos e os encorajaram a apoiar Biden. De várias formas, o jogo estava ganho para Biden. O establishment colaborou bem evidentemente para promover Biden e acabar com as perspectivas de Sanders de ser o candidato, assim como o fizeram em 2016.

No entanto, Sanders ganhou “nas demandas”. Suas propostas eram populares, em muitos estados mais populares que ele, e ele pautou o debate para o restante do campo. Durante a candidatura de Sanders, pesquisas mostraram que por volta de 39% das pessoas apoiavam a ideia de socialismo e aproximadamente 50% apoiavam Medicare for All.

Biden = “Estabilidade” Capitalista

Joe Biden não possui qualquer solução para essa crise. Longe disso, ele praticamente não foi visto desde o começo do surto. Contudo, Biden representa para muitas pessoas uma volta à “estabilidade” da presidência de Barack Obama. Mas estabilidade será impossível de vir em meio à pandemia e à recessão.

Enquanto os tweets bizarros e as conferências de imprensa caóticas de Donald Trump não impactavam a vida durante o governo de Obama, a administração Obama-Biden não foi a utopia que muitos, inclusive Joe Biden, acreditariam. Obama deportou mais pessoas que qualquer presidente antes dele, lançou ataques aéreos em pelo menos sete países e aprovou um plano de assistência médica que ajudou as seguradoras sem sequer uma “opção pública”.

Mais que “estabilidade”, Biden representa as políticas neoliberais que preparar o terreno para a atual crise econômica e sanitária. Milhares morrerão em prisões como resultado do COVID-19. Foi Biden que ajudou a colocá-los lá com a Lei do Crime de 1994. Milhares de imigrantes e refugiados morrerão nos campos de concentração que Biden construiu como parte da estrutura do ICE. Até mesmo durante esta pandemia, Biden tem sido oposição resoluta do Medicare For All.

Neste contexto, foi absurdo que Sanders não expressasse nenhuma raiva por Joe Biden e o establishment do Partido Democrata em seu discurso desistindo da corrida. Muito pelo contrário: “Eu parabenizo Joe Biden, um homem muito decente, com quem eu trabalharei para levar adiante nossas ideias progressistas”.

Joe Biden é um inimigo da classe trabalhadora, das próprias pessoas que apoiaram Sanders, doaram dinheiro para sua campanha e participaram de seus comícios. Ele se coloca firmemente ao lado dos capitalistas, se opondo terrivelmente a um sistema de saúde universal em meio à pandemia. E ainda assim, como Bernie Sanders prometeu durante sua campanha, ele fará campanha para Biden, o que certamente partirá os corações de milhões de apoiadores de Sanders.

E assim, nós precisamos tirar conclusões políticas do que parece como uma imensa traição contra tudo que Sanders disse que estava lutando por.

O cemitério dos movimentos

Sanders entrou em um fenômeno de rápido crescimento e conseguiu trazer muitas pessoas novas para a política. Contudo, a liderança destas recentemente politizadas massas, tanto o próprio Sanders quanto seus aliados na liderança dos Democratas Socialistas da América, escolhem dedicar a vasta maioria das suas forças para empurrar um partido capitalista para a esquerda. Inicialmente, esta estratégia parecia estar funcionando. Membros do DSA foram eleitos em uma série de câmaras estaduais e Alexandria Ocasio-Cortez ganhou uma cadeira Câmara dos Deputados.

O fracasso de Sanders em ganhar a nominação deveria mandar a liderança do DSA, a revista Jacobin e todos os outros grupos Sanderistas para um período de busca de alma. Ao dedicar todas as suas forças para uma estratégia que dependia das eleições burguesas e um partido político imperialista para ganhar o socialismo, ou até mesmo reformas sociais, a liderança levou o movimento incipiente a um beco sem saída.

A história está cheia de esquerdistas que tentaram reformar o Partido Democrata. É uma estratégia que faliu universalmente de George McGovern a Jesse Jackson até, agora, Bernie Sanders. Os Democratas são, como um partido inerentemente burguês e imperialista, inimigos jurados dos socialistas e do projeto do socialismo. Eles não podem ser transformados em nada diferente do que sempre foram: um partido de capitalistas para capitalistas. A orientação da liderança do DSA para o Partido Democrata mostra um erro fundamental de direção e estratégia. Socialistas deveriam participar de eleições e utilizar as eleições para espalhar suas ideias e construir suas forças, não para construir um partido capitalista.

Entretanto, Bernie Sanders não é um socialista. Ele é um “liberal do New Deal” nas suas próprias palavras. Seu projeto era empurrar o Partido Democrata para a esquerda, não provocar a revolução socialista. É por isso que ele votou pelo resgate, é por isso que ele apoia o imperialismo dos EUA uma e outra vez, e é por isso que ele fará campanha por Joe Biden. Sanders quer que as pessoas continuem votando nele para que ele possa levar a maior quantidade possível de delegados para a convenção, em outras palavras, ele segue empurrando o partido para a esquerda.

Esta estratégia terá pouco impacto no establishment do Partido Democrata, ainda assim, faz com que sua base mais radical se mantenha afastada de romper com um partido capitalista.

A tragédia do projeto Sanders é que ele atraiu uma enorme quantidade de ativistas socialistas para um partido completamente desacreditado. Este giro foi orquestrado por uma direção que prometeu, durante o caminho, que essa era a preparação para uma “ruptura dura” dos Democratas, assim como reformas estruturais sob uma presidência de Sanders, que seria colocar um trampolim no caminho rumo ao socialismo.

Isso não aconteceu.

Não Eu, Nós

A campanha de Sanders popularizou muitas demandas importantes que os socialistas devem defender: Medicare For All, o perdão dos empréstimos dos estudantes, e maiores taxações aos ricos. Em meio à pandemia do coronavírus, Sanders propôs um cheque de 2,000 dólares para cada pessoa por cada mês da crise, o que seria uma salvação para muitos.

Durante sua campanha, Sanders assegurou que reformas substanciais poderiam ser ganhas ao ganhar apoio público para enfrentar um congresso cheio de republicanos (e democratas): “Não eu, nós”, disse Sanders.

No entanto, Sanders não conseguiu organizar uma única mobilização para suas propostas. Sanders tinha apoio de um amplo setor de trabalhadores, estudantes e uma série de sindicatos chaves. Estas forças poderiam ter ajudado a levar adiante a luta pelas reformas que Sanders veio defendendo. Imagine se Sanders tivesse convocado todas os sindicatos que o apoiavam para fazer uma greve em defesa do Medicare for All? Ou se ele tivesse dito a todas as pessoas que o apoiavam que deveriam tomar as ruas para protestar contra as dívidas de empréstimos para mensalidades estudantis? Todas essas táticas eram alcançáveis com a coalizão que ele havia construído. Em vez de pedir que lutassem, contudo, Sanders os chamou para… pedir votos. E plantão telefônico. E doar. Organizações como o DSA o seguiram, derramando todo seu tempo e energia neste empreendimento. Durante este processo, um exército de pedidores de voto foi construído, não um exército para a luta de classes.

Enquanto Sanders sai da corrida, seu fracasso em construir um exército de manifestantes, piqueteiros e grevistas enraizados na classe trabalhadora fica flagrantemente claro. Mas neste momento existe uma necessidade ainda mais urgente de continuar a luta. Enquanto trabalhadores em todo o país organizam paralisações e a luta de classes se intensifica, a decisão da direção do DSA de focar na campanha de Sanders precisa ser questionada.

Enquanto alguns dizem que não existe alternativa, é nossa tarefa como socialistas construir uma força que pode criar uma alternativa que nós todos desesperadamente precisamos. Enquanto Sanders votou por um resgate das corporações, enfermeiras estão defendendo a nacionalização do sistema de saúde. Socialismo ou barbárie não é só um slogan, é uma realidade que vemos se desenrolando diante dos nossos olhos.

O que precisa ser feito

Para muitos, a derrota de Bernie Sanders será desmoralizante e desanimadora. Muitos podem considerar dar as costas para a política nacional e em vez disso focar na organização local. Mas nós não devemos nos desanimar e nós não podemos retroceder da batalha por poder político a nível nacional e internacional.
As pessoas da classe trabalhadora precisam da sua representação política própria. Os trabalhadores da saúde, da construção, dos supermercados que estão lutando agora pelo seu próprio partido político: um partido de trabalhadores independente dos capitalistas.

Bertolt Brecht escreveu uma vez que “porque as coisas são como são, as coisas não continuarão sendo como elas são”. Agora é um tempo no qual a ordem capitalista está em crise e nós não podemos cair em desespero. Agora não é o tempo para desilusão, é tempo para lutar. É o tempo para organizar para as lutas que estão só começando e que colocam o terreno para a revolução socialista, para o futuro. Socialistas do DSA e sua periferia, como as milhares de pessoas que twittaram DemExit, deveriam se somar à classe trabalhadora combativa que já está enfrentando esta crise de frente. Essa unidade deve ser ao redor de um novo partido, uma alternativa a classe trabalhadora independente dos capitalistas. O tempo é agora. Nós temos um mundo a ganhar.

Artigo originalmente publicado em inglês no Left Voice, integrante da Rede Internacional La Izquierda Diario, assim como o Esquerda Diário.




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