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Opinião Cuba | Repudiável política de Bolsonaro e Biden para Cuba: superemos a burocracia castrista pela esquerda

A direita pró-imperialista na América Latina busca se aproveitar da crise cubana para seus próprios desígnios.

André Barbieri São Paulo | @AcierAndy

quarta-feira 14 de julho de 2021 | Edição do dia

A direita pró-imperialista na América Latina busca se aproveitar da crise cubana para seus próprios desígnios. Foi o caso de Jair Bolsonaro, que buscou apropriar-se demagogicamente dos protestos – que em sua expressiva maioria combatiam ataques econômicos semelhantes ao que seu governo de extrema direita aplica no Brasil. Bolsonaro disse que “deseja a liberdade em Cuba” e expressou “apoio e solidariedade ao povo cubano”. Seguiu de perto o discurso do imperialista Joe Biden, presidente dos Estados Unidos, que hipocritamente afirmou que está “com o povo cubano e seu claro chamado à liberdade”.

Assim como durante os bombardeios terroristas do Estado assassino de Israel contra os palestinos na Faixa de Gaza, ou durante a repressão do governo Iván Duque contra a rebelião de massas na Colômbia, Biden e Bolsonaro estão juntos como bons aliados para transmitir seus anseios “democráticos” golpistas (algo que torna ridícula a idéia do imperialismo de Biden como “mal menor” diante de Trump, algo que a esquerda brasileira muito nutriu). Com efeito, toda a situação crítica de Cuba é moldada, em boa medida, pelo criminoso embargo mantido desde a década de 1960 pelos Estados Unidos.

A verdade é que as demandas centrais dos protestos em Havana se dirigiram contra os ajustes antioperários e antipopulares da burocracia stalinista do Partido Comunista Cubano, encabeçada hoje por Miguel Díaz-Canel: contra o desabastecimento de insumos, os altos preços dos alimentos e os cortes de luz em meio à crise sanitária causada pelo coronavírus. Essas reivindicações legítimas são realizadas enquanto Cuba atravessa o pior momento da pandemia, com denúncias de centros de saúde colapsados, falta de medicamentos e outros produtos de primeira necessidade. Lembrando que no Brasil de Bolsonaro, Mourão e seus militares, o governo teve uma administração catástrófica da pandemia, ultrapassando em muito os 500 mil mortos, uma das piores situações sanitárias do mundo.

Nesse contexto, também se expressaram consignas como "Pátria e Vida” ou “Liberdade” impulsionadas por setores de direita que são funcionais a uma política de maior abertura econômica e reformas pró-mercado. Nas mobilizações também se expressa uma base social que foi se desenvolvendo a partir das reformas liberalizantes impulsionadas por Raúl Castro desde 2010. Reformas que permitiram que setores com acesso ao dólar pudessem fazer negócios e explorar mão de obra, embora de forma controlada e limitada pelo Estado. Esses "manifestantes", golpistas natos, não tem relação com os manifestantes que levantam demandas legítimas de defesa de seus direitos sociais.

As declarações de Bolsonaro respondem a exigências internas e externas. Do ponto de vista geopolítico, atende às exigências de Washington, que realizou uma visita inusitada ao Brasil com o chefe da CIA, William Burns. O diretor da agência de espionagem norte-americana, famosa pelo apoio a todos os golpes militares na América do Sul durante as décadas de 1960 e 1970 – com o objetivo de frear a influência da Revolução Cubana de 1959 – veio para enquadrar Bolsonaro nas condições de permanência no cargo até 2022, que envolvia não apenas o seguimento dos ajustes econômicos e privatizações no Brasil, mas também a lealdade à agenda imperialista.

O antagonismo aos planos da burocracia chinesa, como a entrada da tecnologia do 5G no Brasil, e as provocações à Venezuela, governada pelo autoritarismo bonapartista de Nicolás Maduro, foram temas da conversa. Importante também foi alinhar Bolsonaro às investidas contra a população cubana, o apoio ao criminoso embargo dos Estados Unidos contra a ilha, e a campanha pela “liberdade”, que no caso da retórica imperialista em Cuba sempre esteve ligada à restauração da miséria capitalista para afundar aquilo que restam das erodidas heranças da Revolução, desgastadas pela burocracia castrista.

Além de lamber as botas do imperialismo norte-americano, antes de Trump e agora de Biden, Bolsonaro agita o fantasma do “comunismo” e a sua própria figura como aquele que impediria que o Brasil adotasse os regimes de Cuba e da Venezuela. Com a mesma desfaçatez esplêndida do capitalismo neoliberal, oculta que nem a Venezuela (que não passou por nenhuma revolução e foi dirigida pelo chavismo, fenômeno nacionalista burguês de tintas autoritárias, com militares envolvidos em corrupção assim como no Brasil) nem Cuba (cuja burocracia castrista bloqueou a dinâmica internacional da Revolução Cubana e agiu para enfraquecer todas as bases dessas conquistas sociais expropriadas da luta dos trabalhadores e camponeses cubanos) tem qualquer coisa a ver com o comunismo. Acima de tudo, seu cinismo faz crer que Lula e o PT, que governaram o capitalismo brasileiro por 13 anos em aliança com a Casa Branca, representariam qualquer perigo para os interesses de Washington.

Nem Biden, nem Bolsonaro, tem qualquer preocupação pelas penosas condições de vida da população trabalhadora em Cuba, muito menos pela situação dos presos políticos nas manifestações durante a repressão da burocracia do Partido Comunista Cubano (como Frank García Hernández, Marco Antonio Perez e Maikel Gonzalez, todos defensores do socialismo, que devemos saber diferenciar claramente dos "manifestantes" pró-imperialistas, no marco do rechaço à repressão estatal). Pelo contrário, nos bastidores estão em grata sintonia com as reformas pró-capitalistas que Díaz-Canel e o Exército cubano realizam, que envolvem a eliminação do Peso Conversível Cubano (CUC) e uma desvalorização de 2400% da moeda nacional, a redução geral de subsídios, com a eliminação direta de subsídios julgados “desnecessários” pelo governo, assim como o fim da obrigatoriedade na participação majoritária do Estado em setores chave da economia.

O governo cubano, por sua vez, utilizou essa instrumentalização política que a direita faz para justificar a repressão e um discurso que criminaliza os protestos, sem dar qualquer resposta às demandas agonizantes de milhões de cubanos. Díaz-Canel denunciou a participação dos Estados Unidos em “ações de desestabilização”, igualando as demandas legítimas com a política repugnante dos Estados Unidos e seus aliados como Bolsonaro. A resposta foram prisões e repressão contra os que se manifestaram, independente das suas bandeiras, buscando silenciar o descontentamento.

As declarações de Bolsonaro são repudiáveis, tanto por sua política reacionária quanto por sua colaboração capacha com o criminoso bloqueio dos Estados Unidos contra Cuba. A batalha contra as provocações do imperialismo e da direita latino-americana é um dever de todos os povos na região. Entretanto, não se pode ser consequentemente anti-imperialista sem enfrentar a reacionária burocracia castrista que faz de tudo para restaurar o capitalismo em Cuba. Miguel Díaz-Canel diz, no jornal oficial Granma, que "defende a revolução acima de tudo". Uma hipocrisia descarada, uma vez que atua aproveitando a pandemia para avançar medidas que facilitam a destruição das conquistas da Revolução Cubana que ainda restam.

A burocracia do Partido Comunista Cubano é totalmente impotente para fazer frente às ameaças de Biden, Bolsonaro e toda a direita regional. Defende seus próprios privilégios de casta, buscando assegurar que numa eventual restauração completa do capitalismo na ilha, os funcionários da camarilha estatal sejam os beneficiários diretos. É o caminho que seguiram as burocracias stalinistas na Rússia, na China e no Leste europeu, após conduzirem a restauração capitalista e se tornarem novos empresários em base à expropriação privada dos ativos nacionalizados. Os stalinistas brasileiros, como do PCB e da UP, instrumentalizam a correta batalha contra o imperialismo e a direita para a defesa reacionária dessa casta parasitária que reprime manifestações legítimas contra os ajustes e ataca os trabalhadores. São uma vergonha, dignos da política de adaptação à burguesia "bonapartista institucional" que hoje se opõe a Bolsonaro.

Também não concordamos com as posições de setores como o MES/PSOL, que embora corretamente defendam a legitimidade das manifestações, o fazem como conselheiros amigáveis da burocracia castrista. O PSTU, que considera que o capitalismo já está restaurado completamente em Cuba (abandonando a defesa daquilo que resta das importantes conquistas sociais de 1959), não pode combater consequentemente o governo de Díaz-Canel, e levantam uma espécie de "revolução colorida" que abre espaço às tentativas restauracionistas da burguesia "gusana" instalada em Miami. A LIT/PSTU já deveria saber, pela sua catastrofica política de "revoluções democráticas" nos processos de desestalinização em 1989, que seu caminho leva à restauração capitalista, mediante o abandono do legado programático da revolução política de Trótski, e ignorando os riscos que apresentam os manifestantes da direita.

Defendemos todas as liberdades democráticas contra a opressão política do regime cubano: a liberdade de reunião, de manifestação, de imprensa, o direito de livre associação e toda forma de organização dos trabalhadores (como comitês de fábrica ou de locais de trabalho), assim como a liberdade aos que foram presos por defender as conquistas sociais da Revolução. Não ignoramos que nas complexas contradições da crise cubana hajam setores pró-imperialistas e restauracionistas, que combatemos duramente. Por isso, uma saída profunda só é possível mediante uma nova intervenção revolucionária das massas, política e social, que freie o curso restauracionista, derrube a burocracia castrista e acabe com seu regime de partido único que, conquistando a liberdade política para todos os partidos que defendam as conquistas de 1959. Sobre essa base é preciso impor um verdadeiro governo operário e popular baseado na auto-organização das massas e na democracia operária, onde haja plena liberdade de organização sindical e em que os trabalhadores urbanos e rurais possam planificar democraticamente a economia, revogando todas as concessões que o PC Cubano fez aos capitalistas. Um governo operário e popular que reoriente a economia segundo os interesses das grandes maiorias e não de um punhado de burocratas associados ao capital estrangeiro, que pretendem se adonar do patrimônio nacional.

Uma dinâmica semelhante deveria expandir-se internacionalmente para que não caia novamente no beco sem saída do stalinismo e sua concepção utópica e reacionária do socialismo num só país (ou numa só ilha). Isso é o que Bolsonaro mais teme, e é o que terminaria sua demagogia de apoio às manifestações em Cuba. A luta contra o imperialismo e seus lacaios na América Latina teria um enorme apoio com a auto-organização revolucionária das massas cubanas, expulsando de suas manifestações a direita golpista e derrotando os ajustes da burocracia estatal. Seria mais um ingrediente explosivo no barril de pólvora que é a América Latina.




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